Sunday, April 12, 2020
História da arte da
Caricatura de imprensa em Portugal (1922) por Osvaldo Macedo de Sousa
Apesar da imagem do português
ser de um povo antes fatalista que com sentido de humor, não foi apenas nas
sociedades cosmopolitas de Lisboa e Porto que a imprensa humorística se
desenvolveu. E diversas são os exemplos de jornais regionais de cunho
humorístico que surgiram ao longo dos anos, ou de jornais regionais noticiosos
que usaram o desenho de humor, com trabalhos de artistas de índole nacional ou
local. Uma das muitas localidades com imprensa humorística foi Espinho, e faço
esta chamada de atenção precisamente para falar de um artista espinhense,
Silvaz que aqui desenvolverá uma obra artística de mérito.
Silvaz, ou Silvério Vaz
(1896/1965) foi professor de Desenho, Educação Física, Natação, Co-responsável
pelo Colégio Nª Srª da Conceição em Espinho, e dirigente desportivo do Sporting Clube de Espinho. No
campo artístico, para além de caricaturista em diversos jornais locais, e de
livros de curso, foi ilustrador, grafista, cenógrafo, vitralista (são da sua
autoria os vitrais da Igreja Matriz de Espinho)… enriquecendo ao longo dos anos
aquela povoação com a sua actividade.
Neste norte em evolução
estética, surgem nomes como Carlos Carneiro, ou D. Fuas. O primeiro, filho já
de um consagrado pintor (António Carneiro), irmão de consagrado compositor e
músico, dedicou-se a múltiplas actividades, desde aviador, a publicitário,
cartazista, ilustrador, assim como à caricatura, tendo obra publicada no
"ABC", "Diário de Notícias Ilustrado", Mulheres do Norte,
"A Palavra", "Aquila", "Civilização",
"Latina", "Ilustração Moderna", "Comércio do
Porto", "Renascença", "Eva"… Como referem os críticos
de então modernizou em elegâncias a
visão intimista paterna.
D. Fuas é naturalmente um
pseudónimo, de uma vida dupla. Pseudónimo de Luís de Carvalho Cunha, médico que
procurou separar estas duas actividades com uma fronteira de vivências sociais
distintas. Natural de Armamar, onde nasceu a 17/3/1889, virá a morrer no Porto
a ……………………..
O seu traço está ligado a uma
segunda geração modernista, onde a síntese roça a abstracção na caricatura,
enquanto que o desenho de humor segue a escola do modernismo espanhol, menos
anguloso, mais rococo de síntese. A sua obra, apesar de também ser publicada
nos jornais do sul, dominará durante décadas as páginas dos jornais do norte.
Assim encontramos trabalhos seus em "Cocóroco", "Domingo
Ilustrado", "Pim-pam-pum", "Sempre Fixe",
"Stadium", "Diário de Lisboa", "Primeiro de
Janeiro", "Maria Rita", "Diário do Alentejo" (1938),
"Maria da Graça" (Luanda 1935)…
Apesar dos diversos pontos do
país com actividades próprias e cosmopolitas, Lisboa continua a ser o centro do
mundo: Tardes doiradas de Lisboa, -
escreve Reinaldo Ferreira, in "Europa" de Abril 1925 -
tardes de Chiado, tardes que morrem com suavidades agonizantes
piedosamente infectadas de morfina… Sonho de Paris, visão da Rue de la Paix , um bilhete postal;
estampilha de civilização e de elegancia n'um curto envelope, amarfanhado e
sujo pelos carimbos dos séculos…
Tardes de chá… Autos que passam, luzindo metaes espelhantes, quasi sem
buzinar, sem fazer ruído, como n'uma projecção cinematográfica… Casacos
"mujiks", quentes de peles; exposição de rostos maquilhados, desenhos
de Penagos, fantasias de Bartolozzi, diabruras de Stuart, caprichos berrantes
de Barradas… Olhos verdes e olhos negros, que são de louça; pestanas longas e
frizadas por pinças miniaturaes; sobrancelhas finas e brilhantes como virgulas
pintadas com tinta da china; cabelos à Garçonne, masculinisando os rostos,
transformando as mulheres em gaiatos ingleses… Depois, o carmim a pôr em braza
os lábios carnosos, as bocas rasgadas; os batons que desfolham rosas sobre as
faces…
Neste ano abre o Salão de Chá
"Versailles", multiplicam-se os Chás nas casas das Marquesas,
Condessas, os salões literários. As revistas de moda e sociais multiplicam-se,
é tempo de informação, de criar um reflexo da sociedade cosmopolita e mundana.
