Friday, February 07, 2020
Cartoonista Vasco Gargalo alvo de ameaças e críticas por cartoon sobre Israel
O
cartoonista português Vasco Gargalo disse hoje à agência Lusa ter recebido
ameaças de morte, além de acusações de antissemitismo, por causa de um cartoon
publicado em novembro, e sublinhou que continuará a lutar pela liberdade de
expressão.
"É
mais um sinal de que a comunidade judaica não pode ser criticada. Cada vez que
isso acontece [é-se] logo acusado de antissemita. É uma perseguição para
aniquilar o meu trabalho", lamentou o cartoonista.
Em causa
está um cartoon, intitulado "Crematório", que Vasco Gargalo publicou
‘online’, na plataforma Cartoon Movement a 15 de novembro de 2019 e que
republicou na semana passada, num comentário ao plano de paz para o
Médio-Oriente apresentado pelos Estados Unidos.
O
cartoon, que faz uma alusão ao Holocausto, mostra o primeiro-ministro de
Israel, Benjamin Netanyahu, a empurrar um caixão, coberto com a bandeira
palestiniana, para um crematório onde está inscrito "Arbeit Macht
Frei" (“O trabalho liberta”), replicando a frase que está na entrada do
campo de concentração nazi de Auschwitz.
"É
a minha visão sobre este ataque. Quando fiz o cartoon sabia que era forte, que
ia tocar na questão das vítimas do Holocausto, mas na verdade não acrescento
nada ao que vejo. É uma comparação que fiz do conflito israelo-palestiniano",
disse Vasco Gargalo.
O
cartoonista fala em ameaças de morte e injúrias, de pessoas da comunidade
judaica em Portugal e no estrangeiro, de uma "enorme pressão sobre os
media".
O
embaixador de Israel em Portugal, Raphael Gamzou, acusou hoje o cartoonista
português Vasco Gargalo de ter feito um cartoon "atascado de ódio e
banalização" do Holocausto e apelou à revista Sábado para que se
desvincule do autor.
Numa
carta dirigida hoje à direção da revista Sábado, e enviada à agência Lusa, o
embaixador deixa duras críticas ao cartoonista Vasco Gargalo por ter feito um
cartoon que compara, simbolicamente, o conflito israelo-palestiniano ao
Holocausto.
Referindo
o "fedor pestilento dos cartoons antissemitas" de Vasco Gargalo, o
diplomata israelita sublinha que, se a obra do cartoonista fosse convertida em
texto, seria um "artigo despudoradamente antissemita que banaliza aquela
que foi a maior tragédia da História da Humanidade, através da utilização de
todos os estereótipos que promovem o ódio aos judeus".
Em causa
está um cartoon, intitulado "Crematório", que Vasco Gargalo publicou
‘online’, na plataforma Cartoon Movement a 15 de novembro de 2019, e que
republicou na semana passada, num comentário ao plano de paz para o
Médio-Oriente apresentado pelos Estados Unidos.
O
cartoon mostra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a empurrar um
caixão, coberto com a bandeira palestiniana, para um crematório onde está
inscrito "Arbeit Macht Frei" (“O trabalho liberta”), replicando a
frase que está na entrada do campo de concentração nazi de Auschwitz.
Em defesa do judeu Vasco
Gargalo por Nuno Saraiva
Em 2009, muito antes daquele
incompreensível massacre, Philippe Val então diretor do jornal satírico CHARLIE
HEBDO demitiu o cartunista Siné sobre a acusação de
anti-semitismo. SINÉ recusava pedir desculpas a Jean Sarkozy - filho mais velho
do presidente francês, por ter escrito uma crónica parodiando a possibilidade,
afinal nunca concretizada, do jovem se converter ao judaísmo por casamento e
por sucesso social. Naquela altura nem todos eram CHARLIE mas mesmo assim o
Siné desempregado contou com muita solidariedade dos seus colegas cartunistas.
Sinto que é meu
dever e obrigação DEFENDER aqui o meu colega e amigo Vasco Gargalo, judeu. Judeu como eu e como
milhares de portugueses. Nós, os nascidos em Portugal, aqueles que lhe conhecem
as suas fundações, sabem que muito antes de sermos CHARLIE somos Judeu e também
Bérbere, entre outros povos migrantes que ao longo dos séculos aqui habitaram,
procriaram e se fixaram.
Incomodou muita
gente o cartune "CREMATÓRIO", obra não encomendada por editor ou
jornal e que foi por exclusiva opção do próprio publicada online na plataforma
Cartoon Movement.
Organizações
internacionais, políticos e diplomatas surgem em uníssono a exigir castigos,
pedidos de desculpas, demissões. Em nome da ofensa às vítimas do Holocausto,
consideram-se no direito inabalável de condenar cartunes, até os de mau-gosto
(Benjamin Netanyahu nunca ficará bem num desenho humorístico).
Os mesmos que nunca
se reverão nos judeus livre-pensadores como George Steiner ou Hannah Arendt.
STEINER, que faleceu há 3 dias atrás, dizia sobre Israel "ser um triste
milagre”, cujo preço a pagar era "o seu nacionalismo militarista",
que vai "inevitavelmente - matar e torturar para sobreviver”.
É esta Israel que o
Vasco Gargalo, o judeu, desenhou. Não para nos ofender mas para nos alertar.----
Não posso deixar de
focar aqui um intimo livre-pensamento (porque é o Livre-Pensamento que aqui
defendo). Há um bom punhado de anos visitei, na companhia do meu grande amigo e
ilustrador Fernando Martins,
o campo de extermínio nazi Natzweiler-Struthof, na Alsácia. Vimos o horror numa
câmara de gás. Estivemos junto a um forno crematório semelhante ao deste
cartune. A lágrimas e desconforto que trago dessas memórias não me deixam
retratar aquele cenário. Não consigo. É mais forte do que eu.
E sim: mais forte
que o HUMOR.
Mas isso sou eu - o
judeu - e o meu Livre-pensamento magoado.