Wednesday, July 22, 2020

História da arte da Caricatura de imprensa em Portugal (1933) por Osvaldo Macedo de Sousa


1933

No Diário de Lisboa de 2 de Janeiro, Correia da Costa disserta sobre "As Caricaturas Sintéticas de Teixeira Cabral": O que torna a arte, ou antes a maneira artística de Teixeira Cabral inconfundível, é o seu sentido raro e único de humorismo. Sendo a caricatura em si, uma arte-síntese, poucos são os que a podem e sabem realizar simultaneamente com um poder de adivinhação interior e com uma verdade, um objectivo exterior, dando portanto às mascaras uma exterioridade cómica ou dolorosa e absolutamente interpretativa da intenção do caricaturista. Demais na caricatura a intenção é o motivo fundamental, a finalidade em que o artista se coloca de revelador, de interpretador, do que este julga o sentido próprio das fisionomias e das mascaras. Arte essencialmente sintética, conjugam-se nela para a tornarem perfeita, «nuances» e predicados, que raramente co-existem no mesmo artista. Em Teixeira Cabral, que passou rapidamente duma revelação perturbadora a uma certeza indiscutível e que atingiu, hoje, embora bastante novo, a situação inconfundível de ser o primeiro humorista português da caricatura, a sua precisão de retina e o seu sentido de adivinhação, de perscrutação interiores, deram-lhe uma nítida expressão de individualidade. Por essa razão e por outros motivos a intenção deste artista é absolutamente paralela à técnica, à perfeição do seu desenho. Os traços tornam-se nítidos e precisos, e em linhas perfeitamente sintéticas atinge o seu alvo e realiza sempre desenhos admiráveis de elegância e nitidez. Se por vezes há bizarrias e irregularidades de composição, o conjunto é, de facto, harmónico fechando sempre o desenho de maneira a torná-lo completo e decisivo, adentro dum alto equilíbrio de unidade. Na obra de Teixeira Cabral, que é uma indiscutível lição de humorismo, as máscaras e as fisionomias não estão apáticas no desenho, pelo contrário, têm uma vida real, humanizando-se em absoluto com as intenções do autor. «Ridendo castigat mores», diziam os latinos e pode-lo-á repetir Teixeira Cabral, porque muitas vazes caustico e castiga de mais os modelos, apenas para salientar a parte imprecisa ou não revelada do seu auto-humorismo. Toda a mascara humana, definindo na sua estática e dinâmica de fisionomia um sentido de tragédia ou de comicidade e humorismo, é portanto um campo aberto à retina e à observação instantânea dum caricaturista. Mas a parte dificílima, a parte cuja técnica é estruturalmente definidora do valor e da classe dum caricaturista, é torná-la sintética, simples, objectiva e resumindo no conjunto toda a intenção a revelar.
Por isso, a caricatura é uma arte síntese. /…/
Teixeira Cabral é um dos expoentes da nova geração modernista, que ao lado de D. Fuas, Botelho, Tom, José de Lemos, Paulo Ferreira, Zémarkes… cria um novo elan estético. Ele irá mesmo aos limites do abstraccionismo, onde o perigo de se perder o diálogo comunicativo com o público trava a vanguarda estética no modernismo. Como por diversas vezes referi, o humor gráfico tem de conciliar a vanguarda com a comunicabilidade, porque se esta última falha, ou seja se não houver leitura imediata, deixa de haver humor, sátira. A abstracção, por onde caminharão as artes plásticas, é terreno quase interdito à sátira, pelo menos mais politica ou cartoonistica do quotidiano, pela essência do próprio conceito de abstrato. Interdita mesmo? Não, pelo absurdo consegue-se, com muita imaginação e irreverencia, ainda uma via de sobrevivência humorística. Contudo o humor ainda viajará pelo surrealismo, e por outras vanguardas…É um mar de artista que vão enchendo as páginas com o humor possível, como Vascó, Ilberino dos Santos, Mário Monteiro, Xápi, Cruz Caldas, Pinto Magalhães, Albuquerque…
Se historicamente falámos essencialmente das conquistas vanguardistas no campo do modernismo, nunca podemos esquecer o raphaelismo (alguns preferem dizer estilo bordalliano), o estilo humorístico-naturalista que sobrevive ao tempo. Mestres como Valença, Amarelhe, Alonso, Cunha Barros, Carlos Ribeiro, Natalino, Pargana, Armando Boaventura, Octávio Sérgio… vão singrando triunfalmente. Sendo um estilo sempre de gosto popular, vão adaptando-o à sua própria imagem de artista e aos gostos de cada época. Tendo sempre como base a estrutura satírico-política deixada como herança por Raphael Bordallo Pinheiro, o mestre está sempre presente, mais não seja através da sua criação maior, o Zé Povinho, o Zé Pagante, o Zé Português.



Epílogo

A Ditadura militar foi-se transformando, ou mais concretamente, foi-se definindo ao longo destes sete anos, essencialmente com um crescente predomínio da figura do Ministro das Finanças António de Oliveira Salazar, e já então Presidente do Conselho de Ministros.
Apesar de a opção de direita já estar definitivamente desenhada, havia diferentes opções de via política, onde o Movimento Nacional-Sindicalista de Rolão Preto queria impor uma via fascista de modelo italiano, enquanto que a União Nacional impunha uma via mais nacionalista de brandos-costumes salazaristas.
Para melhor conhecimento dos pensamentos do "timoneiro" do regime, em Fevereiro é publicado o livro "Salazar, o Homem e a Obra", uma compilação das entrevistas realizadas por António Ferro, com prefácio do próprio Salazar (uma tiragem de 125.000 exemplares).
Neste ano de 1933 termina esse período de transição com a promulgação da nova Constituição Política da República Portuguesa (a 11 de Abril), fundando-se desta forma o novo regime, o Estado Novo. Neste documento ficava instituído o sistema jurídico-institucional do «corporativismo português».
Se para a historia do país esta é uma data charneira, num caminho que mergulhará o país num dos seus períodos mais negros no âmbito sociológico e cultural, para a História da Caricatura é apenas mais um passo para a degradação de um género artístico. Um género onde a liberdade de expressão, onde o triunfo do espírito é fundamental, dificilmente sobreviverá incólume à tacanhez dos espíritos policiais que desde então tentam dominar o espírito de um povo.
Sobreviverá, mas…


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