Tuesday, December 01, 2020

Caricaturas Crónicas - «Jorge Colaço: o humor antes do azulejo» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 20/10/1985)

Hoje, quando se passa pelas velhas estações do caminho-de-ferro. O azul de ferro, o azul e branco dos azulejos retratando recantos pitorescos da nossa paisagem, ilustrando episódios da nossa história, chamam-nos a atenção. São obras que fixaram uma certa forma de decoração nacional, obras que devem a sua redescoberta a um grande artista do humor, Jorge Colaço.

Claro que não foi por humorismo, que ele renovou o interesse pelo azulejo, mas fruto do trajecto de uma vida artística dedicada à observação do mundo português.

Os Colaço eram uma família portuguesa radicada em Marrocos há vários séculos e onde, várias gerações, mantiveram o Consulado Geral, ou seja, eram agentes diplomáticos de Portugal. Apesar destes cargos oficiais, o pai do nosso artista, o primeiro Barão de Colaço e Macnamara, era também um homem dedicado às artes da pintura e caricatura. Perante este interesse familiar pelas artes, é natural que existisse um incentivo para que Jorge Colaço se exercitasse nas artes, desde tenra idade.

Tendo nascido em Tanger, em 1868, veio para Lisboa fazer os seus estudos liceais. Terminados estes e, como as nossas Belas Artes não estavam tão belas como isso, partiu para Madrid, onde estudou com Laroche e Fontan. Também aqui, não ficariam satisfeitas as suas curiosidades artísticas.

Então, e graças ao apoio do conde Daupias, pôde ir maia mais longe na procura de um mestre. Em 1886 parte para Paris, procurando aprender os segredos do naturalismo, com o mestre espanhol Carmon. Em Paris, permanece sete anos, estudando e trabalhando. Como pintor, conseguiu expor uma tela no Salon de 1893, o que é um autêntico êxito. Colocar uma obra num salon era o sonho de todo o artista, já que significava ser aceite por um júri académico, era uma forma de consagração. Como “trabalhador”, conseguiu impor no prestigiado jornal «Figaro» as suas caricaturas.

Até então, não tínhamos tido notícias da sua arte de caricaturista mas, é natural que sob a orientação de seu pai, e como fruto do seu espírito satírico, sempre a tenha feito. Porém, só a partir do aparecimento dos seus trabalhos em Paris, se tem conhecimento da publicação delas. O «Figaro» era um jornal importante e para um português, nos anos 80 do século passado, entrar como seu colaborador, era um facto extraordinário. Além disso, se não me engano, Jorge Colaço foi o primeiro caricaturista português, como colaborador permanente, num jornal francês. Sete anos, permaneceu em Paris, teve êxito na pintura, teve trabalho na caricatura, mas… o espírito de Jorge Colaço ainda não tinha encontrado a sua tranquilidade, ou seja, a razão do seu futuro.

Em 1893, vemo-lo ingressar na carreira diplomática, como vice-consul de Portugal em Tanger. Mas, a  burocracia não é a melhor forma de disciplinar o espírito irrequieto e criativo de um artista e, naturalmente, em 1896 muda de novo de rumo, ou antes, regressa ao caminho anterior, regressa às artes.

Passando por Lisboa, é convidado a dirigir o Suplemento Humorístico do «Século», lugar que aceita. O cargo de director conjuga então a carreira de caricaturista de êxito. Um dos factores da apreciação do seu traço, é a sua filiação no movimento estético predominante na altura. Aqui está algo curioso: um artista que nasce em Tanger, que vive pouco tempo em Lisboa, que fez estudos artísticos no estrangeiro, seguia fielmente a escola rafaelista.

É certo que a escola donde partiu Raphael Bordallo Pinheiro foi o naturalismo, o mesmo estilo que ele procurou nos mestres estrangeiros, só que Raphael separou-se do naturalismo, acrescentando-lhe o barroquismo romântico irónico, criando uma escola diferente de olhar o mundo. Os Mestres, predominantes de Madrid e Paris, tinham traços diferenciados dos de Raphael, mas foi este último que exerceria maior influência sobre o Jorge Colaço humorista. É verdade que não se pode considerar um discípulo tão fiel, como Francisco Valença, já que no seu traço desaparece um pouco de barroquismo, em favor da simplicidade, mas continua a pertencer á escola rafaelista (Bordalliana).

Permaneceria dez anos como director do Suplemento de «O Século» (1897 – 1907), publicando posteriormente os seus trabalhos caricaturais em jornais como «O Dia», «Voz», «Fradique»… Em 1913 fundaria o seu próprio jornal, o «Thalassa» (pró-monárquico), o qual só sobreviveria dois anos.

Poucos têm sido os artistas que conseguem sobreviver apenas com os trabalhos para os jornais e, desta forma vemos Jorge Colaço a trabalhar em pintura de temática histórica, ou em azulejaria.

No princípio do século, a arte do azulejo estava moribunda em Portugal, mas o interesse de Colaço, o seu estudo de novos processos técnicos, a sua criatividade, fizeram o renascimento do azulejo. È certo que nem sempre os painéis criados no seu estúdio foram excelentes, mas a culpa não foi sua, mas de um gaiato que, por preguiça, em vez de seguir os «cartões», desenhava nuvens por onde vagueava o seu espírito. Esse jovem era o José Herculano Stuart Carvalhais, e foi neste estúdio, observando o mestre a fazer os «bonecos» para o «Século», que ele aprendeu as primeiras manhas do ofício, e que pela sua mão entrou no mundo dos jornais.

Entretanto, po caricaturista de graça espirituosa, mas caustica, foi desaparecendo  da imprensa, perante as encomendas de painéis e telas. Em ambas estas ultimas artes, as paisagens ou os temas históricos dominaram.

Viria a morrer com 74 anos, em 1942.


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