Tuesday, February 05, 2019
História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1915 por Osvaldo Macedo de Sousa
1915
Não tenho conhecimento de
outras actividades da dita Sociedade dos Humoristas, para além dos Salões. As
conferências e saraus que o Grupo dizia ter em mente, assim como o jornal, a
Biblioteca, o Museu não passaram do papel. A intenção de agremiar os rebeldes, e indomáveis humoristas,
bohemios e vagabundos, despreocupados do dia seguinte, naturalmente não
resultou, apesar de terem tentado.
Houve meia dúzia de
interessados, mas a falta de mentalidade de agremiação, de espírito de grupo
profissional, aliada à falta de colaboração, participação dos artistas,
divisões internas entre os modernistas e a velha guarda, devem ter sido o
motivo do fracasso e desaparecimento da Sociedade dos Humoristas. Na realidade
não sabemos quando é que a Sociedade se desfez, se chegou a haver uma resolução
para dissolução do grupo. Temos uma total ignorância sobre este organismo, já
que mesmo sobre os salões, as informações existentes não vem da dita Direcção
da Sociedade, mas de elementos paralelos, como Christiano Cruz.
Não sabemos se houve uma
resolução de acabar com a sociedade, já que o que vai acontecer parece ser uma
em hibernação (pelo menos Cardoso Martha manter-se-à toda a vida no seu posto
de Secretário...), que de tempos a tempos foi despertada por um ou mais
humoristas, como em 1920 para a realização do III Salão dos Humoristas de
Lisboa, em 1924... O que sabemos é que cada um continuou a sua vida, cada um
procurou tirar o melhor proveito do seu sucesso, e vender o mais que pudesse
para sobreviver.
Não há Salão dos Humoristas
em Lisboa em 14, nem em 15... Contudo uma das intenções do Grupo era a
realização de um Salão no Porto, e isso aconteceu em 1915. Poder-se-ia pensar
que era a concretização do anunciado por Christiano Cruz, como uma das metas de
uma Sociedade de Humoristas dita Portuguesa, que até agora se tinha cingido a
Lisboa, contudo isso não é verdade. O que aconteceu no Porto, foi uma
iniciativa particular de Nuno Simões, Aarão de Lacerda, Diogo de Macedo e João
Lebre e Lima, homens da cultura (só um era artista plástico), interessados na
promoção cultural da cidade.
O "Diário da Tarde"
(de 26/5/1915) comenta desta forma a organização desta exposição: Realizar uma exposição de humoristas, n' um
tempo como este que corre é empreza pelo menos arriscada em demasia para os
hombros d'um só homem. Mas no Porto, a Invicta
como soe chamar-se lá p'rás bandas da bondosa terra da tripa e do melhor
bacalhau que até hoje me tem sido dado comer - dizia-se pelo Internacional
e no passeio das Cardósas, dizia-se,
portanto, em toda a parte - que era impossível.
Foi n' isto que o dr. Nuno Simões - o chronista refinado das elegancias
modernistas - se mostrou um homem de pulso, que de talento já sabíamos que era.
Assim foi que, juntando-se ao poeta Lebre e Lima e ao escultor Diogo de
Macedo, deu à luz - sem que precisas fossem as nove luas de gestação - o
certâmen que há quatro dias alegra, n' um riso chic, o engommado salão de festas do jardim Passos Manuel.
/…/ O salão dos humoristas, no Porto, honra, sobremaneira quem o
organizou e, muito, os artistas que a elle concorrem.
Inaugurou a 3 de Maio no
Salão do Jardim Passos Manuel a “Exposição de Humoristas e Modernistas”.
Segundo os organizadores tinha como suporte a “ideia de reunir vários trabalhos de modernistas para que o grande
público pudesse conhecer e interessar-se por este delicada arte modernas, toda
de requintes de graça e de capricho” (in Primeiro de Janeiro de 6/5/1915).
