Wednesday, April 29, 2020

História da arte da Caricatura de imprensa em Portugal (1925) por Osvaldo Macedo de Sousa



1925

Faz 50 anos que o Mestre Raphael Bordallo Pinheiro criou a figura do "Zé Povinho", como símbolo caricatural do nosso povo. Foi nas páginas da "Lanterna Mágica", e creio que o seu criador nunca pensou que tal imagem triunfasse, como triunfou. Ainda hoje é uma iconografia viva, usada por todos os homens do humor, seja gráfico ou teatral, e imprescindível no dia a dia da sátira. Mantêm as mesmas indumentárias, o mesmo aspecto "saloio", e a mesma "esperteza".
Não sendo para comemorar este aniversário, mas na linha da visão caricatural do Zé, é publicado este ano o livro "Bonecos" do Hugo. O autor era Hugo Pinto Morais de Sarmento, sobrinho de um grande caricaturista português de nome Julião Machado. Natural de Luanda (como seu tio), onde nasceu a 19 de Novembro de 1885, formou-se em engenharia pelo Instituto Superior Técnico de Mitweida (Alemanha) em 1911.
Alberto Meira, nos seus brevetes Biográficos na revista Prisma, esclarece-nos: Contrariamente ao que seria aconselhado pelas suas predilecções espirituais, antes guiado pela vontade paterna, não frequentou o Sr. Engenheiro Hugo Sarmento as escolas de Belas Artes, mas vêmo-lo passar pela antiga Escola Politécnica de Lisboa e pela Universidade de Coimbra, para finalmente ir ao estrangeiro em busca do diploma com que entrou na vida prática, essa vida prática, que o demorou por Angola, pela Alemanha e pelo Brasil, antes que definitivamente o fixasse em Lisboa.
Sendo assim e tendo por lá deixado rasto dos seus pincéis, difícil se nos torna, por motivos óbvios, acompanhar, como nos seria grato, o seu labor artístico.
Mas o investigador ou o crítico, que o puder e queira fazer, não reconhecerá a inutilidade das suas buscas no Rasensport e nos Bierzeitungen do Mittweidaer Ballipiel Club, da Alemanha; na Revista da Semana, Lusitânia, no País, Diário Português, Cruzeiro, Vamos ler!, do Rio de Janeiro, ou em A Província de Angola, de Luanda.
Por ali ou pelas produções que nos foi possível relacionar mais adiante à face dum exame directo, ver-se-á que o Sr. Engenheiro Hugo Sarmento, dispõe dum traço que muito o aproxima da correcção e do cómico dos desenhadores ingleses, encantando-se com as páginas das ilustrações norte-americanas, tornando-o um executor apaixonado das formas clássicas, absolutamente contrário, portanto, às correntes chamadas modernistas.
Na realidade a sua vida foi um saltitar entre Angola, Alemanha, Portugal e Brasil, sempre como engenheiro, e contrariamente ao que Alberto Meira escreve (já que aconteceu posteriormente a este texto). Hugo Sarmento não se radica definitivamente em Portugal, antes no Brasil para onde partiu em 1940, e onde viria a falecer em 196???…
O desenho foi sempre um actividade secundária, e paralela à sua actividade profissional. No nosso país, para além da publicação do referido álbum, colaborou na Ilustração Portuguesa (1910), no Sports Ilustrados (1912/13), Seara Nova (1924), "Livros (1925), ACP (1933), Comércio do Porto Ilustrado (1936), O Diabo (1937)… Pertenceu à Direcção da SNBA de 37 a 40.
A História da Caricatura Brasileira recorda-o desta forma: O português Hugo de Morais de Sarmento, sobrinho de Julião Machado e há muitos anos radicado no Brasil, teve uma colaboração muito assídua em nossas revistas ilustradas… O desenho de Hugo se caracteriza por um traço nervosos e alegre, uma caligrafia fantasiosa, a despeito de ligada sempre ao objectivismo caricatural inerente às sátiras de costumes, no que sempre se especializou.
A mesma História, assinada por Herman Lima, fala-nos de outros portugueses que entretanto trabalharam no Brasil, como Justino e Cunha Barros, também surgido por esse tempo em nossa imprensa, pareciam porfiar, curiosamente, em imitar o mestre português da Iluminura (Correia Dias) /…/ Joaquim Guerreiro, português veio para o Brasil quase ao mesmo tempo que João Brito e Correia Dias. Na caricatura pessoal deixou alguns trabalhos apreciáveis… Em 1920 regressou a Portugal, para se fixar em seguida em França.
O Chiado, como centro da irreverência e da boémia artística será mais uma vez o palco de uma iniciativa marcante para a arte moderna.
O Museu de Arte Contemporânea, apesar do seu nome, sempre esteve mais na retaguarda que na vanguarda, e mesmo Columbano que deveria ser um homem de ideias abertas, na sua Direcção deste Museu manteve-o fechado aos Modernistas. Assim, quando o Café "Brasileira do Chiado" resolve redecorar o seu espaço com uma série de pinturas encomendadas a um grupo de artistas modernistas, torna-se o primeiro espaço público com uma exposição permanente de arte Moderna. Isto aconteceu em 1925, e os artistas seleccionados foram Stuart, Jorge Barradas, Almada Negreiros, Bernardo Marques, Pacheko, Eduardo Viana e António Soares.
