Wednesday, October 21, 2020

«Pintores de Lisboa: Carlos Botelho» por Osvaldo Macedo de Sousa (In Heraldo de 9/8/1985)

«Com os olhos cheios de pintura, vim instalar-me no meu atelier na Costa do Castelo com a ideia premeditada de realizar o meu velho sonho: traduzir na tela todo o pitoresco de Lisboa, toda a sua ingenuidade, todo o seu colorido e caprichosos arrumos do seu casario…» Um sonho que Carlos Botelho prolongaria durante toda a sua vida.

Carlos Botelho, que nasceu em Lisboa em 1899, é um modernista da segunda geração e, como toda ela, deambulará pelas artes possíveis da sobrevivência. Fará ilustração, cartazes, desenho humorístico, decoração de exposições internacionais, cenários para teatros nacionais e, inclusive, passará pelo cinema como assistente de realização. Tudo fez, na dupla intenção de criar e recriar arte no quotidiano mas, de todas elas a pintura será sempre a sua principal forma de expressão.

Seguindo o trajecto de todos os seus companheiros aventureiros das artes, irá também ao estrangeiro beber um pouco das estéticas, mas foi Lisboa que o atraiu e lhe deu tudo o que necessitava para a sua essência. Pintará pessoas, paisagens, cidades várias mas, Lisboa seria, por opção de um apaixonado, a inspiradora de um vasto trabalho.

A Lisboa dele não é a imagem fotográfica, mas a idealização como cenário da representação da vida, vivencia de um povo pitoresco, ingénuo, alegre que se esprai pelas sete colinas. É uma cidade de estruturas cenográficas onde as pessoas não aparecem, mas que estão presentes em espírito. A Lisboa, para Botelho, é rósea, é alegre. Um dia, quando lhe deram cores tristes, passou-a a pintar de memoria, a pintar na invocação da alegria do passado.

Se ele foi o pintor cenarista de Lisboa, foi também o desenhador da sociedade pela critica a preto-e-branco («Ecos da Semana» in Sempre Fixe). Pelo seu traço breve e transparente, ele deixou-nos o «eco» crítico das ambiências de uma sociedade alfacinha no seu dia-a-dia, ou antes, na semana a semana, numa crónica profunda da historia de uma cidade.

Carlos Botelho, que nunca deixaria de sonhar com Lisboa, morreu em 1982.


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