Wednesday, October 14, 2020
«William Hogarth – A BD do séc. XVIII» por Osvaldo Macedo de Sousa (publicado a 27/10/1984 in Semanário)
«The Rake’s Progress» é uma pequena exposição que se encontra numa das salas da Gulbenkian. Um tema, «a vida de um libertino», para pôr em confronto dois artistas e duas épocas. o séc. XVIII e XX, William Hogarth (1697-1764) e David Hockney (1937).
Hogarth, que é considerado como um dos pais da caricatura da Idade Moderna, não é um caricaturista, sendo mesmo um detractor desse género artístico. Hogarth não é fruto do aparecimento de um novo género criativo mas um pintor na linha satírica que já tinha como antecessores, artistas como Bosch, Brueghel, Hals, van Ostade, Teniers… Uma veia pictórica satírica, eventualmente apreendida na obra desses mestres mas, fundamentalmente ele é fruto das novas condições político-sociais vividas na Inglaterra, e europa de então.
Este movimento crítico foi traduzido plasticamente das mais variadas formas, consoante os países ou artistas e inclusive através da caricatura / cartoon. Na Inglaterra, Hogarth desenhou-o como «cenas de género».
William Hogarth eranão só um pintor, mas também um gravador que pretendia a autonomia do artista, liberto do mecenato. De acordo com as suas ideias encontrou a forma de comercializar os seus quadros, transpondo-os para a gravura. Deste modo, não só pode sobreviver, como actuar directamente num público mais vasto. Ele é a expressão de uma nova arte burguesa e a sátira ao mundo criado pela burguesia.
Um caricaturista anti-caricaturista, um pintor burguês anti-burguês? Um artista revolucionário, antiaristocrático, não podia ser outra coisa senão um burguês. Como burguês, não deixa de conseguir reconhecer os erros e vícios da sua sociedade onde vive e sobrevive. Nesta posição critica, o artista explora a sátira numa estética revolucionária, mas ao mesmo tempo tradicionalista de concepção. A sátira de Hogarth é a crítica através de personagens, não exageradas, mas caracterizadas, tal como um actor que se veste e se maquilha para encarnar a personagem.
No final, com Hogarth confrontam-se duas estéticas humorísticas: a caricatura, como retrato exagerado e crítico do indivíduo, e a sátira de carácter, onde o realismo entra em simbiose com o simbolismo. Para este artista, a arte deve ser a expressão de uma representação, no do «sublime» nem do «grotesco», mas da vida. A exageração pela exageração, para ele, não tem sentido: «tudo é permitido na caricatura, o seu fim é o de retratar monstros, e não homens». Para Hogarth a realidade não deve ser traída, alterada em exageros, por isso a caracterização é a melhor via: «Characters» consiste na «cópia exacta da natureza».
«The Rake’s Progress» não pertence pois a «that modern fashion, caricature», antes é «modern moral subjects», um retrato satírico, e por isso realista, da sociedade do séc. XVIII. È uma crónica pictórica, como que em vinhetas de uma eventual bandadesenhada, onde cada personagem é a caracterização múltipla dos vícios ou das virtudes. É a representação da fieldade estética e moral da sociedade, numa dialéctica com o «sério», com o «sublime» e a beleza da arte.
Hogarth não foi um «caricaturista», porém foi um mestre para os caricaturistas de todo o mundo. Na verdade, o primeiro mestre, o principal influenciador e orientador da caricatura da idade moderna foi William Hogarth.