Cria-se um diálogo com um público sobre o real, e o desejo de mundaneidade. "ABC",
"Ilustração", "Magazine Bertrand", "Civilização"…
são revista que como a "Contemporânea" se apresenta como revista feita expressamente para gente
civilizada - revista feita expressamente para civilizar gente. No mundo da
moda veremos aparecer "Eva", "Voga"…, no campo do cinema
"Kino, "Cinéfilo", "Imagem"…, no campo do desporto
"Off-Side"…Desenvolve-se a cultura da informação e da imagem, onde a
fotografia toma um lugar cada vez mais relevante.
Sobre este Modernismo Mundano
o ABC (de 4/10/1928 com texto assinado A.C.) teoriza: Há certos nomes de família que se pronunciam batendo fortemente as
sílabas e que ecoam como toques de fanfarra, são nomes gloriosos, cheios de
significação, que foram brados de guerra em heróicas batalhas; modernismo é hoje uma palavra que se
pronuncia tal como esses velhos nomes heróicos e que para muitos soa como o
clangor das trombetas guerreiras.
Modernismo, apesar de ser uma palavra tão velha como o mundo, porque em
todos os momentos os homens se sentiram modernos, tem hoje, porém, tão vasto
significado que difícil se torna num simples artigo de magazine traduzir o seu
valor.
É indubitável que ela traduz uma verdade importante, já que
continuamente o ouvimos pronunciar com orgulhos luminosos ou com desprezos
enjoados.
Modernismo, é pois, alguma coisa, alguma coisa de tão importante que,
por si só, extrema dois campos.
Modernismo é a grande conquista do nosso século, modernismo é o
espírito novo, nascido na dor cruciante da grande guerra.
Modernismo é a compreensão da vida, da vida física e da vida mental,
que a estulticia, o preconceito ignóbil e as megalomanias imperialistas,
aniquilaram no trágico massacre da grande guerra.
Modernismo é o grande impulso naturista do nosso tempo, é a Renascença
da vida ao ar livre que o cristianismo triunfante tinha sepultado nas masmorras
do preconceito.
Modernismo é uma invencível reviviscência pagã que lançou as mulheres
nos stádios, no sport, na vida ao ar livre, que as roubou às penumbras doentias
da hipocrisia fradesca, para as entregar à carícia do sol.
Nunca uma civilização foi tão difícil de definir como a nossa, mas,
nunca também, uma civilização se mostrou tão diferente das suas antecessoras.
É, primeiramente, o terreno material em que a transformação foi tão
rápida, tão fulminante, que ainda nós balbuciamos os princípios de um invento
extraordinário e já um outro se anuncia, mais maravilhoso ainda.
A máquina. a grande conquista, a cabal demonstração da divindade do
homem, multiplicou-se, lançou os seus milhões de tentáculos para todos os
terrenos da actividade dos homens, e moveu aeroplanos, moveu submarinos, lançou
em loucas velocidades automóveis e expressos, furou montanhas, rompeu os
continentes. modificou a forma dos mares.
E como primeira consequência, a máquina trouxe a morte do tempo e o
culto da velocidade.
O tempo quase não existe ante a rapidez fulminante da mecânica moderna,
Tudo se faz depressa, numa vibração alucinante, numa actividade febril, que
imprimem ao homem de hoje uma concepção nova do valor das coisas.
Mas, se no campo material, o modernismo apresenta uma face mui diversa
do que mostrava o século passado; no campo espiritual a transformação não foi
menos radical.
O pensamento de hoje é qualquer coisa de tão diferente do que era há
vinte anos, que muitos indivíduos, menos aptos à Grande Transformação, ficaram
para trás, deixaram-se distanciar pela Ideia Nova, e por mais que queiram
«modernismo» é para eles uma «triaga» de valor estranho e que lhe revolta o
paladar.
A «humanidade nova» chamou alguém à gente do nosso século, e nenhuma
designação é tão justa como essa.
Humanidade nova, com uma sensibilidade que lhe é própria, como uma
audácia criadora que varreu quase que inteiramente as peias da tradição.
Um novo credo surgiu, orgulhoso, demoníaco, segundo a doutrina católica,
mas coerente e lógico com as conquistas da Idade Moderna.
Os homens de hoje crêem no homem, no seu génio, na sua força criadora,
crêem na vida.
