Sunday, November 08, 2020
Cartoonistas /4 – «Carlos Barradas: Não existe humor português porque a gente não tem graça nenhuma» por Osvaldo Macedo de sousa (in JL – Jornal de Artes e Letras de 22 de Janeiro de 1985)
UM artista da comunicação visual (publicidade, ilustração, banda desenhada, filmes de animação, televisão e cartoonismo) que apesar de ter cursado várias escolas tem como principal mestre «os olhos abertos». «Sempre fiz bonecos a toda a hora e a qualquer momento, no papel, na mesa do café, na parede, no chão, em todo o lado. Desde os quatro anos que faço “bonecos” e devido a isso orientei toda a minha cultura para o visual. A nossa cultura é demasiado literária, e mesmo os nossos cineastas, ou publicitários, são reflexo disso. A imagem é importante e para mim é uma vantagem. Eu visualizo tudo, e mesmo quando estou a ler, estou a ver. Como tinha essa facilidade, aproveitei-a. Por exemplo, fazer banda desenhada para mim é fácil, fazer o texto é que é difícil. É difícil encontrar alguém com quem fazer equipa.»
OMS – Entre os teus “bonecos” encontramos, de tempos a tempos, a sátira, o humor ou o cartoonismo. Nesses alturas, como te consideras: humorista, cartoonista ou caricaturista?
Carlos Barradas - Eu considero-me tudo isso, dependendo unicamente das
circunstâncias e das encomendas que me fizerem. Se um jornal me encomendar uns
cartoons, razoavelmente pagos, eu sou cartoonista; se me pedem banda desenhada,
faço banda desenhada; se me pedem um filme de animação… Sou tudo isso ao mesmo
tempo, porque neste tipo de situação, uma pessoa tem de agarrar milhentas
coisas para sobreviver: faço publicidade, design gráfico, cartoons (quando por
vezes não temos graça nenhuma dentro de nós), banda desenhada, ilustração para
livros infantis, enfim tudo.
OMS – Apesar do desprezo intelectual pela comicidade, consideras o humorismo gráfico dentro das artes?
Carlos Barradas – Claro que considero. Determinada classe intelectual
leva-se muito a sério e como tudo isto funciona por tribos, convém que as
coisas sejam o mais engravatado possível. Tudo aquilo que mete graça é
considerado à parte, posto de lado, porque muitas vezes a própria graça e os
cartoonistas dão a volta a esse tipo de situações e de esquemas, dessa gente
que se leva muito a sério. Portanto, convém não subverter muito e deixar essa
malta de parte.
Por outro lado, existem entidades que a valorizam na sua verdadeira
dimensão e, há mesmo museus para estas obras.É o caso da Bulgária, onde existe
um Museu do Humor, que tem desenhos meus, de montes de artistas de todo o
mundo. Tem esculturas humorísticas, pintura, cartoons, tem tudo.
OMS – Neste campo quem são os teus artistas preferidos? Algum deles o influenciou?
Carlos Barradas – Eu prefiro aqueles que têm qualidade, por exemplo em
Portugal, o Stuart Carvalhais enche-me as medidas. Lá fora… tantos e tão bons…
cada vez que se folheia uma revista é uma revelação. Por exemplo, eu gostava
muito do Levine, de repente folheio, vejo outro gajo com um grafismo bestial e
afinal também gosto muito dele. Mais tarde encontro outro, e também gosto
muito. No fundo, não sou muito apontado para um determinado tipo. Logo que
tenha qualidade gráfica e um estilo que me espante, sou um fã dele.
OMS – Achas que trouxeste alguma coisa de novo ao humor gráfico português?
Carlos Barradas – Não, As coisas passam despercebidas porque fiz coisas
dispersas, hoje uma, amanhã outra. Se eu tivesse feito uma coisa continua era
provável.
Se tivesse tido possibilidades económicas, uma estabilidade quando comecei
a fazer este tipo de coisas, então era capaz de ter tido o que chamam uma obra,
porque ao mesmo tempo em que se está a trabalhar, está-se a fazer uma
investigação, um caminho, um estilo. O que eu fiz, são coisas pontuais que se
perdem, a não ser os colecionadores, os «maluquinhos» que colecionam tudo,
esses são capazes de articular umas coisas com as outras… Se houvesse apoios!,
Por exemplo, na banda desenhada: trabalhei na «Visão» onde fiz três ou quatro
historias; fiz o «Capital» em álbum e já dá para vir na Rnciclopédia Mundial da
Banda Desenhada, ora se…
OMS – A existência da censura até 1974 influenciou a tua obra? Tens algum desenho censurado?
