Thursday, January 28, 2021

Caricaturas Crónicas: «Augusto Cid – um humor controverso» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 2/10/1988

 Goste-se ou não da sua visão política, uma coisa é certa: é um dos melhores cartoonistas portugueses da actualidade, a cuja sátira alia um traço contundente, dentro de um grafismo anglo-saxónico, que tem como figura de proa Ronald Searl.

 

Amado por uns, odiado por outros, Augusto Cid é na actualidade o cartoonista mais controverso, pela sua intervenção ser agressiva e contundente.

Segundo ironia do próprio, nasceu «na ilha do Faial numa manhã cinzenta e fria de novembro de 1941, aos gritos: Baleias! Baleias!

Sem esperar que me pendurassem pelos pés e me dessem a palmada da praxe, corri para a praia e em vão tentei deter os homens do arpão. Uma hora depois era içada de um mar tinto de sangue, uma linda baleia e lentamente cortada às rodinhas no cais… Eis quando subitamente se fez luz no meu espírito! – Corri para casa, voltei com tintas e pinceis e nessa mesma manhã parti para o mar. De então para cá tenho-me dedicado a pintar nas baleias tenebrosos monstros capazes de paralisar de medo os mais ousados homens do arpão».

Quem é o homem do arpão, hoje, é um caso para pensar, mas o certo é que teve de esperar 19 anos para descobrir esse gosto «amargo» de pintar «monstros», ou de «arpoar».

Estava na Califórnia, com uma bolsa do AFS – American Fiel Service (Erasmos liceal), e vendo como os cartoonistas tratavam os políticos, com que poder os “dominavam”, tomou a decisão de se dedicar a esta profissão. Fez estudos de arte nos EUA, e em Lisboa, optando sempre por uma visão estética pessoal que mantêm no cartoon, na publicidade (o logo do PPD foi desenhado por ele) ou na escultura (especialmente na temática equestre e não só) que faz.

A partir da década de sessenta publica trabalhos na «Parada da Paródia» (não só desenhos mas também textos), «Observador», «A Mosca», «RTP»… e finalmente entra para o quadro do jornal da direita «O Diabo», onde tem o privilégio de primeira página semanal. (Posteriormente passaria pelo «Sol»).

A par do seu trabalho nos periódicos, tem apresentado regularmente ao público, os seus trabalhos condensados em álbuns. O primeiro, «Que se passa na frente?!!!», regista a sua estada na guerra colonial, em Angola, só conheceu a forma de álbum em 1973, e para mim é um dos melhores trabalhos de Cid, para além de ser um dos raros registos humorísticos da guerra colonial. (Aproximado é o álbum dos trabalhos de Nando com o «Zé da Fisga»).

Depois do 25 de abril publicou o «PREC I», seguido do «PREC II», «O Superman», «Eanito, el Estático», «O Último Tarzan», «O Fim do PREC», «Demito-me uma Ova», «Bicas e Bocas», «Camarate», «Agarra mas não abuses»… evidenciando-se como o único cartoonista assumidamente de direita. (Ele defender-se-ia que não era direita, mas sim os jornais para onde trabalhava).

A sua intervenção crítica deixou o tom irónico, para se impor como um satírico, um «arpoador» dos que fizeram a revolução, ou de certos políticos. Dentre eles, a sua obsessão por Ramalho Eanes e Álvaro Cunhal, fez com que corresse o boato de que no dia em que estes políticos desaparecessem, o Cid desapareceria também, o que parece não ser verdade.

Esta agressividade satírica já lhe trouxe vários problemas com a justiça, em processos de difamação, ou apreensão de álbuns, mas estes são os riscos da profissão. O Cid não é um satírico que se conforma, e defende que «um cartoonista, à semelhança do tigre, tem que actuar de forma fulminante sem dar qualquer hipótese à sua vitima. Não faz o menor sentido ir dando pequenas e denunciadas dentadinhas, porque a breve trecho o lesado põe-lhe um açaimo e uma coleira… Nas verdadeiras democracias são os cartoonistas que mantêm os governantes em permanente estado de vigilância e sobressalto».

Esta é a sua forma de comentar a polítrica pelo cartoon, a cuja sátira alia um traço contundente, dentro de um grafismo anglo-saxónico, que tem como figura de proa Ronald Searl. É um desenho linear, com predominância da silhueta, ou a bidimensionalidade, em que a caricatura exacerbada existe como identificação contundente. A esta linha, Cid enriquece o desenho com aguadas a cor ou cinzento.

Goste-se ou não do seu traço, do seu ataque  cerrado aos políticos da esquerda, da sua visão crítica, uma coisa é certa, é um dos melhores cartoonistas portugueses da actualidade, que ainda no ano passado conquistou o Prémio de Humor de Imprensa no I Salão Nacional de Caricatura (Vila Real), e acima de tudo é que os seus trabalhos têm humor.

 

PS. Viria a falecer a 14 de Março de 2019, em Lisboa, após doença prolongada.


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