Sunday, December 20, 2020

Caricaturas Crónicas: «António, o premiado» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 26/10/1986)

Atraído pelas «artes públicas», como interferência no quotidiano monótono das pessoas, quando terminou o curso de pintura preferiu «a comunicação com as massas a ser fechado numa sala de colecionador» e dessa forma nasceu o designer gráfico e o cartoonista.

 

No índice onomástico português, o nome António não só é comum, como predominante. O primeiro António a celebrar-se foi o santo, aquele que dá um feriado aos lisboetas, e que reconstruia as «bilhas» milagrosamente. Entretanto, a história deu mais uns tantos Antónios, um deles, rei sem súbditos, até que recentemente veio outro que de santo nada tinha, mesmo provindo de uma terra dita santa de dar, o qual foi perito em partir a «bilha» a muita gente.

O António de que quero falar, nem conserta nem destrói bilhas, arranha-as apenas, para despi-las do verniz rançoso e mostrar a outra face da verdade crítica. Falo do A.A., ou seja o António Antunes, conhecido no cartoonismo simplesmente por António.

Nascido em 1953, inicia a sua carreira de cartoonista um mês antes da revolução de Abril (1974), no prestigioso jornal «República». Pertencendo a essa geração do pós-revolução, que proliferou nos jornais com qualidade e quantidade, ele foi dos poucos que sobreviveram neste meio: «os jornais portugueses não ajudaram os bons cartoonistas, e não exigiram qualidade aos que colaboram. Depois do 25 de Abril houve uma invasão, mas não deram condições, e outros falharam. Os jornais não têm consciência da arte. O “Diário de Notícias” talvez seja especial, porque tem 3 ou 4 cartoonistas a funcionar, quase sempre como um segundo “Sempre Fixe”».

Imbuído das influências de um Brad Holand, e de um David Levine, partiu  para um caminho laborioso de independência, no enriquecimento de um traço original que se foi fazendo na «Capital», «Diário de Notícias», «Vida Mundial», «O Jornal», «Pão com Manteiga», «O Bisnau» e «Expresso».

Atraído pelas «artes públicas», como interferência no quotidiano monótono das pessoas, quando terminou o curso de pintura preferiu «a comunicação com as massas a ser fechado numa sala de colecionador» e dessa forma nasceu o designer gráfico e o cartoonista, já que este último muito dificilmente sobrevive por si só.

De cunho satírico, o seu desenho, que, apesar de apelidado de «cartoon», é fundamentalmente caricatural, é minucioso na técnica, que raia por vezes o «híper-realismo» em «portrait-charge», e subversivo na ideia, como o deve ser o humor, num trabalho de escalpelização dos pontos fundamentais, apresentando ao público a síntese da ideia, na intenção de liberdade de interpretação para o público. A isso talvez se deva atribuir o seu êxito entre os leitores.

Por outro lado, ele tem sabido resguardar-se do cansaço e consequente quebra de qualidade, porque «há sempre soluções, mas nem sempre são as mais correctas. Por isso, tenho fugido dos diários para os semanários. Preciso de tempo de criação, e o meu processo evolutivo não foi linear por causa dessa obrigatoriedade». Por essa razão trabalha actualmente em exclusividade para o «Expresso», para onde entrou em 1975.

A sua actividade humorística não ficou perdida na efemeridade das páginas dos jornais, publicando esses mesmos desenhos em álbuns como «Kafarnaum» (1976), «Suspensórios» (1983) e «Álbum de Caras» (1985). Paralelamente tem feito várias estatuetas caricaturais, assim como um baralho de «Cartas Políticas».

Dos cartoonistas portugueses, ele é o que tem tido maior preocupação em dar a conhecer o nosso humor no estrangeiro, participando em múltiplos Salões de Cartoon, sendo por isso, e pela sua qualidade reconhecida, integrado na antologia «The 1970’s Best Political Cartoons of the decad» (N.Y.), assim como no «Views of the World» (NY).

De realçar o Grande Prémio do XX Internacional Salon of Cartoon – Montreal, conquistado em 1983, e a consagração repetida neste ano de 1986 no mesmo Salon, agora XXIII. Se fosse desportista teria merecido o realce de primeira página, como é um artista-humorista merece uma ou outra pequena referência.


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