Sunday, December 20, 2020
Caricaturas Crónicas: «O Grande Confronto» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 5/10/1986)
O confronto monárquico-republicano vinha de há muito, e se o 4/5 de Outubro foi a derrota de uns, a vitória dos outros degenerou na corrida ao poleiro.
Se Braga está por detrás do fim da Primeira República,
também o está no princípio, através do dito Theófilo Presidente, que se a não
proclamou, deixou essa parte de Leão republicano ao Eusébio, o tal «que é uma pomba… de boas maneiras»
(Joaquim Guerreiro in «A Sátira», 1911), resultando uma proclamação de garra e
paz.
O confronto monárquico-republicano vinha de há muito,
e se o 4/5 de Outubro foi a derrota de uns, a vitória dos outros degenerou na
corrida ao poleiro («Enquanto os Galos
– Affonso e Almeida – se batem, o pavão -
Bernardino – governa sentindo cordialmente, de dentro da alma e di topo do seu
poleiro o desejo de que se matem um ao outro» (Stuart Carvalhais in «Papagaio
Real» 1914), destacando-se nessa . históricos como o Brito Camacho que «fundou a “Lucta” e só para ela vive. Para
greves tem graves soluções, ironia a
artigos de escacha»; um Bernardino
Machado, as tais barbas e bigodes patriarcais de «deixai vir a mim os pequeninos»; um António José d’Almeida «médico e ministro do interior da gente e da
nação. A eloquência e a Ordem. E se não houver ordem, há no Carmo o Zás e o Zás
traz Paz»; etc… e o Affonso Costa, «o
Pombal do Terreiro do Paço» (Joaquim Guerreiro, in «A Sátira» 1911).
Na base das disputas, ou da força, há sempre umas
Costas que suportam tudo, e se Portugal é um país de costas, isso não o impede
de por vezes perder o rumo de onde termina a terra e começa o mar; de estar em
constante naufrágio de nau invertebrada. Nestes e outros desaires, o Zé é
costas para todo o pau, contudo foi um
outro Costa que iniciou a ditadura, e outro que a derrubou, sendo ambos Gomes,
mas não Sá que o bacalhau está caro para todos.
De Costas viveu também a Primeira República,
chamava-se Affonso, esse centro polémico d a sua sobrevivência. A primeira
referência, não histórica, que tive desse Afonso Costa, era eu ainda criança,
foi como significante de «bacio», esse mesmo instrumento de lazer, onde todos
somos iguais (talvez o único momento totalmente democrático), desprezando a
materialidade do mundo. Só mais tarde compreendi que a minha avó, baptizadora
de tal utensilio caseiro, era monárquica e, como todos os talassas, atirava
para as Costas do Afonso, todos os seus ódios monárquicos, todas as frustrações
e defeitos da república - «Afonso no poder qual czar repoltreado / O povo já
não ri, e já não trabalha e canta 7 n’este terror da Europa à beira-mar alçado
/ aonde outrora havia a Paz suave e santa» (in «O Thalassa», 1914).
Para a oposição, monárquica e republicana, ele
encarnava o extremismo ideológico; o mal de que Jesus fugiria («Fugiu assim que o viu… Diz a isso que farto
de más companhias ficou ele no calvário…» - Stuart Carvalhais in «Papagaio
Real» 1914); o «Scarpia» que aterroriza; o «Pombal» que tudo reforma, alterando
a pacatez dos direitos consuetudinários; é o «estadista dos superavits, da ambocada, do ópio de Macau, da separação…»
(in Thalassa, 1914); a demagogia republicana, «em Milagre do Santo – 1º quebra a bilha… das promessas, nas costas do
Zé enganado; 2º falando aos peixes…. Espadas (polícias) para encherem a barriguinha aos pobres» (Alonso,
in «O Thalassa», 1913).
Atacado pela frente e por detrás, pela esquerda ou
direita, por republicanos ou monárquicos, foi o político da alternância em
espadas e valetes, um dia ele, outro dia um golpe de bastidores, num vaivém que
foi o fomento da República - «o grande
truc é este: encher os alcatruzes à custa do Zé e habilitar a Margarida (Costa)
a jamais faltar com a lavadura na celha dos históricos» (Castro Lys, in
«Papagaio Real» 1914). De todos, foi o que se manteve mais tempo na governança,
e se ele não cumpriu todas as promessas republicanas, não conseguiu a
estabilidade política, dirigiu como pôde esta nau sem velas nem remos, mas
muitos capitães, e «quem estiver isento
de culpas, que lhe atire a primeira pedra (à Republica)» (Stuart in «Sempre
Fixe» 1930)