Saturday, November 14, 2020

«Paródia Lírico-política» por Osvaldo Macedo de Sousa (in JL – Jornal de artes e Letras de 26/2/1990)

Está patente no átrio do Teatro de São Carlos uma curiosa exposição de cartoons cujo tema, em tempos bem fértil, é a «Paródia Lírico-política» por Osvaldo Macedo de Sousa (in JL – Jornal de artes e Letras de 26/2/1990)

As prima-donas são uma constante na política, na ópera, no teatro, rainhas da encenação enfática das personagens que vivem, que encarnam; sensíveis na susceptibilidade à crítica, á deformação narcísica; amarguradas pela incompreensão de certos públicos…

Em que medida a ópera, a política e a caricatura têm pontos em comum? O lirismo da música é antagónico da caricatura, mas não do humor, desenvolvendo-se muitas vezes em «bufonerias»; a política é em si caricatural, e não lírica, porque vive apenas do metal sonante; a caricatura é uma actividade política de opinião e um lirismo de críticos que sonham conseguir algo com a sua atitude.

O Teatro Nacional de São Carlos conseguiu reunir a política, a ópera e a caricatura numa exposição temática, integrada numa política de animação multifacetada das suas actividades. Esta exposição intitulada «Paródia Lirico-Política» justifica-se (sem necessidade de haver qualquer justificação) como humorística por se viver no momento o ar carnavalesco e estar em cena um «baile de máscaras»; justifica-se como política, por a ópera em palco ser um dos exemplos da utilização da temática política no libreto lírico….

O «Baile de Máscaras», de Verdi, é inspirado no assassinato do Rei Gustavo III da Suécia, por razões sexo-políticas e na sequência de outras óperas de Verdi, que utilizou o tempo actual, como a «Traviata», ou o tempo político como o «Rigoleto», «O Baile de Máscaras», apesar de fundamentado numa historia verídica, não tinha directamente uma intenção política. Mas, o trabalho dos censores, que obrigaram (tal como já tinham feito no Rigoleto) a alterar o local da acção deportando-o para a América, e a despromover o rei para conde, deram uma força política à ópera, que o povo interpretou como mais um apelo ao regicídio e à destruição do domínio austríaco sobre a Itália.

Não só as óperas foram veículos de críticas, mas também o próprio nome de VERDI (Vittorio Emmanuele Ré dItália) foi utilizado como bandeira do «Rissorgimento». Isto faz compreender a «importância» do ambiente político para os teatros líricos de toda a europa (centros de divertimento das classes políticas de então), e a importância da temática lírica para a crítica política.

Por outro lado, só se pode compreender esta reacção humorística, pelo ambiente, pela ligação que existia entre a política, a sociedade (que lia os jornais) e os frequentadores do teatro lírico. Era um microcosmo socio-político-cultural, que em Lisboa esvoaçava em torno do Chiado / São Carlos, integrado nos meandros cenográficos da governação e da melomania. Só possuindo esta cultura lata, e quase total, se pode compreender os artifícios das alegorias humorísticas que parodiavam as óperas em cena no momento, vestindo os personagens políticos com os figurinos e cenografias dos referidos libretos.

Dessa forma vemos o D. Luís – Lucia de Lammermoor ser «ditador»; o D. Luís – Faraó discutir a dissolução do governo de Fontes – Radamés; o assassinato da oposição no 4º acto do Rigoleto; o Lohengrin – Fontes engolido pelo monstro John Bull…

Quem reinou neste jogo de alegorias e paródia humorísticas foi Raphael Bordallo Pinheiro, um «diletante» que vivia profundamente a política nacional, como crítico e a música como melomano; que sentia a sociedade como porta-voz de opiniões; que vestia a dramaturgia cénica e lírica dos palcos nacionais. Ele próprio tinha iniciado a sua carreira, como actor, cenógrafo e crítico teatral, sendo portanto, um profundo conhecedor dos libretos, das peças, dos jogos cénicos. Já o mesmo não acontecia com outros caricaturistas (salvo Júlio Machado), e por essa razão foi ele o único a utilizar os temas líricos como alegorias nas suas críticas.

Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, filho do mestre e seu mais directo discípulo, seria o único, por educação e influência, a continuar esta linha temática humorística.

É esta a exposição que está patente ao público (até ao dia 9 de Março, de segunda a sexta das 15h às 19h) no átrio do Teatro Nacional de São Carlos, enriquecida por outras páginas de comentário à vida teatral, de crítica aos espectáculos apresentados de 1880 a1906.

 

 

PS: Uma exposição organizada e produzida por Osvaldo Macedo de Sousa


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