Tuesday, December 01, 2020

Caricaturas Crónicas - «Portugal: um país de andorinhas» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 8/9/1985)

Um povo conhecido pela sua intranquilidade, é o nosso. Nunca ficou satisfeito com o seu Estar e, por isso mesmo, foi à terra dos mouros, foi à procura de novos continentes e, ainda hoje, procura o quinto império, só que agora a nível psicológico, como compensação das frustrações materiais.

O português é um povo de migrantes, como as andorinhas: brancas na barriga, pois têm uma fome insaciável; negras nas costas, pelo pesado castigo de manterem uma tradição de saudade e amargura. Algumas dessas andorinhas conseguem-se adaptar ao Inverno do nosso descontentamento. Outras, procuram novas terras, em busca da eterna Primavera.

Se os seus conhecimentos zoológicos ainda estão actualizados, creio que as “andorinhas” migrantes se dividem em três espécies: as «obreiras», os «zangões» e a «rainha». As «obreiras» são aquelas que, deslocadas da sua sociedade por condicionalismos económicos ou sociais, são obrigadas a procurar outros territórios. São também aquelas que, pelo desequilíbrio ecológico da terra onde nasceram, têm que procurar campos mais férteis. Chamam-se obreiras, porque emigram quase com um compromisso de escravidão, onde o alimento custa as penas do bico.

Quanto aos «zangões», não me lembro se é esse o seu verdadeiro nome, ou se na realidade se devem denominar como mandões. São uma raça de cabeças grandes, enquanto a anterior se caracteriza pelas patas grossas e calejadas. Uma diferença morfológica que, na linguagem comum identifica a sua migração com a «fuga de cabeças».

Eles, na verdade, não são emigrantes, são aquisições para outros territórios. Saem da sua terra natal, não por desequilíbrio ecológico na alimentação, mas por atavismo dos seus governantes, por falta de equilíbrio ecológico-cultural. Naturalmente, a abundância nos outros territórios também está  nas razões da opção do trajecto migratório.

Para ambas as raças de andorinhas, existem duas vias de migração, ou seja: do campo para a cidade, onde os beirais parecem mais acolhedores, mais ricos; do país natal para o estrangeiro, onde o trabalho parece menos cansativo, e a recolha do alimento mais facilitada.

Finalmente é a «rainha», mas essa nunca migra. É uma «andorinha» que perdeu as asas da imaginação, e que nem sempre utiliza as patas do progresso. À rainha, também lhe chamam «Governo burocrático» que procura viver do trabalho das economias das outras andorinhas.

Após esta deambulação zoológica, veio-me o receio de esta análise cientifica não ser muito correcta. É que na verdade não sou especialista de andorinhas, nem de aves migratórias mas, toda esta conversa nasceu perante esta caricatura de Raphael Bordallo Pinheiro («As Andorinhas da arte» – cronicando a viagem do grupo de Teatro do D. Maria II – Paladini e Brazão – para o Brasil), o nosso primeiro grande caricaturista, e o primeiro emigrante da nossa caricatura.

A migração na caricatura começou muito cedo. Primeiro imigraram as gravuras humorísticas inglesas para Portugal. Depois, seriam os nossos desenhadores, a conquistar o mundo. O primeiro poiso migratório foi o Brasil, terra onde brilhava o ouro, e lá estiveram Raphael Bordallo Pinheiro, Julião Machado, Celso Hermínio, Correia Dias…. e muitos outros. Uns por lá ficaram uns anos, outros, toda uma vida. Não era fácil sobreviver naquele território ainda «selvagem», onde cada crítica satírica ou caricatura, poderia ter como resposta uma emboscada, ou um tiro pelas costas. Porém, a persistência de algumas aves migratórias criaram um novo território caricatural.

Outro pólo de atracção foi Paris. Aqui o que reluzia não era propriamente o ouro, mas a constante intranquilidade estética, e a fama na capital das artes. Viver em Paris, para o artista dos séculos XIX e XX, é uma etapa fundamental do seu percurso artístico.

O caricaturista, como qualquer outro artista plástico, tinha também esse sonho. Por lá passaram, por exemplo: Jorge Colaço, Leal da Câmara, Julião Machado, Emmérico Nunes, Stuart Carvalhais… e todas as gerações modernistas. Mas, o que é curioso é que alguns destes nomes que referi, não só lá estiveram a estudar as artes, a trabalhar para sobreviverem, como se impuseram, ganharam o respeito de seus companheiros, como atingiram alguma fama.

Entretanto, no século XX também a Alemanha, e a sua via expressionista, atraíram nomes como Emmérico Nunes, Bernardo marques…

País de andorinhas migratórias, Portugal é a terra do sonho e da saudade. É a terra de nascimento e morte, é o branco da esperança e o negro do luto, branco e negro com que se faz a caricatura e a sátira deste país nidificado à beira-mar.

 


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