Friday, December 04, 2020
Caricaturas Crónicas - «MAG(R)OS REIS EM FESTAS DE INICIO DE ANO» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 29/12/1985
«É um
mistério que chega e um desengano que se retira. O velho parte pobre e enfermo,
arruinado e gasto. A sua bagagem consta unicamente, de papéis: lembranças de
coisas que lhe esqueceram, notas de promessas que não cumpriu, projectos de
obras que não fez, borrões de leis que não passou a limpo, planos de reformas
com que não reformou coisa nenhuma, um relatório, muitas contas e um mandado de
penhora.»
«O
novo tem o aspecto romanesco e aventureiro. É este o que vem entrar na liça e
combater pelo outro que sai da arena trôpego. e imbecil.» (R.B.P. in António
Maria; 5/1/1882).
Todos
os anos, perante a «morte» da natureza, perante a frialdade do mundo, o homem
sonha, cria esperanças no renascimento de um menino-Deus, na vinda de um D.
Sebastião, ou num ano NOVO.
Durante
cerca de uma semana, ou seja, do nascimento de uma esperança divina ao
nascimento de uma cronologia temporal, a humanidade sonha refazer a vida, o
mundo, aparecer de uma noite para a outra, o que ela recusou durante o ano.
Doze badaladas de esperanças, que no final não passam de doze frustrações não
concretizadas no passado.
Todo
este sonho começa na simbologia dum pinheiro enriquecido com falsos
esplendores, na montagem de um presépio onde o menino-esperança fica rodeado
pela família, pelo burro e a vaca, pelos pastores… Para os caricaturistas esse
presépio é o retrato dos políticos na contemplação do menino-povo, o
menino-voto. Na realidade, hoje e sempre, o presépio da vida é o burro e toda a
animalidade na adoração do menino-político.
Protegido
pela sua aura de «salvador» (nacional), o menino-político faz as suas birras,
berra quando não lhe dão de mamar e borra-se para o mundo. Hipnotizado, o Zé
abana as orelhas, e teimosamente mantém-se em adoração perante tal presépio.
Cada
novo político, ou governo, é como cada novo ano, a partida de um velho, gasto
em promessas não realizadas, e a chegada de uma esperança. É a promessa de
«palha nova», promessas que não vão ser cumpridas, projectos que não serão
concretizados, reformas que não reformarão nada, e no final haverá
provavelmente novo mandado de penhora, uma nova albarda-imposto para o Zé-Povo
carregar.
Para
terminar o ciclo das festas, na abertura de um novo ano, vêm os Reis Magos, que
de magia nada têm, para além de um magro bolo comido em memória do Ouro que
Mirra no tesouro público.
Na
caricatura estes falsos reis, magros, são os políticos esfomeados na adoração
ao Tesouro Público, ao voto-povo, a uma pasta no Governo... Os Reis Magos
(gordos) podem ser também a imagem dos investidores, que pensam ter a riqueza
que resolve os problemas do País, são os detentores das riquezas «emprestadas»
ao menino-Portugal, se este se «portar bem». Com Raphael Bordallo Pinheiro os
Magos apareceram em forma do banqueiro Burnay, hoje é o FMI, ou outras
entidades similares que possuem o ouro, o incenso e a mirra desejados pelos
Governos. Qual o destino destes «presentes» é também um mistério, como o é na
história bíblica,
Este
é o período de festas, de esperança, de humanização momentânea do pensamento,
e, por isso mesmo, nem sempre o cartoonista é festivo neste período de muita
hipocrisia. Aproveita, pois, a alegria e esperanças de uns, para expor o mundo
aos olhos da verdade, expor a tristeza dos outros, a desilusão, a revolta
contra a falsidade, a miséria, contra os políticos e Governos.
Neste
ano nasce de novo no presépio um mesmo, menino-Deus, nasce um novo ano, nascerá
algo mais? «E após tão agudos transes, Carlotinha, sempre virgem, mesmo depois
de mãe, dará ao mundo o fructo dos seus amores com Fervilha. O nascimento do
Menino-Rei-Absoluto dentro do presépio... Belém, será então festejado, sem
discrepância. Os próprios Reis Magos da coligação acabarão por abandonar a sua
Estrela-Fonal e, curvando-se à evidência do milagre, virão cumprimentar
pressurosos o recém-nascido. Tudo será alegria e fausto de que o Zé-boi
partilhará, não dando sequer porque, afinal de contas, cada vez lhe vão
pondo... a manjedoura mais alta, e um protesto apenas se erguendo: o do burro
que, logicamente recordará, em seraphicos zurros, que burro por burro lá estava
ele... que era mais velho!» (Celso Hermínio, in O Micróbio, 23/12/1894).