Friday, October 23, 2020

Júlio Pomar sobre os painéis do Metro: Foram idealizados para os utentes – por Osvaldo Macedo de Sousa in «Semanário» de 3/11/1984

 

18 horas – dia 30 de Outubro de 1984 – Centro de arte Moderna – Em plena inauguração «1 ano de desenho, 4 poetas no Metropolitano de Lisboa» consigo trocar algumas palavras com o pintor Júlio Pomar (expositor), palavras entrecortadas pelas saudações, palavras de apreço dos presentes na inauguração. Sempre que posso entrevenho com uma pergunta.

OMS – Como é que nasceu este projecto para a decoração de uma estação do Metropolitano?


Júlio Pomar – O trabalho caiu-me do céu. Não conhecia ninguém na Administração do Metropolitano de Lisboa e eles vieram ter comigo.

Curiosamente no catálogo da exposição fui encontrar um texto onde Júlio Pomar dialoga com o público, respondendo muita das vezes às perguntas que eu lhe pus directamente e que foram respondidas à pressa. Perante isto resolvi complementar, sempre que achasse oportuno, a minha curta entrevista com extratos dessa autoentrevista. No referente à minha primeira pergunta ele complementa: «Andava eu a dizer, aí pelos princípios desta década de oitenta, que bem precisava de passar um ano inteiro a desenhar. O que se chama tentar o diabo».

OMS – Como encarou a estrutura deste trabalho?

J.P. – Primeiro era uma estação. Depois a planta aparecia com uma estrutura em quatro sectores, todos eles semelhantes. Na altura estava a trabalhar sobre uma série de retratos de poetas e resolvi continuar esse trabalho neste projecto.

No catálogo acrescenta: «…surgiu-me a ideia de evocar quatro poetas com lugar de marca na mitologia da cidade.


Pessoa já andava pelo “atelier”, os nomes de Camões e Bocage, presentes na memória popular – por razões, aliás, aí tantas vezes alheias à sua invenção poética – eram inevitáveis. O número quatro, completei-o com Almada que nos deixou uma das escritas mais visuais deste século. (…) O conjunto seria, pois, a invocação dos quatro poetas: como o desenrolar de uma tentativa de os retratar.

OMS – Neste trabalho procurou um diálogo com o público, ou houve uma simples preocupação estética?

J.P. – Isto respondeu a um plano muito concreto de um trabalho dirigido às pessoas que vão conviver diariamente com estas obras, pessoas que na maior parte não têm conhecimentos artísticos. Contudo, isso não me condicionou na realização desta obra. Não posso, nem quero fazer como aquelas pessoas que quando falam com as crianças, imitam a voz das crianças e fala como atrasadas mentais. Esta obra não tem uma linguagem, uma expressão fácil, mas é uma expressão que vai ao encontro das pessoas.

Voltando ao catálogo: «Num lugar de passagem rápida – e desatenta – as imagens poderiam bem apresentar-se num jogo em que a alusão ao já mostrado se combinasse com o imprevisto, ao sabor da circulação dos utentes que simultaneamente as disfrutam e parcialmente as ocultam».

OMS – Quais foram os materiais escolhidos para esta obra?

J.P. – Bem, são azulejos de base branca com desenhos em azul, mas num trabalho com o artesão. Mesmo a vidragem é feita por um meio artesanal.

No catálogo: «… deram-me a ideia de cobrir as superfícies que me eram oferecidas de “graffitis” da minha lavra. (…) O “graffiti” é uma inscrição rápida, a despropósito das conveniências, a meio caminho entre o desenho e a caligrafia. Combinando o desenho e a escrita, no “graffiti” a escrita faz-se desenho e o desenho escrita,»

OMS – Esta obra está imbuída de humor e mesmo de caricatura. Concorda com a minha apreciação?

J.P. – Sim. Existe um humor evidente. Na verdade aqui nesta obra aparece pela primeira vez o humor com um cunho tão acentuado. No fundo este trabalho é para mim a paixão do desenho, do retrato e do humor.

OMS – Aqui utiliza uma linguagem e um humor que poderiam estar próximas ao cartoonismo. Nunca se tentou por esse género?

J.P. – O meu processo de trabalho é contrário ao processo do cartoonismo. Levo muito tempo a elaborar as coisas e não tenho a espontaneidade necessária para responder aos acontecimentos do dia-a-dia. Quando fizesse alguma coisa já tinha passado o momento. Mesmo quando faço ilustrações levo muito tempo e são os outros que me apresentam os projectos. A única proposta de ilustração feita por mim, foi a do “Pantagruel” de Rabelais.

No catálogo, referindo-se ao seu processo de trabalho diz: «Cada um destes estudos é o resultado de muitos outros, cuja razão de ser foi a de lhe prepararem a simplicidade».

OMS – As suas origens no neo-realismo, ligadas a uma linha barroca de comentário à sociedade, evolucionaram para uma linha aguda, muita das vezes satírica e portanto de maior intervencionismo. Isto dá-se por uma evolução ideológica ou estética?

J.P. – Uma ideologia é um molde para os acontecimentos, e estes moldam as ideologias. A atitude fundamental do criador é sobretudo a descoberta do que se passa na margem. Quanto a essa mudança, trata-se naturalmente de uma evolução – a estética é o reflexo de uma posição perante a vida.

Entretanto a ronda de manifestações de amizade seguia e nós tivemos que suspender esta breve conversa com um artista cansado em plena inauguração da sua exposição.




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