Friday, April 24, 2020
História da arte da Caricatura de imprensa em Portugal (1924) por Osvaldo Macedo de Sousa
1924
A memória de Raphael Bordallo
Pinheiro mantinha-se viva, fundamentalmente pela mão de dois homens, que contra
ventos e marés, procuraram criar um Museu consagrado à obra do Mestre. Esses
Quixotes da Museulogia caricatural são o Dr. Cruz Magalhães, e Luís Calado
Nunes.
Ao longo dos anos dez o
projecto foi-se desenhando, com muita desconfiança por parte da Câmara
Municipal de Lisboa, e com o total alheamento dos outros caricaturistas. Em 1916 a Casa de Cruz
Magalhães (no Campo Grande) onde as obras, e cópias das obras foram sendo
depositadas, abriu temporariamente as portas. A 21 de Março de 1921, o Museu
inaugurou uma estátua de Raphael frente ao edifício. Esteve encerrado a casa de
Agosto de 22, a
Julho de 24. A
2 de Julho de 1924 Cruz Magalhães doou o edifício e as obras à Cidade de
Lisboa, como forma de obrigar a Câmara a tomar definitivamente uma posição
perante tão importante núcleo Museológico. A partir desta data, a caricatura
teve oficialmente o seu primeiro Museu, homenageando um dos seus mais altos
valores.
Os Salões dos Humoristas, foi
algo que ficou atravessado na garganta dos artistas gráficos, já que serviu
para relançamento desta arte no início do novo regime, serviu, como força
motriz de profundas alterações estéticas e programáticas, mas das muitas
intenções e sonhos, nada se concretizou. Por isso é natural que alguns artistas
continuassem a sonhar com uma recriação da Sociedade, de uma Instituição Profissional
que os defendesse nesta actividade tão mal protegida no âmbito profissional e
social. Assim neste ano de 1924 vimos surgir de novo o nome de Salão dos
Humoristas, por duas vezes.
No Porto (Páscoa 1924), surge
uma exposição colectiva sob a designação de “Salon dos Humoristas”, que se
dizia “a favor do Recolhimento das
Meninas Desamparadas”. Parece um trocadilho irónico, mas era na realidade
uma acção benemérita. Tinha como Presidente da Comissão Organizado Licínio
Pinheiro Perdigão, sendo participantes Laura Alves Costa, Adolfo Faria de
Castro, Licínio Pinheiro Perdigão, Manoel de Freitas e Ricardo Spratley, todos
amadores, em que a dita Laura não tinha mais de 13 chilreantes primaveras. Não tinha nada a ver com as exposições
anteriores, ou com a classe profissional de Humoristas, antes uma usurpação.
Em Lisboa também haverá um
Salão. Uma carta de 21 de Junho de 1924 dirigida a Leal da Câmara, em nome de
uma Comissão Organizadora, e assinada por Emmerico Nunes, Menezes Ferreira,
Jorge Barradas, Francisco Valença, Alonso e Alfredo Cândido diz o seguinte: “Exº. Sr. Para tratar dum assunto de
urgência e de grande interesse e utilidade, a Comissão Promotora da 4ª
Exposição do Grupo dos Humoristas Portugueses, pede a comparência não só dos
concorrentes à actual exposição como dos antigos expositores a uma reunião que
deve realizar-se na próxima Segunda-feira, 23 do corrente, pelas 17 horas
exactas, no Salão Nobre do Teatro de S.Carlos. Serão credores de muita gratidão
dos signatários quantos de dignarem honrar com a sua presença aquela reunião. Sem
o formalismo de 1911/13 da Sociedade, havia um grupo de humoristas em Lisboa
que procurava manter o espírito de realização de tempos a tempos de uma
exposição dos Humoristas.
Na realidade durante esse mês
de Junho decorreu em Lisboa (Foyer Teatro de S.Carlos) o IV Salão dos
Humoristas Portugueses, com a participação dos sempre presentes Jorge Barradas,
Sanches de Castro, Emmérico Nunes, Menezes Ferreira, Leal da Câmara, assim como
Mouton Osório, Eduardo Faria, Martins Barata, Roberto Nobre, Roberto dos
Santos, Rocha Vieira, Francisco de Castro, Viriato Silva, Armando Boaventura,
Jorge Segurado, Mamia Gameiro, Maria Adelaide Lima Cruz, Laura Rodrigues,
Amélia de Cruce Formigal, Clementina Carmen de Moura. O mais curioso é o
aumento significativo de participações femininas, numa género dominado
totalmente na imprensa por homens.
