Thursday, December 03, 2020

Caricatura Crónica - «UMA NOVA SESSÃO PRA-LAMENTAR?» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 5/11/1985)

 Um novo Parlamento se constitui, e S. Bento, «...depois de ter o cortiço bem limpo do enxame passado, acaba de chamar o enxame novo, que há-de fabricar o mel das contribuições, com que se dá, não diremos pelos beiços, mas pela bolsa de Zé-Povinho.»

«Como estas abelhas parlamentares gostam muito de faltar ao cortiço preferindo-lhe a Avenida, muito desejaremos que antes façam cera fazendo a Avenida, de que façam mel fazendo-nos de fel e vinagre.» (Raphael Bordallo Pinheiro in «Pontos no ii», a 7/4/1887).

Vem de longe a tradição e fama da doçaria dos conventos, mas no de S. Bento existe uma constante incógnita sobre os seus produtos. Talvez que, com entrada na CEE, e a vigência da nova regra, se consiga a garantia de uma certa qualidade de fabrico.

Ora, se para o caricaturista se mantém a dúvida sobre esse trabalho, não a tem sobre o político que aí professa. Este, igual em toda a parte, não usa hábito, mas tem barriga. Na verdade (caricatural) o político é uma barriga ambulante que monta feira em São Bento: «Os deputados pimpões estão já no Parlamento; animam-se as transacções no mercado de S. Bento; e a venda das convicções vai cada vez em aumento, até que lhes vá aos fungões o Zé-Povinho jumento.» (Nogueira, in «Pontos e Vírgulas» a 20/10/1894). O perigo do jumento Zé-povinho coicear não é muito, já que o iludem com passes de mágica e encantamento. A realidade é que São Bento é feira, mas também circo, onde trabalham magos, malabaristas, trapezistas e palhaços de grandes artes encantatórias.

Nos anos quarenta do século passado, quando os nossos caricaturistas começaram a caricaturar a política, uma das primeiras imagens que nos deram foi a de um parlamento em funcionamento, ou seja, a dormir a santa sesta. Quando não dorme, vai tratar dos seus negócios ou da sua imagem resplandecente.

O político também pode ser um «ratão» na expectativa do seu quinhão de queijo, encobrindo-se nas suas penas de «pavão». Um «pavão» que quando fala se transforma em «fogo-de-artifício», porque após um pelo jogo de palavras, nada resta de concreto: «contra a saraivada grossa da oposição, abre-se o guarda-chuva da resistência, fazem-se ouvidos de marcador, deixam-se correr os marfins... e fica-se!» (Almeida e Silva, in Charivari, a 3/3/ /1888).

«No fim de contas, enquanto eles lá dentro grazinam, insultam e esbofeteiam, cá fora o pobre Zé burro geme esquecido debaixo da pesada carga, e morto de fome. Ele bem presta a atenção a ver se distingue entre a grande vozearia dos amos as palavras palha, erva, milho ou fava... mas qual quê?!... Já ninguém se lembra do pobre burro!» (Almeida e Silva, in Charivari a 12/1887).

O Zé ficava esquecido na cozinha da política, mas de si os políticos nunca se esquecem, mantendo a boa imagem do cozinheiro na trilogia figural da política: «Bonita, feia e de barriga. Três figuras distintas e só uma verdadeira... a de barriga.» (Sebastião Sanhudo, in Sorvete a 30/9/1883).

Ora, quando um duende previne que «no ministério entram magros, começam a engordar; d'aqueles que entram gordos, há pouco que recear» (anónimo, in Duende 1865); é porque existe uma razão concreta. A política é um mundo de barrigas que o Zé sustenta, mas que não compreende muito bem. Para ele chega um naco de pão e toucinho com um bom copo, enquanto o político é insaciável, numa mesa a que o Zé não tem direito.

«A política é uma coisa que cheira bem a uns e cheira mal a outros - A política está na barriga e é pela barriga que se conhecem os grandes políticos - D'antes chamava-se político a qualquer sujeito que cumprimentava sempre a todos com muita amabilidade...- Hoje chama-se político àquele que só cumprimenta em vésperas de eleições. - Chama-se «Grande Político»: a todo o indivíduo (ainda que seja da marca de Judas) que se sabe abotoar - Politiqueiro: aqueles que fazem política... para levar a vida... – Politicões: aqueles que já têm o rabo pelado com a política Políticos honrados: aos que viram a casaca muitas vezes segundo lhes sopra o vento... - Político independente, noticioso, literário e comercial, a todo e qualquer jornal que recebe subsídio - Eis aqui um dos muitos que arrotam postas de pescada a favor do povo esmagado com décimas... para subirem ao poleiro e, depois de se lá pilharem... - Porque tal, porque o povo pode e deve pagar mais! - É a política de todos!» (Sebastião Sanhudo, in Sorvete a 23/3/1884).

Esperemos pois que as novas fornadas conventuais retomem a tradição da boa doçaria e que não nos saiba a amargo de boca.


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