Wednesday, December 23, 2020

Caricaturas Crónicas: «Julião Machado um imigrante da caricatura» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 11/1/1987)

 Em Portugal ele pertenceu à primeira dissidência ao rafaelismo puro, foi uma nova forma de ironia. No Brasil seria o grande reformador da Imprensa, criando a escola brasileira da caricatura moderna.

 

Julião Félix Machado é um caricaturista português ou brasileiro? Uma pergunta de duas respostas verdadeiras.

Natural de Luanda (ou seja, nem Europa nem América, mas em África), onde nasceu a 19 de Junho de 1863, vem para a metrópole fazer os estudos, mas, aos espíritos irreverentes, a sátira, a boémia é mais apelativa que a escola. A boémia levá-lo-ia ao convívio com outros artistas da irreverencia, nomeadamente com Raphael Bordallo Pinheiro, transformando-se em seu discípulo. Só que nem sempre os discípulos são cegos seguidores de mestres, essencialmente quando existe um espírito irrequieto e original, que é o caso deste caricaturista chamado Julião Machado.

Preferindo uma «visão do humorismo menos caricatural e contundente», separa-se de Raphael e da sua ironia barroca, para criar uma ironia elegante com suporte num desenho minucioso e correcto, explorando o decorativismo gráfico apoiado pela legenda de espírito. Na maior parte dos casos, o espírito crítico da sua obra radica-se na legenda.

O seu gosto pela elegância decorativa, pela apresentação de luxo, leva-o a ume experiencia um pouco extravagante neste país provinciano. Em 1888, em parceria com Marcelino Mesquita, Silva Lisboa e Fialho de Almeida, funda o semanário «Comédia Portuguesa», uma revista ilustrada de luxo, à semelhança do que se publicava em França.

Eu falava em extravagância, porque num país onde o analfabetismo dominava, onde os periódicos tinham dificuldade em sobreviver pelas tiragens curtas, o lançamento de um publicação de luxo é uma loucura total, já que não havia mercado para ela. O jornal de barbeiro ou de café ainda era uma voga generalizada, havendo por isso muito mais leitores do que jornais vendidos, ou seja, a venda de jornais não cobria as despesas. Apesar de uma carreira brilhante «A Comédia Portuguesa» só sobreviveu durante um ano.

Em 1891 trabalha ainda para «A Baixa», e neste primeiro período a caricatura política não foi relevante, havendo um predomínio da crítica social. Entretanto, foi trabalhando como ilustrador de livros, essencialmente de Fialho de almeida.

Aqui, neste país de visão limitada, não conseguiu impor os seus sonhos estéticos, e dessa forma opta pela imigração. Primeiro vai para Paris, onde trabalha com o pintor Carmon, tentando fixar aí residência, ganhando a vida como caricaturista. Não é bem-sucedido e, perante este fracasso, opta por imigrar para a terra do ouro e da cana-de-açúcar, para o Brasil.

Perguntava eu, no início, se ele era português ou brasileiro? Em Portugal ele pertenceu à primeira dissidência ao rafaelismo puro, foi uma nova forma de ironia. No Brasil seria o grande reformador da Imprensa, criando a escola brasileira da caricatura moderna.

No Brasil, não era fácil viver da caricatura, principalmente para um imigrante, já que era um país pouco atreito a aceitar o humorismo como uma crítica saudável. Normalmente até não era nada saudável para o caricaturista, já que cada desenho podia ser um desafio à sua integridade física. Por essa razão, em 1905, tenta o regresso a Portugal, mas onde só se aguenta dois anos.

No Brasil, terra promissora, ele tem trabalho onde quer, por isso vemos obras suas no «Jornal do Brasil», «Rio Revista», «Mercúrio», «Gil Blás», «D. Quixote»… e por vezes funda os seus próprios periódicos como «A Bruxa» e «A Cigarra» (onde faz triunfar as novas tecnologias de impressão, revolucionando a imprensa carioca), periódicos fundados em parceria com o grande poeta Olavo Bilac, Neste novo país, a sátira social foi companheira da caricatura, como expressão  da sua «independência» perante o caciquismo, a verdade perante o espírito esclavagista desse país.

«Na sua expressão verdadeiramente nobre, a caricatura é uma arma da independência, ao serviço da verdade contra a mentira sempre disforme e ridícula.

O papel do caricaturista na política, longe de a servir, é o de a revelar, de a exibir sem máscara, de a desnudar… Não conheço “escolas” de caricatura. Ela é arte dos rebeldes». (entrevista na Ilustração Portuguesa).

Esta rebeldia, por vezes, ficou-lhe cara, mas nada o impediu de prosseguir o seu trabalho, e de revolucionar as técnicas da Imprensa brasileira. Raphael, quando aí esteve, tinha desenvolvido a litografia, mas Julião levava consigo as últimas conquistas europeias, como a zincografia.

Por lá ficaria até 1920, com aquele interregno de 1905 a 1907, no qual tentou o regresso. Em 1920, com 57 anos, regressa da sua viagem migratória, em busca de uma velhice calma na sua terra natal e da concretização de um velho sonho: ilustrar os «Lusíadas», trabalho que não concluiu, ficando no Canto IX.

Este artista emigrante foi grande foi grande em Portugal e no Brasil, seja na caricatura como na ilustração, e se o texto foi importante na legendagem da sua obra gráfica, ampliar-se-ia para o teatro, escrevendo diversas comédias dramáticas.


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