Estas telas, que nem todas ficaram como referência importante na carreira dos seus autores, são no entanto um retrato bastante querente da vanguarda nacional de então. Mereceram naturalmente todo o género de críticas, e mesmo o "Sempre Fixe", onde a maioria dos artistas representados também colaboraram, não se coibiu de satirizar os trabalhos sob a pena do académico Francisco Valença.
O Bristol-Club, em 1926 seguirá o exemplo, e o seu interior será um segundo (o primeiro era a Brasileira) Museu da Arte Contemporânea Portuguesa. Este Club será não só um espaço de exposição permanente, assim como as suas encomendas de cartazes e grafismos publicitários para revistas resumem o melhor que se criou no âmbito do modernismo gráfico desta década. Foram tempos onde os Clubes, os Cabarets, com as Jazz-band, a "movida" da noite, dominaram a criação plástica.
Artista que surge por estes anos, e que se dedicará à novas paixões sociais, como o desporto e o cinema é Filipe Rei, um criador de excelente traço e humor, que passará como um cometa reluzente, mas breve, no panorama gráfico nacional.
O jornalista Alberto Meira, nos seus "Verbetes Biográficos", agora em "O Tripeiro", Ano III, pág. 40 apresenta-nos o artista: Filipe Júlio Sourton Rei nasceu em Lisboa, a 4 de Setembro de 1900, e faleceu também ali, em 26 de Outubro de 1931.
/…/ Que saibamos, o seu contacto com o público deu-se através de "ABCzinho", em 1922, chamado por Cotinelli Telmo, ao tempo dirigindo o interessante jornal infantil, patrocinado pela revista "ABC". Devem estar na memória de quase todos os leitores de "O Tripeiro" as construções que para aquele publicação fazia Filipe Rei. /…/ A sua alma bem formada, o sentido amplo da arte que o animava, contentavam-se em apreciar de longe a sua obra, confundido com a massa anónima das crianças que o adoravam sem o conhecer, mas que entusiasticamente falavam no «Tio Pirilau», o autor das histórias ilustradas que as faziam delirar e dos seus melhores brinquedos: as construções do "ABC zinho"
Decorridos poucos anos veio fixar-se no Porto, ocupando a sua actividade nos escritórios de importante empresa industrial. /…/ A par dos referidos trabalhos obrigatórios soubemo-lo desenhador, aguarelista, decorador e desportista.
Publicamente houve ocasião de se apreciar os desenhos desse desventurado moço nas páginas de "Cócórócó", 1º ano - Porto, 1924-1925, quando o espirituoso semanário tinha à sua frente Arnaldo Leite e Carvalho Barbosa, na parte literária, e, na parte artística, Cunha Barros, que ali se revelara um caricaturista delicado e de traço gracioso, vindo mais tarde a fixar-se em trabalhos de ilustrador e decoração.
Mas, voltando a Filipe Rei. Em 1925 apareceu como ilustrador do semanário de crítica e humorismo «Cinema» (no sentido de variedade de assuntos e não no de cinematografia), tendo como director literário Marcos Guedes - o velho jornalista de O Primeiro de Janeiro e colaborador literário de Sebastião Sanhudo, na última fase de «O Sorvete».
Apesar da diferença de idades, os orientadores deste novo semanário completavam-se. Um expunha a ideia; o outro realizava-a em traços vigorosos cheios de animação, de ironia e de graça. Infelizmente foi efémera a vida de «Cinema». Marcos Guedes não conseguiu ver nem apreciar o segundo número, que com tanto carinho tinha elaborado, em virtude de ter sido acometido de doença grave que lhe inutilizou todas as suas faculdades intelectuais. Assim quem possuir os nªs 1 e 2 daquele jornal possui a colecção completa.
O nosso Artista, porém, não desistiu e, em 1928, vemos o seu lápis a dar vida e graça a um novo semanário, de título infeliz - e também de curta existência - «Off-Side - humorístico, de sport e crítica geral».
Episodicamente dir-se-á que o seu muito interesse pelo desporto se manifestou, segundo nos informaram, na direcção do Club de Foot-Ball Ramaldense, e , depois, na Associação de Foot-Ball do Porto.
Como decorador, ornamentou inúmeras salas de espectáculos particulares e de bailes, merecendo especial referência a decoração da sede da efémera Corporação dos Bombeiros Voluntários da Invicta, da qual foi apaixonado animador.
Em dado momento daquela vida tão prodigamente dotada de dons naturais, os fados, bons ou maus, não o sabemos nós, levaram Filipe Rei a retirar-se do País, aceitando um lugar de destaque numa importante empresa de Casablanca (Marrocos). Mas também ali foi curta a sua permanência, porque, decorridos poucos anos, regressava a Lisboa, vencido, doente, para em breve desaparecer da cena da vida, deixando memória duma das mais curiosas figuras da sua geração…
Em relação à identificação do "Tio Pirilau", António Dias de Deus, no seu livro "Os Comics em Portugal" contesta: Filipe Rei, durante algum tempo, gozou (ou sofreu) com a identificação que lhe fizeram, como sendo o "Tio Pirilau". Hoje sabe-se, sem sombra de dúvida, que o "Tio Pirilau", correspondente dos leitores do "ABC zinho", era Cotinelli Telmo.


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