Como nos casos anteriores
haverá participações de trabalhos que dificilmente podiam ser considerados
humorísticos, como os de Leitão de
Barros, Martins Barata…
Segundo a crítica, foi um
Salão “decadente e apático”. O "Diário de Lisboa" de 19/6 vai ao
ponto de afirmar em cabeçalho: Já não há
humoristas na nossa Terra. Assim se conclue da exposição de São Carlos.
E prossegue: Dizem que é uma exposição de humoristas.
Mas não é. É uma exposição de trouxe-mouxe, sem unidade nem intuito, e onde há
apenas os altos e baixos das coisas feitas sem norte.
O que se vê é que acabaram os humoristas portugueses, ou pelo menos
andam zangados com a arte e com o público artista.
Lembra-nos muito bem a exposição dos humoristas portugueses de alguns
anos atráz. Tinha qualquer coisa de forte: tinha espírito mesmo. Podia não ser
completa mas via-se.
A exposição agora patente no salão de S. Carlos não honra pela
qualidade, e, sobretudo, é uma demonstração da apatia dos nossos primeiros
artistas pintores e desenhadores do humorismo, dos nossos artistas cuja arte,
mesmo fora dos limites do bom humor, pela sua liberdade e pela sua intenção
está bem ao lado do chamado «humorismo» do lápis e do pincel.
/…/ Leal da Câmara tem um quadro vago do seu processo largo. Não vale.
D. Adelaide Lima Cruz, no humorismo, apresenta-se com bizarrias. /…/ Jorge
Barradas apresenta três quadros do Brasil, já conhecidos, mas nada de
humorismo. /…/ Valença, uns trabalhos sem classe. Mouton Osório, caricaturas
vulgares. Emmérico Nunes, dois ou três trabalhinhos de pouco estofo. Sanches de
Castro não faz humorismo; creio que se está a divertir com o público. Enfim: é
um processo de viver alegremente a vida. Menezes Ferreira tem uns bonecos
engraçados; Eduardo Faria, idem; Santos Silva, idem, idem … e por aí além numa critica acérrima aos
trabalhos. Pede desculpa por estar a penalizar os artistas, mas é em defesa
desta arte, porque o nome do
"Humorismo", apesar de envolver uma ideia de alegria espiritual, não
se deve prestar a traço, a ridículos. É amesquinhar a arte ligeira portuguesa.
O nosso maior desejo é que este «fandango» não tenha repetição, e que
os artistas portugueses, senhores de graça e do espírito moderno, de todas as
classes, tendências, processos e actividades promovam rapidamente uma exposição
digna dos seus títulos.
Em relação à imprensa
humorística, esta ia existindo, pelo menos tentava existir, e este ano sai mais
um denominado "Risota", que
apresenta o seu projecto com as seguintes palavras: Rir, caríssimos leitores, é ainda dos prazeres mais baratos neste tempo
de vida cara. Mas, apesar dessa baratesa toda, quantas vezes o riso tem um
valor tão grande que todo o ouro do mundo, junto, jamais pode igualar !… Sim,
quantas vezes sucede um riso evitar uma lágrima, uma alegria esconder uma
tristeza !
E' isto bem frequente na nossa vida íntima.
*****
Mas não será com esse riso que A Risota quer rir. A Risota quer rir
muito, mas de mofa, de toda esta paródia republicana !
Dentro desta pagodeira há muito que levar para a chacota, há muito de
que troçar ! Bastaria a Feira de S. Bento para nos dar assunto !
Porém, como todos nos merecem o mesmo, a todos prometemos o nosso
humor, não esquecendo sequer esse ventríloquo, que lá de longe move os
cordelinhos de todos estes bonecos de barro que brincam comnosco !
Contamos já com a violência para nos fazer calar !