Nesta iniciativa assumia-se
frontalmente a preferência pelos modernistas, e não se restringia nem ao
humorismo, nem aos artistas locais. Procurou-se a participação de todos aqueles
que se mostravam irreverentes, não deixando de contemplar alguns conservadores
por amizade. Muitos vieram de Lisboa, e Christiano Cruz mais uma vez estará
presente, com Almada, António Soares, Barradas, José Pacheko, Sanches de
Castro, Stuart. Estarão também representados Amarelhe, Armando Basto, António
de Azevedo, João Peralta, Balha e Melo,
Abel Salazar, António Lima, Carlos Ribeiro, Norberto Correia, Ramos Ribeiro,
Gomes da Silva e Mário Pacheco. Anunciados, mas que não apareceram, ficaram
Manuel Gustavo, Manuel Monterroso, Julião Machado e Leal da Câmara. Convidados,
mas que não responderam ficaram Amadeo de Souza-Cardoso, Correia Dias e Ernesto
do Canto. Manuel Gustavo declinará a partir de agora qualquer participação, com
desculpas de muito trabalho nas Caldas, por doença... Dos que estiveram nas
exposições dos Humoristas só comparecerão 6 artistas, sendo Christiano Cruz, o
Barradas, o Almada e o Sanches de Castro aqueles que nuca faltaram a uma
exposição.
Curiosamente, Amadeo de
Souza-Cardoso, que se iniciou nas artes pela porta da caricatura, mas que
precisamente na altura da criação da Sociedade dos Humoristas estava a dar o
grande salto da modernidade, entrando por caminhos da vanguarda europeia,
prometeu por diversas vezes acompanhar os mais ousados portugueses, mas acabará
por nunca participar. Primeiro porque entretanto abandonou a caricatura,
segundo porque....
A acompanhar esta exposição
realizaram-se as seguintes conferências: “Da Ironia, do Riso, da Caricatura”
por Aarão de Lacerda; “Gente Risonha” por Nuno Simões; "O Claro Riso
Medieval" por João de Lebre e Lima, “A Caricatura Literária” por Martinho
Nobre de Melo; “A Caricatura no Gótico” por J. Lebre e Lima; “A Mulher na
Caricatura Moderna” por João Pinto de Figueiredo... Esta organização conseguiu
realizar de imediato o que os de Lisboa apenas sugeriram, e a razão é simples,
estava entregue a intelectuais, a produtores, e não a artistas irreverentes e
boémios.
Destas conferências, as três
primeiras foram posteriormente publicadas, e destaco a segunda (que serviu de
Prefácio a este volume), já que é a primeira resenha histórica do
Humorismo-Modernismo, escrita por um interveniente desta saga, desde Coimbra.
Em relação à terceira conferência é curioso o epilogo, depois da exaltação do
humor clássico e medieval, encontramos uma visão soturna: Com a renascença o grande riso puro, vibrante, terra-a-terra,
desaparece de todos os lábios para dar logar à casquinada erudita e petulante
do "humamismo". Os humoristas da transição - Ariosto, Rabelais, o
nosso mestre Gil e, mais tarde, Moliére, Cervantes, o pintor Brueghel-o-Velho e
até o próprio Brantôme - são a gargalhada suprema, embora um pouco dolorosa,
dum mundo na agonia.
Oh! o De profundis
inigualável !
De então para cá a alegria torna-se uma palavra quasi sem sentido,
vocábulo inerte que os dicionários - que são museus de palavras - guardam
somente para satisfação de arqueólogos amadores de inutilidades. No dia em que
o homem descobriu o sorriso e a ironia, da sua boca desertou para sempre o
grande riso de outrora.
Hoje, esbofado por cinco duros séculos de marchas forçadas para a
Civilização, nem mesmo esse sorriso e essa ironia lhe restam! Quando tenta rir,
os músculos do facies resistem ao
desejo, cavando-lhe mais fundo a sua tísica grimace
de neurasténico arqui-civilisado; e, se procura ironisar, as palavras
saem-lhe pela garganta com um rangido seco, gritante, agudíssimo, de porta com
gonzos perros.
A crítica aplaude a
iniciativa e a qualidade. Declara-a como Modernista, mas critica os mais
ousados, como por exemplo Christiano Cruz, cujo "Diário da Tarde"
acusa de futurista: O seu impressionismo
exagerou-se por tal forma que já parece aquella morta tentativa de pintura
futurista que foi a delicia desopilante dos frequentadores dos Salons d'Autonne do Paris de ha seis e
poucos seguintes annos.
