Saturday, May 18, 2019

História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1918 por Osvaldo Macedo de Sousa


1918

A 28 de Abril, em eleições onde apenas Sidónio é candidato, impõe-se como Presidente da República. Os partidos da "República Velha" também não concorrem à Assembleia da "República Nova", assumindo a maioria absoluta o partido sidonista "Partido Nacional Republicano".
Esta ditadura cheia de equívocos, pensa redimir o Zé e a República dos erros do passado - Padre Sidónio - à esquerda - Confessas que foste estúpido em apoiar a Demagogia que era a desgraça da nossa terra e a vergonha da nossa cara?
Zé - Confesso e estou muito arrependido !
Padre sidónio - Estás perdoado.
Padre Machado (dos Santos) (à direita) - A menina confessa que foi uma grande doida em dispensar o seu amor a semelhante gente que a envergonhava ?
A República - Confesso que estou arrependida ! (Silva Monteiro in Os Ridículos de 1918). Só que o arrependimento também se estenderá por este período. Este ano sidonista ficará conhecido por um período de terror, de perseguições aos seus opositores, o que levará a sucessivas tentativas de o assassinaram, o que acaba por acontecer a 14 de Dezembro de 1918. De imediato será eleito Canto e Castro para a Presidência.
Esta repressão resultará, no âmbito caricatural, num interessante jornal policopiado, que se chamou "A Velha", em nome da Velha República:
A Velha, Órgão oficial do reviralho. Jornal humorístico, anti-trauliteiro, multi-alegro e anti-caxapinico. Combate os cobardes, os trauliteiros, os germanófilos e todos os Cameiras da pulhice nacional. Publica-se sem as licenças da Ordem. Direcção da malta presidiária. Propriedade da empresa da “Velha”. Correspondentes em todos os antros da purria demagógica.
Endereço telegráfico: “Por minha Dama”
Aparece hoje o 1º número do nosso jornal destinado exclusivamente às victimas da tirania dezembrista, mas nada poderá impedir que ele vá ter às mãos dos nossos amigos e dos amigos dos nossos amigos, porque, pela lógica, nossos amigos são… Se assim acontecer, amigo dos meus amigos, lê e faz circular para que todos reparem que dentro das masmorras continua a nossa propaganda e que nada é capaz de destruir esta Fé que nos anima a esta bela disposição de espírito com que vamos passando as horas do captiveiro.
A “Velha” é órgão essencialmente humorístico e, desculpa leitor amigo, se de quando em vez falarmos a sério em qualquer assumpto. Queremos combater a rir. Tomar a sério a cambada que em 5 de Dezembro assaltou o poder, seria ligar importância demasiada a quem moralmente tem um valor negativo. A imprensa…. livre está algemada pela censura policial. O nosso jornal, sendo um jornal de presos, tem a faculdade de dizer o que muito bem lhe apetece. /…/ A redacção da “Velha” saúda e abraça todos os companheiros de cárcere e certa de que a República será restaurada em Portugal, grita do fundo da alma: Viva a República Velha !!!
Criado, desenhado e escrito por Luíz Filipe, o modernista de Coimbra, que já vive em Monção, e que é entretanto mobilizado. Sendo de ideias contra o sidonismo, será encarcerado, sem contudo terem alguma vez provado pertencer a alguma conjura anti-sidonista. Este jornal é interessante, por ter sido restrito (já que só tinha circulação no presídio militar), e por ter as últimas obras de cunho político deste grande artista, que a partir daqui se fechará no seu Minho, desligando-se das correntes de vanguarda, desligando-se da política, para apenas a sua pena se debruçar sobre os costumes regionais, e as fácies da sociedade local.
Em relação à morte do Presidente, todos respeitarão o momento, mesmo aqueles que eram contra, e naturalmente não existem caricaturas sobre o assunto, apenas ilustrações do enterro e recriações do momento do assassinato. Por simples curiosidade, transcrevemos aqui as palavras que Leal da Câmara escreveu, em carta à sua mãe (do Porto 21/12/1918): A nossa gente portuguesa não acaba a convencer-se de que é preciso ter juízo e não é assassinando que se resolvem problemas de liberdade.
Enfim eles  lá sabem e eu, que não tenho nada que ver com políticas, só me aborrece o sentir que  é Portugal quem paga as tolices de certos portugueses que não vêem, e que mesmo desconhecem o perigo internacional sobre o qual andamos a brincar um pouco tragicamente. /…/ A mim, faz-me pena - apesar de não ser sidonista - mas, porque me parecia um homem de boa vontade e activo"
Este ano será marcante negativamente no modernismo, já que dois dos seus principais artistas desaparecerão: morre Amadeo de Sousa Cardoso com a pneumónica, e Santa-Rita Pintor suicida-se.