Viver é a grande finalidade de hoje, viver vencendo o tempo e gosando
as grandes verdades naturais que habitam o coração do homem.
Viver o sol, viver o amor, viver a alegria !
Em tudo se espelha a nova concepção das coisas: na arte, em que junto
as linhas puras do Belo se aninha a sinuosidade do Feio, na Ciência em que se
investiga, lado a lado, a grande verdade material e a obscura hipótese
metafísica.
Modernismo é, sobre tudo, a era da Tolerância, vasta, completa, em que
todos cabem, desde que queiram fazer a sua vida, sem proselitismos irritantes,
sem hegemonias hipócritas.
Modernismo é, se nos fosse lícito classifica-lo dentro das concepções
da nova matemática einsteiniana, dentro desse novo hino à luz, um poderoso
feixe de rectas marchando da Terra para o Sol.
Neste ano a SNBA em Lisboa
apresentou uma exposição de João Fernandes Thomás, não de pintura ou desenho,
mas de fotografias, o que não era habitual apresentar a fotografia como uma
arte de galeria. É no fundo uma Galeria de Individualidades de relevo social.
Para o nosso caso, o interesse desta exposição de retratos, é que incorpora uma
série de retratos de caricaturistas, cujo catálogo faz mini-apresentações dos
retratados, com cunho irónico, escritos por dois companheiros das aventuras dos
caricaturistas, Afonso de Bragança e Cardoso Martha:
Almada Negreiros (José de). Pintor e Poeta. Autor do k4 Quadrado Azul, da novela A engomadeira, do Manifesto «Anti-Dantas» e doutras obras que marcam
pelo seu modernismo exaltado. É um dos mais brilhantes elementos de nova
geração - o seu «éclaireur». Figura
estranha de cabeça egípcia.
Barradas (Jorge). Caricaturista, mas caricaturista á maneira alemã. A
sua arte é graciosa e pequenina. Ele é mesmo um «boche» em miniatura.
Boaventura (Armando). Caricaturista e jornalista. Ilustrador de jornais
e revistas.
Cardoso Martha (Manuel). Poeta. Publicista. Interessante espírito de
investigador. Autor de dois volumes sobre folk-lore,
dum livro de Versos e co-organizador dum valioso In-Memoriam de Eça de Queiroz. Premiado nos Jogo Florais
Internacionais de Salamanca. Físico de frade bernardo com alma de benedictino.
Colaço (Jorge). Figura velasquiana, sotaque estrangeiro. Decorativo e
decorador. Os seus azulejos são muito apreciados em Portugal. Ele mesmo
é um azulejo - sem quadrícula…
Leal da Câmara (Tomás). Pintor. Célebre em Paris e portanto em todo o
mundo, no tempo de l'Assiette au beurre.
A sua galeria de reis é notável. Hoje, decorador de gosto, Cabeça de papagaio
sarcástico. Não podendo trazer Paris para Portugal, pensa em levar Portugal para
França, numa aldeia.
Marques (Bernardo). Desenhador. Algarvio. Ilustrador de livros e magazines, cheio de cor. Sugestões
cubistas. Cultiva as mulheres feias… em arte.
Soares (António). Pintor. Pintor de mulheres em especial. A sua arte
esquemática é um tratado de geometria da mulher. Preços altos.
Sousa (Alberto de). Aguarelista. Sócio dos mais assíduos da associação
dos Arqueólogos. Apaixonou-se pelo passado, e fê-lo presente aos seus
contemporâneos. É um pintor dos velhos palácios, dos claustros silenciosos, dos
recantos pitorescos, campanários visitados das corujas e janelas rotuladas
donde namoravam franças e casquilhos.
Stuart Carvalhais (José). Pintor. Um virtuose do lápis. Sensibilidade de artista moderno. Boémio de
espírito e de corpo. Em Arte bebe par son
verre, que não é pequeno, como o de Musset.
Valença (Francisco). Caricaturista da velha guarda. Expositor do 1º e
2º Salon de Humoristas. Ninguém como ele sabe apanhar o lado ridículo de
pessoas e dos costumes. Os seus grotescos não precisam de legenda; fazem rir
por si, como o Vale em scena, ainda antes de abrir a boca.
Neste ano o acontecimento
mais importante para a sociedade portuguesa será o feito de Gago Coutinho e
Sacadura Cabral, que atravessará o Atlântico sul de Avião, numa viagem
pioneira.