Carlos Barradas – Tenho um desenho censurado depois do 25 de Abril, uma
caricatura «chata» para as relações com Angola e o jornal censirou-a, mas nem
me chateei porque reconheci que me tinha precipitado.
Antes do 25 de Abril, eu estava na tropa em Luanda. Aí eu fazia uns cartoons
no «Notícias», e depois fiz uma série sobre sargentos, já que eu «gostava»
muito deles. Eles não gostaram, mandaram-me cartas, chatearam-me….
Depois do 25 de Abril, quando trabalhava nop «Coiso», um jornal muito
agressivo publicado pelo «República», onde colaborava o Mário Henrique Leiria,
a gente atacava muito os padres, e a igreja chateva, mandando-nos cartas… Foi
um dos jornais mais engraçados que apareceu por aí.
OMS – Eça de Queiroz dizia que o humor no constitucionalismo é pelo menos uma opinião. Para ti é uma opinião, ou uma forma de manipulação?
Carlos Barradas – Eu não acho que seja manipular, mas uma forma de
sacudir, de mexer com as pessoas. Uma maneira de subverter, de dar a volta a
certas situações, chamar a atenção para aquelas situações aparentemente
correctas. O humor cubverte tudo, por isso é que os gajos não gostam, censuram
um bocado ou poem as pessoas ao canto.
Não é manipular, mas desmascara determinado tipo de situações.
OMS – O humor gráfico português
tem actualmente alguma característica específica, que o distinga do que se
realiza no resto do mundo?
Carlos Barradas – Não existe humor português pois a gente não tem graça
nenhuma. Nós só sabemos fazer graça com a desgraça dos outros lá fora e, os
outros, fazem graça sobre as nossas desgraças. Somos uns tristes que não
achamos graça a nada e, quando fazemos graça com alguma coisa, é uma chatice:
fazemos graças sobre os padres, eles chateiam; fazemos graças sobre os
políticos, eles chateiam; fazemos graça
sobre os policias e a polícia chateia… a gente faz graça sobre o quem afinal?
Dos gajos que andam por aí? Esses é que não têm graça nenhuma, são as pessoas
mais normalzinhas do mundo.
È muito difícil definir o humor português porque pouco humor temos,
somos o povo com menos humor.
Mesmo que se quisesse criar mais humor gráfico, os jornais, os editores
não apoiam. Os jornais ainda não
perceberam a importância dos cartoonistas, das banda desenhadas, e fica-lhes
mais barato comprar as banda desenhadas e os cartoons vindos lá de fora, já que
vêm daqueles «sindicatos» que vendem por todo o mundo a preço reduzido.
Outro defeito, é a falta de cultura gráfica das pessoas, porque se
qualquer pessoa aprendeu a criticar ou comentar um texto, com um desenho, não.
Se vamos a um sujeito qualquer com uns desenhos debaixo do braço pedindo 5.000
por um cartoon, eles conseguem-no por 600 de um tipo conhecido
internacionalmente, não arriscando num tipo que eles não sabem se tem
qualidade, eles que nem bases de juizo têm.
OMS – Hoje pode-se dizer tudo o que se quer através do desenho?
Carlos Barradas – Quase tudo. Quando fiz p
«Capital» de Marx em banda desenhada, diziam-me que era impossível, conceitos
tão abstratos, conceitos filosóficos não se podiam pôr em símbolos gráficos e
eu disse que se podia. É claro que não foi dito tudo, mas foi dito de uma
determinada maneira, que as pessoas depois de lerem aquilo, podem ser atraídas
a fazer uma leitura mais séria e fazer então um «raport» com o texto original.
Nem certo aspecto, o desenho pode ser um bocado limitado, mas sabe-se dizer
quase tudo e chamar a atenção das pessoas sobre coisas que mais tarde elas vão
aprofundar.