Sem delongas pela apreciação
de profundidade do modernismo exposto, do decorativismo que se ia instalando
nos poucos modernistas-humoristas, o que será mais interessante de realçar será
a fragmentação de intenções dos artistas.
Na realidade ninguém se entendia, como referiu Stuart, vivia-se em
anarquia, cada um procurava sozinho o seu lugar, e se possível criar o seu
circulo.
Em Lisboa os mais ousados
partiriam para a aventura do Orpheu, para o Futurismo... chegando a adular as
ousadias de Amadeo, mas...
No Porto, mais conservador,
tenta entretanto ser pólo de vanguardas e Nuno Simões organiza um Salão de
Modernismo... Armando de Basto procura contrapor outro logo a seguir. Por não
estar de acordo com aquele crítico, tenta fazer o Salão de Independentes sem
ter conseguido adesões e local. Por outro lado, e acabando por ter o apoio
deste último, Leal da Câmara organiza um outro grupo, o dos
"Fantasistas".
A posição de Leal da Câmara
em todo este processo dos Humoristas Portugueses é bizarra, já que sendo um
profundo defensor da sua criação, estará sempre ao lado. Está em Lisboa aquando
da criação da Sociedade e não participa nela, nem no primeiro Salão do grupo,
por ‘embirrar’ com um dos elementos da organização. Consente participar no
segundo. Em 1915 está a viver no Porto, e manter-se-à à parte da exposição dos
Humoristas e Modernistas, ao mesmo tempo que procura ele próprio criar um Grupo
de Artistas - "Os Fantasistas".
"Os Fantasistas"
pode ser encarada como uma segunda Sociedade não de, mas com Humoristas. Mais
ecléctica, aberta a todos os artistas que desejassem participar no conceito de
arte que Leal da Câmara defendia, é um organismo que se quer mutualista, sindical,
ético…
Se os Estatutos da Sociedade
de Humoristas tinha 9 pontos, a dos Fantasistas era um tratado com 66 artigos,
onde nada ficou esquecido. No Capitulo
1º Da Sociedade e seu funcionamento, o Art 1º diz A sociedade de Belas Artes,
denominada “Os Fantasistas”, tem a sus sede no Porto.
Art 2º - Os fins desta sociedade são:
1º Defender os interesses
profissionais dos que se dedicam às Belas Artes;
2º Promover, entre os
associados, o máximo convívio, relações de cordialidade e auxílio mútuo.
3º Fundar e manter o
“Atelier dos Artistas”, destinado a receber os sócios artistas quando, na
invalidez temporária, ou permanente, se encontrem sem recursos
5º Desenvolver entre o
público o gosto e o critério artísticos;
.................
Capitulo 2º
Dos sócios, sua admissão, deveres e direitos
Art 3º - Haverá quatro classes de sócios: sócios de honra, amigos dos
Fantasistas, sócios contribuintes e sócios correspondentes
Art 4º - Podem ser nomeados “sócios de Honra” todos os indivíduos que
prestem, ou tenham prestado serviços relevantes à Sociedade
Art 5º - Podem ser nomeados “amigos dos fantasistas" os indivíduos
que tenham feito donativos importantes à Sociedade
Art 6º - Podem ser admitidos para “sócios” contribuintes” todos os
indivíduos que se dediquem, ou hajam dedicado às Belas Artes, ou aqueles que,
embora não sejam artistas, se recomendem pelas suas qualidades e ilustração
.................
Artº 9 - Os sócios tem os seguintes deveres:
1º - Observar os
estatutos e regulamentos
2º - Promover, pelos
meios de que possam dispor, o aumento e prosperidade da sociedade;
3º - Servir gratuitamente
os cargos e comissões para que foral legalmente eleitos.
4º - A pagar, jóia e
quotas conforme o disposto no artº. 54, multas e indemnizações em que for
condenado
Artº 10 - Todo o sócio, tendo satisfeito o disposto no artigo anterior,
tem direito:
1º Assistir e a tomar
parte nas conferências, prelecções, exposições e cursos que se fizerem ou
criarem, a consultar os livros e periódicos da biblioteca e a estudar as
colecções do Atelier dos Artistas, observando as disposições regulamentares
2º - A Socorros
médicos...
