Saturday, May 18, 2019

História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1917 por Osvaldo Macedo de Sousa


1917

De todas as formas o modernismo prosseguia os seus diversos caminhos, que em Lisboa passavam todos pelo Chiado. Em 1963 Jorge Barradas recorda esses tempos no Diário de Lisboa de 5/12: Na Brasileira do Chiado por um imperativo, ia a dizer histórico, surgiu e criou vulto um grupo de moços atrevidotes e aguerridos, dispostos com coragem a dar e a levar. Levámos mais do que demos. Todavia o pouco que demos foi mais do que levamos, foi a maior dádiva feito do que a recompensa recolhida. Creio que o tempo confirmou o que afirmei. Almada, Christiano Cruz, António Soares, Stuart Carvalhais, Rui Coelho, Vitor Falcão, Mário de Sá Carneiro, Luís de Montalvor, Fernando Pessoa, Eduardo Viana, constituíam a tropa de assalto e outros mais, que embora dotados, não se distinguiram no combate.
Só muito poucos sabem quem foi Christiano Cruz. /…/ Era seco e direito quanto uma espada; como a figura era o seu carácter. Na boca, de lábios finos, pairava constante um jeito irónico, mordaz, os olhos de míope sob os vidros de umas lunetas eram cerrados, severos e perscrutadores.
Tinham os seus desenhos muito de si próprio: como ele, eram severos e sólidos. Os desenhos e legendas que inventava era por vezes lapidares, incisivos e castigadores como punhos de «boxeur» /…/.
Almada era de todos nós o mais desconcertante, nos gestos, nas atitudes, assim como no falar. Os olhos egípcios, imensos, eram janelas profusamente iluminadas. Tinha, quando andava, os meneios de um bailarino de classe. Trajava com elegância, com bom gosto, e, quando alcança umas pratas gordas, o que é raro, dissipava-as com generosidade e indiferença. Algumas vezes julgo tê-lo visto encostado a uma esquina, na atitude de quem desafia o mundo e os homens para um duelo singular e sem tréguas, figura de D. Quixote, mas sem espada e sem Espanha.
Resta-me falar de António Soares.
Foi em 1912 que o poeta Eduardo Metzner, anarquista notório e tuberculoso declarado, nos uniu num aperto de mãos. Foi comunicação e foi contrato de amizade. temos a mesma idade, tivemos igual culto por tudo o que é Belo, por tudo o que é Melhor. Tenho bem presente ainda o que ele era então: de uma cabeleira farta e negra surgia um rosto anguloso, branco de alvaiade, a lembrar um Pierrot. Eram comedidos os gestos, eram serenas e pausadas as palavras, mas sob esta aparência de calma, tranquilidade, percebia-se que não era tão tranquilo quanto parecia. Acontecia que no seu cérebro levantavam-se em turbilhão anseios e duvidas, interrogações sem resposta. sonhos e desejos impossíveis, que ao depois a realidade destruía sem piedade, por ser mais forte. Esgotava os nervos em tentativas que se malogravam, saía delas vencido mas animoso, muitas vezes juntos acabávamos gargalhando perdidamente como loucos…
Divididos geograficamente, primeiro em Coimbra depois entre Lisboa e Porto, mas sempre com a mente em Paris, os jovens artistas procuravam novos caminhos, procuravam ir mais além dos Velhos Mestres Académicos que reinavam, e dominavam as instituições. Se o Porto ia-se impondo na ruptura, como principal montra de novidades, com os seus Salões de Modernistas, de Fantasistas, ou exposições individuais de pintura, Lisboa impor-se-á pela cenografia, pela irreverência de alguns dos actores da Modernidade. Os primeiros papeis serão entregues a Almada Negreiros, e a Santa-Rita Pintor, já que os dois, só pela sua presença nas ruas do Chiado, à porta da Brasileira eram o suficiente para escandalizarem os "botas de elástico". Paralelamente, a literatura procurava acompanhar a ruptura estética desenvolvida pelas artes gráficas, e também neste campo Almada terá um lugar de destaque. Este fará conferências Futuristas, lançara Manifestos, publicará revistas, onde o "Orpheu" terá um espaço especial…
Amadeo de Sousa-Cardoso, que já tinha abandonado a caricatura para apenas se dedicar à pintura, não sendo um actor de ribalta de café, preferindo o trabalho de bastidores, acabará por ser a figura principal do modernismo. Para isso bastou-lhe apenas uma exposição (no Porto em Novembro, e em Lisboa em Dezembro de 16), transformando-se no grande acontecimento-escandalo da irreverência plástica.
Entretanto os Modernistas-Humoristas procuravam manter-se na vanguarda, contudo nem sempre as ousadias eram bem aceites pelos editores, e pelo público, optando uns por academisar o seu traço e humor, optando outros por se dedicarem mais à pintura. Ainda em 1916, com fim em 17, surgiu mais um periódico que apostará nos jovens modernistas. É o jornal "Ideia Nacional", um jornal da direita integralista que pedirá colaboração a Pacheko, Stuart, Soares, Almada, Barradas…
Um caso curioso deste percurso de irreverência estética é Leal da Câmara. Este após um regresso infrutífero a Paris, mantêm-se no Porto, e aqui organiza mais uma exposição modernisto-humorista, sob a designação de “Arte e Guerra”, na Societé Amicale Franco-Portuguaise. Este artista sentia-se muito marcado com esta desgraça humana.
Mantêm a sua campanha de conferências pelo país, onde a sua fama era reconhecida, e as suas palavras bebidas com interesse, como relata o jornal "Imparcial do Marco" (2/1/1916), do Marco de Canavezes que assim anuncia a vindo do artista: …felicitando-nos por esta tão distinta honra com que Leal da Câmara nos distingue, nós felicitamos também os habitantes deste concelho por poderem escutar  palavra culta e fluente do glorioso artista.
