Tuesday, November 10, 2020

Cartoonistas / 7 – «José de Lemos» por Osvaldo Macedo de Sousa (in JL – Jornal de Artes e Letras de 19/3/1985)

– José de Lemos?

– Não gosto de falar de mim!

Apesar desta resposta, um pouco desconcertante, insisti em conhecer este homem de «Riso Amarelo». Porque amarelo? «Porque é um riso triste. É um estilo, uma tendência para dizer as coisas tristemente.»

Quem é José de Lemos? Antes do mais, um «histórico» do humor português, um sobrevivente daquela plêiade de humoristas que teimaram fazer humor durante o salazarismo, um companheiro de Stuart Carvalhais, Francisco Valença, Carlos Botelho, Teixeira Cabral… trabalhando no «Sempre Fixe». No «Diário de Lisboa» e finalmente no «Diário Popular», onde ainda hoje se mantém. Do trabalho realizado neste periódico publicou há tempos um álbum de «Riso Amarelo e outros cartoons».

Como segundo traço para o seu retrato, temos que o encarar, não como um cartoonista, mas como um jornalista, um redactor de jornal que optou pela grafia do desenho em vez da escrita. Uma opção que pode paradoxa, num escritor reconhecido de sensibilidade e talento.

Esse será o terceiro traço e, talvez, aquele que mais lhe agrada – o de escritor de contos infantis. Foi também este que mais satisfações lhe deu. José de Lemos tem vários livros de contos publicados, vários prémios  e está representado em Antologias Internacionais de Contos Infantis. Esta carreira literária começou-a no «Diário Popular»: «Comecei a fazer a página infantil do “Diário Popular” e António Pedro (que dirigia então o jornal) é que me incentivou nos contos; moralista é aquele que aconselha a não fazer aquelas coisas que ninguém pensou fazer. Eu, pelo contrário, fazia crítica e até nestas histórias infantis fazia crítica política.»

OMS – José de Lemos é um contista, um redactor e perante isto não é necessária a seguinte pergunta, mas o esquema proposto no início desta série de entrevistas assim o impõe. Considera-se humorista, cartoonista ou caricaturista?

José de Lemos – Não me considero nada. Eu sou é pintor, apesar de não gostarem do que eu faço. Humorista? Humor é dizer algo com uma certa crítica, uma certa ironia. Eu não desenho para fazer humor, mas para fazer crítica e, criticando-se com ironia, é-se muito mais incisivo. Desta forma, o muito sério pode vir a ser cómico, e o cómico vir a ser sério. O humorismo é uma coisa muito séria e deve fazer pensar, mais do que rir. No meu trabalho, faço tudo para ser um jornalista, porque a pintura é uma reportagem, o desenho é reportagem… a crítica são artigos. O cartoonista é um redactor, um trabalhador de jornal igual aos outros.

OMS – Apesar do desprezo intelectual pela comicidade, consideras o humorismo gráfico dentro das artes?

José de Lemos – O mais importante que o artista faz, é aquilo que está a fazer no momento. A arte é arte, é tudo. A dança – o bailado nasce logo nos primeiros gestos das crianças. Picasso dizia: “Arte é o homem que entra nu na floresta e sai de lá vestido”. Todas as profissões devem ser uma arte, e todas devem servir umas às outras. Arte é aquilo que fazemos com amor, respeito, ambição.

OMS – Neste campo quem são os teus artistas preferidos? Algum deles o influenciou?

José de Lemos – Não tive influencias. Tenho respeito por todos. Fui amigo de todos os grandes, do Stuart…. Admiro o João Abel Manta porque para mim, ele é o “operário”, trabalha tudo com profundidade.

OMS – Achas que trouxeste alguma coisa de novo ao humor gráfico português?

José de Lemos – O que eu trouxe foi mais para as crianças com o “dr. Sabichão”, “Hoje há palhaços”… fazia historias e bonecos, mas o meu maior orgulho é a secção de “Palmo e meio”. Nada há mais bonito do que a criança a sorrir, mesmo que tenha os dentes podres.

OMS – A existência da censura até 1974 influenciou a tua obra? Tens algum desenho censurado?

José de Lemos – Alguma coisa, mas havia sempre maneira de dizer e fazer as coisas de forma que a censura não compreendesse. O pior era o chefe de redacção, que não só censurava, como nos criticava em público.

OMS – Eça de Queiroz dizia que o humor no constitucionalismo é pelo menos uma opinião. Para ti é uma opinião, ou uma forma de manipulação?

José de Lemos – Acho que deve ser uma opinião sobre a vida cara, os impostos… Devemos tentar ser justos, em vez de servir os clubes, os partidos…. O humor deve ser elevado e não ordinário. Gostava que o humor fosse feito por «gentlemans»

OMS – O humor gráfico português tem actualmente alguma característica específica, que o distinga do que se realiza no resto do mundo?

José de Lemos – Acho que sim, apesar de ser um pouco «saloio», do ponto de vista estético. Os públicos são quase todos iguais, dependendo os matizes unicamente do civismo de cada um. Tudo depende do grau de educação. O humor do povo é um pouco cruel, pois o nosso homem do povo crê saber tudo e ter solução para tudo. O humor em Portugal é a discussão entre uma pessoa mal educada e outra bem educada.

OMS – Hoje pode-se dizer tudo o que se quer através do desenho?

José de Lemos – Hoje pode-se e não se deve dizer. Eu sou a favor da autocensura, e que não seja preciso censuras estranhas, o que não impede a crítica ou a irreverência- Eu sou irreverente, mas peço licença, desculpa.

Acabada a entrevista lá o deixamos entregue ao seu humor amarelo, triste; deixamo-lo com os seus belos contos e um grande sorriso para as crianças; deixamo-lo resmungando contra a roupa molhada que pinga sobre os transeuntes, contra a má educação das pessoas… deixamo-lo observando a vida - «eu estou sempre a aprender, em tudo o que faço e no que vejo».

«…. Não gosto de falar de mim».


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