Monday, November 23, 2020
Caricaturas Crónicas - A CARICATURA DOS DESGOVERNOS por Osvaldo Macedo de sousa (in Diário de Notícias de 23/6/1985)
A
política governamental, desde as mais remotas épocas, tem sido apresentada como
um circo onde todos tentam devorar-se uns aos outros no intuito de ficarem sozinhos
no poder, mas quem acaba sempre por ser devorado é o Zé-Povinho. A permanência
ou a queda, são um jogo circense.
Os
Governos através da caricatura aparecem-nos como: uma pa1haçada; polichinelos
manobrados por cordelinhos invisíveis; ilusionistas que através de truques
enganam o Zé-Povinho; saltimbancos que saltam entre os arcos da «Rethorica
Pitoresca» enquanto fazem «Cambalhotas Gramaticais»; trapezistas que se
passeiam pelo ar, ou que andam no arame, arriscando-se que a corda fique bamba
e caiam. Quando um caí, de imediato outro lhe toma o lugar.
O
caricaturista como porta-voz do Zé, é oposição à oposição e ao Governo, porque
segundo os adágios e provérbios do "Pontos nos ii" (RBP – 11/9/1880),
«de Deus vem o bem, e do governo vem o
mal»; «Quando o povo diz ai, o
Governo diz, daí». São oposição porque os Governos «são como aqueles ferreiros de capelistas: quando o Governo X está no
Poder, o povo é sempre um arruaceiro que precisa de guarda municipal como de
pão para a boca, ao passo que o Governo Y lhe chama povo livre que pretende
zelar os seus interesses. Desce o Governo X e sobe o Governo Y; ê logo este
quem fornece guarda municipal aos arruaceiros e àqueles que aplaudem o
procedimento do povo soberano. Por isso se vê que o Zé-Povinho tem nos governos
/…/ duas parcialidades que o aplaudem e o zurzem - alternadamente, para não cansar a braço. Em vendo alguém a
dar-lhe palmas, já sabe que amanhã lhe dará pancada». (RBP, in "Pontos
nos ii” 7/4/1885).
O
político, na caricatura, não é de fiar, porque não passa de um bailarino que de
pirueta em pirueta salta de trapézio em trapézio - «Homem, eu sou republicano é verdade e sirvo os progressistas, mas,
parece-me, que os regeneradores ainda ficam… Estou capaz de me passar para
eles…» (Sebastião Sanhudo. in “Sorvete" 29/9/1878).
Um
baile com cada um à procura do seu par ideal do momento - «Demissões, nomeações, transferências, substituições, eis a cena em que
perdem os nossos amigos de Ontem e ganham os nossos amigos de hoje.» (RBP.
in «Pontas nos ii, 15/4/1886 ).
Destes
bailados nascem os governos eleitos pelo povo, a troco de «carneiro com
batatas». Em princípio, estes devem governar o melhor possível, seguindo de
perto o programa apresentado ao eleitorado, mas, estando no Poder o fundamental
para os governantes é aguentar o máximo de tempo, mesmo que seja necessário
fazer ginástica - «Encontramos a
verdadeira denominação para o actual Governo: - Um governo de cauchu. É muito
maleável. Estende-se ou encolhe-se, conforme a situação. É um perfeito governo
de cauchu, porque apertado, espremido, entalado e achatado até à última pela
oposição, comprime-se, geme, chia, barafusta e encolhe-se até às menores
dimensões. Largam-no convictos de que ficou amassado de vez, estende-se, grita
(salta por cima de todas as considerações, ficando novamente aprumado.»
(Almeida e Silva in «Charivari», 22/6/1889).
Os
governos de cauchu são bonecos «sempre em pé», porque pirueta para um lado,
pirueta para outro, mesmo desgovernando, conseguem manter como que por magia o
equilibrismo.
Quando
há governo há oposição, e toda e qualquer oposição tem como primeiro objectivo
derrubar o governo na ideia de o substituir nos malabarismos e ilusionismos
políticos. No fundo, é um jogo de forças no cai não cai. Pode cair através de
eleições, a forma mais natural, mas também pode cair porque pressionado pela
oposição ou pelo povo, uma força superior ao governo, alguém entalado entre os
dois lados tem que tomar a decisão:
«Uns pedem-me que conserve o governo: devia empregar o
vinagre para a conserva. Outros pedem-me que o faça cair, devia empregar o
azeite para ele escorregar... Para satisfazer a ambos vai azeite e vai vinagre,
e vai salsa, e vai cuentro, e assim arranjo uma salada para os assados em que
me vejo.»
(RBP. In “Pontos nos ii", 15/3/1888). .
Quem
cai sempre é o Zé-Povinho, porque, hipnotizado volta sempre a colocar os mesmos
polichinelos no governo, e a razão, segundo o caricaturista Sebastião Sanhudo é
que o «povo português é exactamente da
índole do boi. Uma criança qualquer o conduz aonde deseja sem que ele saia da
sua mazorice habitual. Não é como o couraçado Pimpão: que se apertam muito com
ele - estoira. Nem como a nossa guarda
municipal que esmaga tudo quanto encontra diante de si... em certas ocasiões. O
povo português é como o boi de trabalho, tem força mas não sabe que a tem. É
preciso picarem-no tanto para ele andar mais um pouco...» (in
"Sorvete” 16/7/1882).