Wednesday, December 23, 2020
Caricaturas Crónicas: «A DITA DENTA DURA» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 16/11/1986)
Pela boca morre o... e pelo dente se trituram os mundos, primeiro em leves mordeduras de leite, suplantados depois por fortes queixais esmagadores, que transformam as massas num bolo homogéneo, sem queixas possíveis dos triturados. Vinte e oito (de Maio?) são os elementos trituradores, acrescidos de mais quatro, em siso que vai desaparecendo. Dizem os biólogos que a nossa evolução civilizadora os tornou inúteis, e, consequentemente, temos cada vez menos siso.
Quem também não tem esses sisos são as dentaduras, quais postiços vingadores de sentimentos de frustração e inferioridade, tal como os governos que, perante as suas fraquezas, criam as ditaduras trituradoras, sem siso.
«Sem uma ideia o governo / Na craniana espessura / Pois que em pedreira tão dura / Agua mole não entra e fura / Vai agora a toda a pressa / Para ver se se segura / Na mansa cavalgadura / Montar a toda a largura / D. Dicta dicta Dura!» (Nogueira, in Os Pontos, 11/8/1901).
A ditadura é um «estado de graça», sem graça, em que a «situação» é conservada, numa defesa de instituições, instituídas para o caso, no ocaso das ideias... de segurança.
«A ditadura, divorciando as instituições do espírito da nação, colocou-se, para as defender, no meio de um triângulo, cujos três vértices são o governo, a polícia e a municipal (polícia). Pois, meus senhores, no centro d'esse delta nem a própria providência se julgaria segura!» (Raphael Bordallo Pinheiro in Pontos nos ii. 3/7/1890).
A Providência, sem a vidência; deixa-se enredar: na teia dentária, e a ditadura domina o momento, mina o futuro, comportando-se como a estiagem que tudo seca, enquanto o «Zé dorme o sono dos entorpecidos pelo calor, e as pobres plantas (político-partidárias) murcham, sem conseguirem que a atmosfera política lhes traga o aguaceiro da crise!» (J.R. in Charivari, 18/4/1896)
Muitas foram as crises, e não poucas as ditas, mas na nossa História recente, a que esteve mais dura de roer foi a de 28, uma espiga de maio vinte e seis, com um pronuncio de cárie nos dentes de leite sidonistas, a dezoito. «Mussolini -Então é esta a traquinas da sua filha (a República)?»
«O Zé - Sim, Sr. Duce, mas nasceu
enfezadinha:..»
«Mussolini -Porque não lhe dá o meu xarope
fortificante?»
«O Zé - Deus me livre. Já tomou uma xaropada dessas em 1918 ia morrendo!» (Stuart Carvalhais, in Sempre Fixe. 25/11/1926).
Não lhe serviu de lição, e em 26 é servida uma nova xaropada, desejada por muitos, mas logo temida por quase todos - «Ó Maria, afianças a melancia (ditadura)?»
«- Sei lá, não estou dentro dela...»
«- Então, o melhor é calá-la, que de resto, o calado é o melhor…» (Stuart Carvalhais, in Sempre Fixe 2/9/1926)
O Calado não teve oportunidade, porque teve mesmo que se calar, como a maioria, por impotência, por censura - «Na impossibilidade de desenharmos e escrevermos no Diário do Governo, teremos de transformar o Sempre Fixe em Jornal de Modas» (Francisco Valença, in Sempre Fixe, 8/7/1926) - por prepotência e outras potências várias, que logo em 27 «põe a Declaração dos Direitos do Homem no Penhor» (Francisco Valença, in Sempre Fixe; 5/5/1927).
No Carnaval de 33 festejam-se as cinzas dos que nunca estão de acordo por inteiro, os partidos - «Aqui repousam as cinzas dos Partidos Políticos» (Francisco Valença, in Sempre Fixe, 2/3/1933) - e lentamente, morrem as individualidades, cria-se um estado novo das coisas, em monocromia de marionetas.
O estado dos dentes também se vai deteriorando, como os governos; e se os primeiros caem por velhice ou doença os segundos quanto mais velhos e enfermos mais se agarram às pequenas materialidades, numa conservação de saudades de potências.