O texto do catálogo da sua exposição de 1916 (16 a 28 de Dezembro), no Hall do Olímpia no Porto, escrito pelo próprio artista, dá-nos um retrato da sua postura do momento, perante as artes em Portugal, e a evolução da caricatura: O mal de muitos artistas modernos consiste em não explicar a causa subjectiva e o objectivo das suas obras.
Não é que eu julgue indispensável pôr o público ao corrente do trabalho elaborativo da concepção porque isso seria imodesto e vaidoso, mas parece-me conveniente dar explicações sob o ponto de vista mais preciso da finalidade.
Talvez que assim se evitassem interrogações profundas na alma dos que instintivamente sentem e amam a arte e evitar-se-ia também o errado caminho pelo qual segue o sentimento e o raciocínio d' aqueles que desejam sinceramente compreender as novas teorias estéticas que os seus adeptos não explicam senão com o silêncio ou com vagas definições.
Quando há uns seis anos voltei a Portugal, depois de ter estado catorze no exílio, o público de Lisboa recebeu-me com simpatia mas também com a curiosidade com que é costume receber-se um actor estrangeiro como o Guiltry ou o não menos estrangeiro hipopótamo do jardim zoológico.
Os jornais enviaram os seus hábeis repórteres para averiguarem se eu era ainda feito da mesma carne e osso de que são feitos os portuguezinhos valentes, e o 'Século' mandou um jornalista que me perguntou de chofre: «Se V. Exª por acaso, tivesse de viver em Portugal, continuaria a fazer caricaturas políticas, como na "Marselheza" e na "Corja" ?»
Lembro-me que respondi imediatamente que não faria caricaturas políticas, mas, como o jornalista perguntasse o que faria caso esse facto se produzisse, eu terminei por dizer que faria tudo, menos caricaturas políticas.
As circunstâncias fizeram com que eu ficasse por Portugal lutando pela vida com este métier de artista e constato hoje com certo prazer que, decorridos seis anos, a minha afirmação primeira, subsistiu.
De resto, a caricatura política, deixou de interessar os artistas e o público em geral, a não ser que se produza uma revoluçãozita que nos distraía da nossa pasmaceira costumada.
Já não estamos nos tempos em que o grande Rafael Bordalo brincava com o Fontes e com o Arrobas.
Os políticos de então eram verdadeiros símbolos. Ninguém os conhecia pessoalmente. Tinham um pouco a aura do palácio real e o prestígio decorativo das fardas bordadas, do chapéu armado e dos espadins doirados.
Hoje, os tempos são outros. Os maiores políticos, são-nos familiares. Nós sabemos onde eles moram e como se chamam as pessoas da sua família.
O próprio público os conhece sem que seja necessário dizer pomposamente o nome todo.
Quando se fala no Afonso, no Bernardino, no Duarte, no Paulo, no Elísio ou no Alexandre, já sabemos de quem se trata e, se ao Chagas se lhe não chama simplesmente «O João», é porque ele está lá para longe, em Paris.
Esta familiaridade perturbou os caricaturistas impedindo-os de se meterem com pessoas das relações.
Os caricaturistas serão irreverentes mas não são malcriados e por isso evitam o explorar a caricatura politiqueira que cheira a Terreiro do Paço, como certos janotas fedem ao anacrónico Corilopsis do Japão.
De resto, o verdadeiro caricaturista moderno integrou-se na pintura, na escultura e nas suas respectivas fórmulas e aproximou-se da literatura com a qual já tinham um certo parentesco.
Deste amálgama resultaram temperamentos diversos que enveredaram, quasi todos, pelo caminho das artes decorativas.
A Arte, considerada como utilidade social, absorveu a actividade dos novos artistas.
Já disse Anatole France que a decadência da arte oficial é consequência do isolamento em que se quer conservar das utilidades modernas.
O caricaturista com a agilidade de concepção e de sentimento que o caracteriza poz-se na vanguarda do movimento e assim vemos em todos os países, a renovação da arte industrial, consequente do seu esforço.
Isto explica um pouco a razão de eu ter feito há seis anos a esta parte, exposições de cartazes, de ilustrações para livros, de mobílias, etc. ..
Se uns lutavam pela ruptura estético teórica, outros, como Leal da Câmara, e como acabarão por evoluir todos aqueles que se iniciaram no modernismo pela humor de imprensa, optam por uma involução às origens da arte, regresso à síntese primária da utilização social da criação artística, não ao serviço do criador, mas da sociedade.
A Sociedade estava doente, e consequentemente a própria imprensa sofria com esse estar social, com as dificuldades de se encontrar papel, tinta, dinheiro, com as dificuldades de se sobreviver.
A 5 de Março morre Manuel de Arriaga, o primeiro Presidente  constitucional da Republica.
A 13 de Maio iniciam-se as ditas aparições de Nª Sr.ª a três jovens pastores na Cova da Iria (Fátima.)
A 5 de Dezembro, os cadetes da Escola de Guerra, e algumas unidades revoltam-se tendo à sua frente o Major Sidónio Paes, um germanófilo, que se opôs à nossa entrada na guerra ao lados dos aliados. Implementa a Ditadura Militar, revê a constituição criando um sistema Presidencialista, procurando alterar muitos dos decretos republicanos, alterando toda a estrutura orgânica do país, recuperando muitas das formulas da monarquia, e procurando atrair para as suas fileiras todas essas camadas sociais, como o clero, a nobreza…

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