3º - A apresentar à Assembleia
Geral ou á Direcção quaisquer propostas...
4º - A Ter assento e voto deliberativo nas Assembleias Gerais....
7º - A ser recebido no Atelier dos artistas
Depois desenvolvem-se todos
as regras sobre Da perda dos direitos de
sócio, Da administração, Das Eleições, Do Atelier dos Artistas, num
fastidioso articular de regras, para ser aqui exposto, mas que era importante
para a estrutura sólida que se desejava criar.
Como recordará mais tarde
Diogo de Macedo (1941) “foi nos tempos
da outra guerra, quando ainda não tínhamos reumatismo, acreditávamos nos nossos
semelhantes e gozavamos com a irritação burguesa. Você (Leal da Câmara) chegava
pejado de glória e de projectos do seu Paris do “Assiete au Beurre” com um belo
retrato de Galanis no cartaz, e logo presidiu ao grupo de sonhadores tripeiros,
o Armando de Basto de um lado e este seu admirador do outro, acarinhado como
constato que continua andando, invejável moço, por uma vintena de rapazes tão
iludidos do mundo como nós, felizmente. Lembra-se dos nossos escândalos
estéticos ?...As conferências revolucionárias em pleno salão dos banqueiros...
as turbulentas reuniões em casa de um negociante de pacotilha... as exposições
malditas dos modernistas nos lugares catitas do burgo... a audácia das nossas
criticas, das nossas censuras, do seu espírito humorístico ...?”
Leal da Câmara capitaneava
este movimento, e naturalmente foi eleito Presidente, tendo como Secretários
Armando de Basto e Diogo de Macedo, e como Vogais surgem Joaquim Lopes e
António Azevedo. Para além destes, formavam o grupo o Dr. Manuel Monterroso,
Dr. Santos Silva (dois médico -artistas que de imediato se disponibilizaram
para o numero 2 do Art. 10º), o Advogado Alberto Elias da Costa (que colocou os
seus serviços gratuitos à Sociedade), Gonçalo Pacheco Pereira, António Lima,
Almeida Coquet, Mário Pacheco, Henrique Moreira, Carlos Ribeiro, Balha e Mello,
Júlio Nogueira, João de Morim, Abel Salazar, Henrique Medina, Joaquim Salgado,
Cristiano de Carvalho...
Os fantasistas procuram não
só atrair os humoristas, ou os modernistas da pintura e escultura, mas também
os artistas do design de moveis, do design de tecidos, design gráfico, que eram
então considerados mais como artesãos, que artistas. Os principais objectivos
estéticos do grupo eram “transformar em
acção útil uma parte da arte, aplicando os conhecimentos artísticos ao comercio
e à industria /.../ Importa também fazer ver ao artista o reconhecimento da
necessidade da aliança do artista com a industria, no design, esta a
necessidade imperiosa de defender-se da concorrência, da invasão dos produtos
estrangeiros”. Havia nestes princípios a tentativa de uma «Bauhaus» à
portuguesa, no Porto. O seu campo de intervenção artística queria abranger a
caricatura, as artes gráficas, o cartaz, a escultura, o mobiliário, a cerâmica
e a decoração. O próprio Leal da Câmara criava mobiliário, caricatura,
cartazes...
As suas principais acções
foram a realização de uma exposição, e a edição de um jornal humorístico, mas
isso em 1916.
1915 ficará também marcado
com a obra de um caricaturista, mas essencialmente na História da Banda
Desenhada. O artista é Stuart Carvalhais, e a razão especial é "As
Aventuras de Quim e Manecas".
José Herculano Stuart Torrie
d'Almeida Carvalhais nasce a 7 de Março de 1887 em Vila Real. Desde
o princípio do século em Lisboa, passará pelo atelier de Jorge Colaço como
aprendiz de ceramista, mas seriam os desenhos de humor do mestre que mais lhe
fascinariam, e através da sua mão entraria no jornalismo gráfico. Estará entre
os jovens de a "Sátira", entre as irreverências dos modernistas,
partirá para Paris onde o sucesso lhe sorriu de imediato, mas que o assustou, e
em 1915 está de regresso à sua pacata Lisboa, ao pachorrento jornalismo
lisboeta. Artista de grande poder de adaptação estética, criava segundo o
cliente, podendo ser genial no modernismo, como o mestre do academismo; podia
ser um thalassa ferrenho, ao mais revolucionário republicano; ser anarquista
profundo, a conservador beato. A sua genialidade satírica adaptava-se como que
num jogo irónico, onde ele próprio era espectador de si próprio. Sem ambições
profissionais, era um boémio genial que vivia a vida em liberdade e pela
liberdade. Stuart marcará a República com a sua agressividade satírica, como
marcará o Estado Novo com a sua bonomia feita populismo, reinventando um mundo
de varinas e gatos… Mas isso será mais tarde.
