Tuesday, December 31, 2019
Artigo: Com religião não se brinca por Fabio Porchat
O ator, humorista e roteirista Fabio Porchat Foto:
Agência O Globo
Se você concorda com o título desse
artigo, ele é pra você. Sinto lhe informar, mas com religião se brinca sim. Com
qualquer uma. Se brinca com religião, com futebol, com política, com a minha mãe,
com o Detran, com o que você quiser. Isso não sou eu que estou dizendo, é a
Constituição brasileira. A “lei de Deus” não existe para o nosso país. Ela
existe para o indivíduo. Com religião VOCÊ não brinca e eu respeito isso. Mas a
sua lei pessoal não pode valer pra mim, pra minha mãe, pro Detran... Como você
leva a sua vida é problema seu; como eu levo a minha, meu. Até porque o que é
sagrado pra você, não é pra mim e vice e versa. Sátiras são fundamentais para
que uma sociedade democrática (como, por acaso, ainda é o Brasil) possa rir de
si mesma. Ah, Fabio, mas, se eu fizer uma piada com a sua família, dizendo que
eles são todos uns imbecis e babacas, você vai gostar? Não, não vou. Mas você
pode fazer.
Liberdade de expressão é uma coisa
“nova” para nós, brasileiros, e, portanto, estamos ainda aprendendo a lidar com
ela. Liberdade de expressão não existe só pra você. Ela é pra quem pensa o
oposto de você também. Você tem o direito de não gostar, de se ofender, de
buscar na Justiça algum tipo de resposta. Claro, não se pode ir contra a lei. A
do país, só pra esclarecer mais uma vez.
Satirizar a Bíblia, olhe só, não é
contra a lei. Chutar a Nossa Senhora é contra a lei. Depredar centros de
Umbanda é contra a lei. Dizer que você tem que parar de tomar remédio e só quem
cura é Deus é contra a lei. Jogar coquetel-molotov em uma produtora porque não
gostou do que ela produziu é contra a lei. E, veja, brincar com a imagem de
Deus não é intolerância. Intolerância é não querer deixar que brinquem. Impedir
alguém de professar a sua fé, de acreditar no que quiser acreditar — porque
existem várias religiões, sabia? —, de demonstrar a sua fé, isso é
intolerância.
Eu, particularmente, não acredito em
nada, mas acho Jesus um cara ótimo. Do bem, pregando o amor, nos fazendo pensar
no próximo... Gosto muito de Buda, também. Se tivesse uma eleição da melhor
entidade, eu cravava meu voto em Iansã. Acho linda a ideia de podermos
acreditar em diferentes seres, lendas e divindades e levar uma vida melhor por
conta disso, fique à vontade. Mas eu escolho acreditar no que eu quiser e ter a
opinião que eu quiser sobre a sua divindade. Não me venha dizer “NÃO PODE”.
Pode e, pro seu bem, tem que poder. Porque hoje não pode isso. E o que será que
não poderá amanhã?
Mas vale a reflexão: o Porta dos Fundos
fez Especial de Natal em 2013, 14, 15, 16, 17, 18 e nunca houve nenhuma reação
violenta direta. Por que será que, em 2019, algumas pessoas se sentiram à
vontade para atirar coquetéis-molotovs na nossa porta? O que mudou neste ano
especialmente para que pessoas tivessem essa audácia justamente agora? Eu tenho
um palpite. E você?
Sabe quando na infância a criança
acende uma bombinha e joga no bueiro pra ver sair dali barata? O Especial de
Natal do Porta dos Fundos é essa bomba, só que desse bueiro saíram baratas,
ratos e monstros. E me orgulho de fazer parte de um núcleo criador que
escancara nossa podridão. E, se você foi um dos que comemoraram as explosões,
ou concordou com elas, ou as justificou de alguma forma, sinto dizer, talvez
você seja uma das baratas, dos ratos ou pior, um dos monstros. Viva o humor!
Viva a liberdade de expressão! Viva a tolerância! E, por que não, viva Jesus!
* Fabio Porchat é ator, humorista e
roteirista