Sunday, December 13, 2020
Caricaturas Crónicas: «Manuel Maria Bordallo Pinheiro» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias» de 11/5/1986)
Lisboeta por nascimento, foi artista por idealismo – sem o poder ser como profissão, - tornou-se uma imagem concreta das artes no Portugal dos meados do seculo dezanove.
Apresentado como um pioneiro, como um inovador, ele
teve um papel de dinamização nas nossas artes: como «espírito tutelar» de uma
das famílias mais importantes da arte portuguesa; como dinamizador de novas
correntes estéticas, e organizador das mais variadas actividades artísticas.
Dentro do humorismo, para além de pai de um mestre da caricatura, encarnou a
filosofia de uma transição do riso popular para o riso, em arte realista.
Falamos de Manuel Maria Bordallo Pinheiro, lisboeta
por nascimento (28 de Novembro de 1815), foi artista por idealismo. Artista,
sem o poder ser como profissão, explorando todas as técnicas e oportunidades
passíveis de criar formas estéticas, ele é a imagem concreta das artes em Portugal
dos meados do seculo XIX. Sendo um amador, levaria a sua arte aos limites
superiores da criatividade.
A sua vida de «manga de alpaca» (burocrata) foi
complementada pela actividade de pintor, escultor, gravador, litógrafo, crítico
e esteta. Partindo das lições de António Maria da Fonseca, do miniaturista Luís
Pereira de Resende e do escultor Feliciano José Lopes, cultivou a arte como
ecletismo, e o espírito como receptáculo aberto a todas as inovações.
A revista «Occidente», no seu elogio fúnebre,
apresenta-o assim: «Do distincto artista
disse há poucos dias um biographo: Há quarenta anos, quando Manuel Maria
Bordallo Pinheiro fez a sua entrada no mundo artístico português, esse mundo
artístico compunha-se unicamente dos elementos seguintes, - uma sombra sentada
sobre uma ruina.
O fio da
tradição tinha-se partido, a memória dos grandes nomes estava perdida. Era
preciso fazer tudo. Para vencer, era necessário em primeiro lugar, a têmpera
dos valentes e a crença dos predestinados».
Ele era o tal «valente
predestinado» a fazer renascer a arte da gravura, entre outros Aspectos.
Partindo da observação de escolas e mestres, soube recriar as técnicas
necessárias das artes gráficas, para lançar a ilustração jornalística.
Recriou uma arte fundamental, como triunfo do
liberalismo na Comunicação Social; difundiu a ilustração como uma nova visão do
homem moderno; e tentou fundar uma escola de gravura – discípulos teve, as
obras foram aparecendo no «Panorama», «Ilustração», «Revista Popular», «Artes e
Letras», «Occidentes»… só que nem sempre o público deu o apoio necessário para
a sobrevivência destes periódicos. Preferiam a utilização dessas técnicas em
gravuras de índole satírico-brejeiro, que as oposições iam descobrindo como uma
nova arma no jogo político, sem a saber ainda utilizar.
Para além da gravura, ele dinamizou as discussões
estéticas. Acamaradou com os românticos, mas numa visão historicista e
pitoresca, na qual, a sua formação de miniaturista lhe facilitou a exploração
do pormenor de índole realista, em pequenos quadros de género, pinturas de
costumes, para além de quadros histórico-anedóticos.
O rigor na observação, o pormenor da realidade,
apresenta-o como antecessor do realismo, que aparece aqui, não como filosofia
estético-social, mas como linha romântica no gosto do costumbrismo, das cenas
populares que, vistas pela «verdade simples» nos apresenta o anedótico como
grotesco, e por vezes caricatural.
Manuel Maria Bordallo Pinheiro, sem ser um
caricaturista ou um humorista, é o dinamizador (pela sua actividade criadora,
como crítico e fomentador de uma sociedade promotora das artes) da gravura que
impulsionará a caricatura; do realismo como evolução estética da ilustração
humorística. Foi pois o primeiro espirito esclarecido a abrir as portas às
artes de mass media, e ao humorismo
como arte gráfica, em Portugal.