Em 1915 está de novo em
Lisboa, e necessita de ganhar a vida. Para mais casou-se, teve um filho, tem
uma família que sustentar. Uma colaboração que lhe ocorre, talvez influenciado
pelo que viu em França, foi uma página de Banda Desenhada para o "Século
Cómico" (o sucessor do "Suplemento Humorístico d' O Século").
Stuart já tinha realizado B.D.s em 1907: "Aventuras de Dois Meninos no
Bosque"; "Aventuras de Dois Meninos no Planeta Marte";
"Sport Infantil"… A 21 de Janeiro de 1915, no nº 898 de"O Século
Cómico", é publicada a primeira aventura do "Quim, Manecas e o seu
cão Piloto". Não nos interessa aqui se as semelhanças com o "Yellow
Kid", ou com "Max und
Moritz", "The Katzenjammer Kids" são reais, se algumas destas
criação estão na base do seu trabalho, porque desde logo o Quim e Manecas criam
a sua identidade própria. São duas crianças lusas, reguilas, que no bom estilo
português desenrascam-se sempre, e triunfam pela incongruência. Dentro das
histórias entrarão os políticos da época, portugueses e estrangeiros, assim
como a Grande Guerra, que entretanto se instala na Europa, onde o boche será
sempre derrotado pela criatividade dos heróis. Uma constante será o humor. A
primeira série destas aventuras acabam em Novembro de 1918.
Sobre a autoria dos
argumentos existem algumas dúvidas. Acácio de Paiva, o Director Literário do
jornal é apontado por alguns estudiosos como o autor dos textos. Stuart deixou
em entrevista que a ideia da série foi dele, assim como as Histórias. Pode ser
que no início fosse tudo do autor gráfico, como será possível que Acácio de
Paiva terá metido a sua pena pelo meio, para melhorar literariamente um ou
outro texto, para travar de tempos a tempos a anarquia criativa de Stuart… Por
exemplo quando nos anos 30 a
aventura foi recriada sob o titulo "Aventuras do Quim e João Manuel"
de que se conhece os originais, e o que foi impresso, conhecemos a versão
criada pelo Stuart, e a emendada pelo Acácio de Paiva, alterando por vezes em
profundidade o texto. Talvez tenha havido sempre esta colaboração de criativo e
correctivo…???
Acácio de Paiva colaborará
noutras caricaturas, sob o pseudónimo de Belmiro, com poemas satíricos,
ilustrados por Stuart, Jorge Colaço…
Estes heróis têm um destaque
especial na História da BD, já que como refere António Dias de Deus no seu
"Os Comics em Portugal", Stuart
emprega balões, judiciosamente manuscritos com discurso em calão, acompanhados
de onomatopeias, sinais icónicos e sinais cinéticos. Na Europa, tais processos
só se tornariam habituais por volta de 1925 (ou seja 10 anos após), nas HQ de
Alain Saint-Ogan. Estes são elementos fundamentais que caracterizam o que
se considera a BD contemporânea, e Stuart está entre os pioneiros europeus, e o
primeiro em Portugal.
O Quim e o Manecas não são só
um elemento da História, como foram um sucesso de público, que o levou ao cinema
em 1916, realizado por Ernesto de Albuquerque, e em que o próprio Stuart fazia
de pai do Manecas. Foi exibido no Cinema Colossal, e reposto em 1930 no cinema
Chantecler, só que infelizmente não chegou nenhuma cópia até nós. O Manecas
chegou a ser personagem de uma revista em 1916, e nos anos 20 foram figuras de
publicidade à Nestlé, heróis de outras histórias…