Artista que marcou estes anos dez, não pelo modernismo irreverente, mas como figura dominante de um jornal clássico do Humorismo - "Os Ridículos", é Silva Monteiro. Artista com um traço simpático, de linearidade humorística com um bom acompanhamento do dia da sociedade política de então, este artista deixa-nos registada, como poucos, a história destes anos conturbados. Domina bem o lápis, como o humor, o que nos faz pensar que não será um autodidacta, contudo, e estranhamente nada se sabe da sua biografia.
Este é mais uma das bizarrias desta história de jornalismos e arte. Figura de relevo jornalístico durante muito tempo, sendo o autor das capas do jornal que conseguiu sobreviver durante todos estes anos (apenas os Suplementos de "O Século" tiveram história paralela, mas tendo que por vezes de mudar de formato, de inserção noutras publicações, ou de título), aparece e desaparece sem nos deixar testemunhos da sua vida. Não sabemos (por agora), como era o resto do seu nome, onde nasceu e quando morreu. Pertenceu ao núcleo fundador da Sociedade dos Humoristas Portugueses. Encontramos obra sua em os "Ridículos" desde 1910 até 1920 (7/7) quando encontramos uma nota da redacção lamentando a sua saída, por falta de meios económicos para pagar a continuação da sua colaboração. Colaborou também no "Papagaio Real" (1914), no "Diário de Lisboa" (anos 20), em "A Época" (1921), "A Voz"…
Mais dois artistas que se destacam neste período, são João Saavedra Machado e Hipólito Collomb.
João Saavedra Machado (1889/1950) dedicaria toda a sua vida ao desenho (estudou com Condeixa, Luciano Freire, Nunes Júnior e Henrique Vilhena), tanto como desenhador conservador do Museu Etnográfico de Belém (desde 1913), como enquanto preparador-desenhador do Museu de Anatomia da Faculdade de Medicina (1920-45), tinha na caricatura e humor o escape irreverente do pensamento à monotonia científica.
Os seus primeiros trabalhos humorísticos surgem em 1906 em "A Paródia" e "Semana Ilustrada", prosseguindo com colaborações dispersas um pouco por todos os jornais.
De Hipólito Collomb (1892/1947), encontramos os seus primeiros trabalhos em "Os Ridículos" em 1908, e entre 1910 e 1918 vamos encontrar trabalhos seus nos jornais de "O Século". Colaborou também na "Sátira", no "Novidades" onde encontramos os seus melhores trabalhos, com um cunho modernista, irreverente, confundindo-se alguns deles com o traço de Almada, com a obra de Christiano Cruz… Não sabemos se por convicção, se por pastiche, já que o seu traço dominante será académico. Em 1914, respondendo a um inquérito ao jornal "A República", dirá: Qual é o primordial objecto da caricatura ? Corrigir, reformar.
A política é o maior e mais perigoso mal dos que enfermam a sociedade portuguesa
Logicamente, portanto, a questão representa um silogismo. A política é prejudicial. A Caricatura corrige-a. Logo deve fazer-se a caricatura política.
A Caricatura é, pois, um corolário da política. Vá lá até o gracejo, com ar de paradoxo: Porque «a política é a arte de corrigir os povos», a política e a caricatura são artes correlativas.
Neste ano de 1918 emigra para o Brasil.
Artista que se destaca pela ausência é Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro. Sem o apoio do pai, consegue manter com alguma dificuldade o jornal "A Paródia" de 1905 a 1908, e desde aí o desenho satírico vai desaparecendo da sua vida. Dedicado à cerâmica, e principalmente ao ensino, fará de tempos a tempos umas ilustrações, mas sem o impacto e qualidade da obra da sua juventude. Uma carta de 22 de Junho de 1917 para Leal da Câmara demonstra o seu estado de espírito: A respeito da minha collaboração na exposição d'assumpto de guerra, muito contrariado venho dizer-lhe que não posso concorrer porque não tenho nada feito n'esse sentido.
V. não imagina a minha vida agora. Levanto-me às 7 1/2 da manhã para dar aulas, em santos na escola Industrial Benevides e isto morando na Avenida Miguel Bombarda ABC que é como quem diz no fim do mundo, isto é a S. Sebastião da Pedreira. Passo a vida d' eléctrico meio adormecido e completamente burro, sem coragem para mais alem do trabalho da Escola, que é bastante fatigante, porque me metti a organizar uma officina de cerâmica que me tem dado agua pela barba.
V. sabe o que é luctar contra a rotina burocrática e querer a gente fazer coisa nova…
Uma massada !
Na próxima semana, conto acabar os meus exames da escola e depois ferro commigo nas Caldas, aonde então posso trabalhar mais à vontade na minha cerâmica.


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