Porém. à cobardia de uma extorsão (porque eles são capazes de tudo)
saberemos responder com todo o nosso aprumo, servido pela nossa voz, que não
haverá mordaça que a faça enrouquecer sequer, porque ela há-de ouvir-se sempre
clara e altiva por qualquer forma.
Daqui o prometemos a todos os Antoninhos Marias, a todos os estadistas
de via-reduzida, a rodos os batoteiros políticos que pretendem levar o país à glória!
Vai, pois caríssimos leitores, levantar o pano, para… os primeiros
risos…
De boas intenções está o
humor cheio, e os últimos a rir, que são os políticos, e homens cinzentos das
administrações, riem sempre melhor sobre as falências, sobre os destroços dos
ingénuos. Naturalmente "A Risota" não sobreviveu muito tempo, o mesmo
acontecendo à nova versão de "A Corja", ao "Cócorócó", ao
"Porto Por um Canudo", ao "Ki-Ki-Ri-Ki" um jornal que nasce
em Angola, e depois surge como publicado em Lisboa, para logo desaparecer.
A imprensa nas colónias é
muito difícil de se consultar, e também não está estudada. Do pouco que sei,
acho que jornais humorísticos foram raridades naquelas paragens, e os outros
utilizaram por vezes reproduções de desenhos da Metrópole, ou trabalhos de
artistas locais de fraca qualidade.
Artistas que despontam nesta
época são Eduardo Faria e Roberto Nobre. O caso mais interessante deles é que
serão dos raros humoristas "engagé". Não quer dizer que os outros não
tivessem consciência política e social, só que estes, por vezes com vida dupla,
vão trabalhar não só na imprensa geral, como nos jornais partidários do
anarco-sindicalismo, e comunismo, por vezes na clandestinidade. O primeiro,
inclusive criando uma imagem de boémio, e bêbado conseguirá ludibriar a policia
política e manter uma actividade clandestina. Dos dois, Roberto Nobre é o que
tem melhor qualidade estética.
Natural de S. Bráz de
Alportel (27/3/1903), José Roberto Dias Nobre foi jornalista, crítico de
Cinema, humorista e ilustrador, com obra publicada em "A Época", Alma
Nova", "A Batalha", "Civilização, "Sempre Fixe"
"O Diabo"…
O "ABC" de
"11/9/1925 fala-nos do "Triunfo de Roberto Nobre" - Roberto Nobre, ganhando o primeiro premio
no concurso de desenhos aberto pelo Bristol, teve um dos mais belos triunfos
que os meios artísticos nos últimos anos teem registado.
Novo, talvez mesmo o mais novo da nova geração, Roberto Nobre venceu
rapidamente - e o seu triunfo de agora pelas circunstancias em que se deu, é um
triunfo de novela, um triunfo para biografia.
Há três anos Roberto Nobre apareceu pela primeira vez em Lisboa,
trazendo alguns desenhos bizarros, estranhos, modernistas.
Realizou então uma exposição com D. Isaura Cavalheiro e foi aplaudido.
Mas no ano seguinte, Roberto voltava e desta
vez alguns críticos, numa incompreensível mudança de opinião,
negavam-lhe o valor que no ano anterior lhe haviam concedido. Com ele ficaram
apenas os que tinham uma fé absoluta no seu talento e na arte moderna de que
ele era um soberbo interprete.
Magoado com a injustiça de que tinha sido vitima, Roberto Nobre
exilou-se na província e seu nome foi olvidado.
Alguns amigos, porem, insistiram
pelo seu regresso a Lisboa, insistiram tanto, que há dois meses Roberto
resolveu atende-los. Algumas portas se lhe abriram e entre elas a do A B C, a
quem todos os que principiam e teem talento, merecem a maior estima. Outras,
porem, se lhe fecharam, inexoravelmente. E, é neste momento de indecisão que o
jovem artista concorre ao concurso do Bristol. Não havia que hesitar: entre os
desenhos apresentados, o de Nobre destacava-se duma maneira tal, que não
permitia duvidas sobre o artista a quem devia ser concedido o premio
E Nobre foi premiado.
E o seu nome é hoje o nome de um triunfador - um triunfador que chegou
e venceu.