Monday, December 14, 2020
Caricaturas Crónicas: «A SCENA DRAMÁTICA» Por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 20/7/1985)
Nos tempos que correm, porque há outros que não correm, como acontece com os projectos em Portugal, existe a «Cena Dramática». Mas o dramático da cena, é que não sei se a cena mais dramática é o Zé em lágrimas ou o Zé passivo.
Houve
tempos em que as lágrimas lhe corriam nas faces, perante a representação,
perante a história da menina órfã, maltratada pela madrasta, pela vida, e que
vence todos os tormentos na descoberta do «príncipe» encantado...; perante a
representação de um acto heróico, finalizado num belo casamento...
Há
tempos em que o Zé está passivo perante o écran, lendo maquinalmente as
legendas, indiferente ao calor humano da representação, mas interessado pelo
calor da comodidade. Na boa verdade, porque também existem más verdades, o
culpado desta indiferença, em comodismo, como não podia deixar de ser, é o
político, o responsável de tudo o que nos corre mal.
É
que, perante tanto teatrismo político; tanto «actor» no Parlamento a cantar a
«canção do ceguinho»; tanta representação da história do menino bom, que apenas
quer ajudar o Tesouro a gastar «bem» o dinheiro da nação... o Zé já não vai ao
teatro, não acreditando nos verdadeiros actores, confundindo-os com algum
político, que o quer cravar com alguma coisa.
O
teatro é a história da vida, e a primeira questão que se põe no crescimento do
Zé-Menino é «ser ou não ser» político, ou seja, em terra de aldrabões, ser ou
não ser.
O
despertar da juventude é o descobrir que quem está na «caixa do ponto» é o
político, não «deixando» muita coisa, tentando orientar o guião da nossa vida
representada («Scena Portuguesa -. o Ponto» R.B.P. in «António Maria» de
4/5/1882).
A
seguir vem o despertar das paixões, as aventuras de «Romeu e Julieta ou Julieta
e Rometa - a situação é esta, o que não se sabe é o final do acto...». (R.B.P.
in «António Maria» de 18/1/1883). Envenenamo-nos nós, ou envenenamos nós a
Lucrécia Bórgia governamental?
Os
finais podem ser vários pode o Zé tomar consciência da teatrologia política:
«Até agora, as reuniões só têm sido amostras da loquella pública onde o Hamlet
(Zé) diria com sobeja razão -Palavras e mais palavras, só palavras!»· (R.B.P.
in "Pontos nos ii» de 30/1/1890).
Pode
o Zé ser ludibriado, como: «Margarida Zé-Povinho, deslumbrado pelas jóias que
Mephistopheles copiosamente, colocou sob os seus olhos, vai ceder a sua branca
virgindade e o seu não menos branco voto, a esquecendo o modesto ramo de
violetas que o platónico e belo Siebel republicano lhe faz, apaixonadamente à
porta» (Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro in António Maria» de 12/11/1891 )
Facilmente
se fascina o Zé com Teatro de Marionetas (R.B.P. in «Pontos nós ii» de
11/8/1887), é hipnotizado por representações fantásticas, cujos bonecos nunca
se sabe por quem são manipulados, podendo ser homens, podendo ser o Partido,
podendo ser o Burnay-FMI, podendo ser....(?) ... A vida é um Teatro a que nós
assistimos passivamente, como passiva é a atitude do Zé perante o Teatro.
Tempos
houve que os Teatros Dramáticos esgotavam, as estrelas da representação eram
representados na imprensa caricaturais como glórias da nossa cena quotidiana,
em assinaturas como Raphael Bordalo Pinheiro (também ele actor na sua
juventude), Julião Machado, Celso Hermínio… Amarelhe, Pacheco, Santana, Jorge
Rosa…
Hoje…
choramos nós perante o Zé em representação aculturada, maltratado pelo padrasto
ocidental, pela vida… sem a salvação… sem frequentar as salas da “Scena
Dramática”, apenas preocupados com o Dramático da Ceia.