Sunday, December 06, 2020

Caricaturas Crónicas «Manuel Monterroso: um médico, um humorista» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 30/3/1986)

Nascido em Amarante, cedo manifestou um interesse especial pela caricatura. Formou-se em Medicina sem nunca abandonar a arte. E vinte anos depois de aposentado, ainda se mantinha, activamente, o caricaturista que todos admiravam.

 

A insatisfação humana é uma angústia que nos invade dia a dia, seja pela precipitação no tempo moderno, seja pela castração da profissão tecnizante. A procura de uma complementarização cultural é uma necessidade, e se as estatísticas fossem consultadas, encontrar-se-ia um incrível paralelismo entre a medicina e a arte. Na verdade, muitos são os médicos que se têm refugiado, em tempos de lazer, na escrita, na pintura, na escultura, na história de arte, música ou na caricatura. Um médico eminente que ficou na história da caricatura foi Manuel Monterroso.

Tendo nascido em Amarante, em 1875, manifestou cedi um interesse especial pela caricatura, e rezam as historias que aos cinco anos de idade a família foi surpreendida com uma excelente caricatura de uma sua prima.

Após a escola primária, em Amarante, iria para o Porto fazer os estudos liceais. Concluídos estes, ingressa na Escola Médico-Cirúrgica.

A sua carreira profissional estava bem encaminhada, mas o que se passava com a caricatura? Os livros e suas margens que respondam, como testemunho directo das suas divagações plásticas. Este «jeito» satírico não só lhe deu asas de escape nas horas de aborrecimento, como serviu de cvontrapeso para melhorar o seu orçamento estudantil, vendendo caricaturas «à la minuta».

Quem reinava então, na caricatura, era Raphael Bordallo Pinheiro, e seria precisamente ele que, por um acontecimento casual, levaria Manuel Monterroso para a publicação jornalística: «Na ânsia de conhecer pessoalmente Raphael Bordallo Pinheiro, aproveitei ir a Lisboa a 20 de Março de 1900 fazendo parte de um agrupamento musical de estudantes do Porto, onde eu frequentava o 3º ano médico. /…/ A simplicidade e a maneira sincera da minha visita de jovem estudante caíram-lhe no coração, sempre aberto a todos e a tudo que fosse bom, e crearam, logo, uma grande e especial amizade que durou toda a vida, fraternal estima como mesmo o declara quando se lhe falava de mim.

Agradecendo a minha visita com a sua caricatura e o meu perfil num pequeno papel, que guardo religiosamente, pediu-me para eu ser seu colaborador no jornal «A Paródia», então no seu primeiro ano».

Assim, o caricaturista amador, passou para um «profissionalismo» possível nos jornais, ou seja em «part-time». Após «A Paródia», continuou a publicar periodicamente em jornais como o «Diário de Notícias», «O Século», «Montanha», «Miau», «Capital», «ABC», «Ilustração Portuguesa», «Águia», «Sempre Fixe»…  assim como na imprensa regional de Viana do Castelo, Ponte de Lima, Vila Nova de Gaia… etc. Um trabalho criador conjugado com o desenvolvimento em tertúlia, da incentivarão artística, na formação de movimentos como os «Fantasistas» nos anos 10 do nosso século.

Porém, a caricatura e a arte prosseguia como fuga, como complemento, já que, concluído o curso de medicina em 1902, o exercia como profissão. Nesse trabalho, como se poderia pensar, não se deixou cair na rotina de sobrevivência ou na frustração, utilizando antes o seu engenho criativo e humorismo na terapia. Seria um médico eminente, estaria na comissão criadora dos Institutos de Medicina Legal e exerceria as suas funções, até à reforma, no Instituto do Porto.

O ensino seria também uma das suas ocupações profissionais, numa conjugação do conhecimento anatómico do médico com a arte, regendo a cadeira de Anatomia Artística e Higiene na Escola de Belas-Artes do Porto. Devido a estas múltiplas actividades profissionais, após um período intenso de colaboração caricatural nos jornais, os seus trabalhos foram rareando, sem contudo nunca desaparecer.

Os anos passam, e no mundo profissional contam mais que as qualidades ou clareza de espírito, Os anos passam, mas há pessoas para as quais não há idade. Apesar de se manter jovem e as suas qualidades enriquecidas pela experiência, Monterroso foi definido como velho. Em 1940 é reformado, mas na caricatura estava como «independente» e prosseguiu-a por mais vinte anos.

A medicina tinha-lhe cingido os movimentos, mas agora, que ficava livre dela, a actividade como caricaturista pode intensificar-se, não só na ilustração de livros, como na colaboração com os jornais «O Comércio do Porto» e «O Tripeiro», trabalho que cumpriu até às portas da morte.

O seu traço pertencia à chamada escola rafaelista, mas desprendido do barroquismo oitocentista, esvaziando a imagem pelo traço contorno, simplificando numa breve síntese naturalista a caricatura pelo espaço em branco.

A par do desenho, ele dedicar-se-ia à modelação de estatuetas, incluídas também numa visão caricatural e humorística.

Manuel Monterroso foi pois a caricatura como complementarização artística de um profissional da medicina, mas também a qualidade profissional de um caricaturista.


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