Wednesday, December 02, 2020

Caricaturas Crónicas - «Republicanismo, uma luta caricatural» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 13/10/1985)

A caricatura, em Portugal, nasceu com o liberalismo, mas cresceu pelo republicanismo. Talvez se pudesse mesmo dizer que o republicanismo desenvolveu-se pela caricatura.

A primeira caricatura política é naturalmente antimonárquica, e apareceu aquando da fuga do rei para o Brasil, deixando os seus súbditos ás mãos dos Franceses invasores. Uma caricatura anónima, traduzindo um sentimento anónimo de todo um povo. Esse sentimento espraiar-se-á na revolta liberal e, mais tarde, na república.

Em 1848, quando a caricatura ainda se defendia no anonimato, no suplemento de «O Patriota», aparece uma caricatura que defende: «A única resposta contra a monarquia é a liberdade» (a 30/5/1848).

A liberdade tem como símbolo, o chapéu frígio da Mariana, e como à liberdade se vai aliar o sonho republicano, será também esse o símbolo do movimento nascente, da revolta contra um regime decadente há vários séculos.

Nesta luta pela liberdade, ou pelo republicanismo, o século XIX foi a «água mole em pedra dura, tanto dá até que fura» (Sebastião Sanhudo in «Sorvete» a 25/5/1881); foi um trabalho de paciência, desmascarando a fraqueza do regime, a fraqueza dos partidos monárquicos que no seu rotativismo enganavam alternadamente o povo. Se o nome do partido mudava, o mesmo não acontecia com a filosofia política, as directrizes governamentais, e por vezes nem os políticos mudavam.

Perante esta inoperância governativa, esta não concretização do desenvolvimento que o liberalismo deveria conduzir, certos sectores monárquicos apelavam a um regresso ao passado, clamando pela ditadura do absolutismo. Mas, se esse regime não quis realizar, no seu tempo, o que agora se propõe, porque é que iam agora concretizar? Os políticos só se lembram do que deveriam ter feito, depois de saírem do Governo, quando estão na oposição.

Se o absolutismo tinha dado provas da sua inoperância, se o liberalismo não conseguia levar avante o deu ideal governativo, por defeito do sistema, a única solução à vista era a alteração radical do regime - «Se eu seguisse os conselhos do Zé (pensa Portugal, vestido com pesada armadura), escusava de chegar a esta miséria. Velho, sem forças, ultrajado e roubado… é de mais. Vou ver que tal me ficará o vestuário da última moda.

- Ó Zé, que tal me achas agora? (apresentando-se de casaca e chapéu frígio – à republicana).

- Ó sôr Portugal. Um raio me parta se vossemecê não está catita! Eu bem lhe dizia que era esse o traje que melhor lhe ficaria, e que vossemecê há muito o deveria ter usado.» (M. Pinto, in «Charivari» a 23/8/1890).

Esta mudança de vestuário poderia ser feita por revolução (que falhou), ou trabalho de sapa e, se o dia 5 de Outubro de 1910 é considerado como revolução, na verdade não passou de um pequeno empurrão ao trono, após um longo trabalho: «O estado das coisas actualmente é este: quando pensarem que (o palanque real) realmente está seguro – desabará. O bicho (republicano) rói-lhe o miolo, e as luminárias estão quase no fim. Os naturalistas chamam a este bicho a “phyloxera do Throno”, nós chamaremos ao trono a “phyloxera do povo”». (Sebastião Sanhudo, in «Sorvete» a 28/3/1880).

Esse trabalho, no qual a caricatura foi crucial, foi um trabalho de opinião: «O resultado das últimas eleições republicanas em Lisboa, estabelece a medida do movimento progressivo com que se vai apertando sobre os factos, a grande prensa chamada… a opinião» (Raphael Bordallo Pinheiro in «António Maria» a 10/11/1881).

A opinião é símbolo de liberdade de pensamento – é satirizar a política; é criticar a sociedade e o governo; é aquilo de que o governo não gosta, e por isso este trabalho contra a “Philoxera” do povo, nunca é pacífica. Contra estes desparasitadores, o governo tem à mão a polícia, a lei, a justiça e o juiz Veiga seria a mão ditatorial mais famosa contra o republicanismo.

«Enquanto a polícia se entretém a fechar as portas dos botequins republicanos, divertem-se os gatunos a abrir as portas aos cidadãos constituintes». (R.B.P. in «António Maria» a 25/5/1882). Um entretenimento que fechou vários periódicos, que impôs muitas multas, apreensões de edições, imigrações como fuga à prisão…

Não foi fácil esta luta, como não o é qualquer luta por um ideal e, se João Cabral se queixava da corda que prendia o «Balão Cativo» («O Zé é um balão aquecido pelo oxigénio republicano, mas a corda do governo monárquico é muito forte» - In «Binóculo, a 27/1/1884), com a forçada insuflação de muitos zés, a corda teve que ceder e quebrar.

O republicanismo venceu, mas também ele não conseguiu fazer triunfar os seus ideais ou projectos. Muitos continuam a olhar as névoas do passado, como se aí estivesse um D. Sebastião. Mas, o passado em Portugal foi sempre o desastre de um Alcácer qualquer, sendo por isso necessário um liberalismo, um republicanismo, uma democracia…. O presente está afinal no futuro, está na possível desparasitação da cabeça do Zé.


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