Friday, March 31, 2017
“Os Ridículos” e “O Sempre Fixe” como dois históricos jornais satíricos por António Gomes de Almeida
Provavelmente, as gerações mais
novas não terão ideia da importância que assumiram, na vida nacional, estes
dois jornais – que alguns leitores, nas suas respectivas épocas, apelidavam de
“humorísticos”, outros de ”satíricos”, outros ainda, depreciativamente, de
“jornais de chalaças”... Na verdade, quem vive nos tempos de hoje não se
apercebe facilmente (aliás, como já acontecia com boa parte dos leitores de
então) do papel importante que estas duas publicações representavam – um papel
talvez não muito evidente no capítulo da informação, mas muito
acutilante nacrítica social e política a tudo o que se passava no
nosso país.
E foram, também, estes dois jornais,
os que tiveram vidas mais longas, entre os da sua especialidade. Por isso
(pelos conteúdos e pela longevidade) se lhes aplica o qualificativo de
”históricos”.
(No final, referiremos outras
publicações do mesmo tipo, as quais, por contraste, tiveram vidas curtíssimas).
OS RIDÍCULOS
O jornal “Os Ridículos”
nasceu em 1895, tendo saído uma primeira série, até 1898; suspendeu-se então a
publicação, por problemas financeiros, como tradicionalmente viria a
aconteceria a muitos outros do género. A sua primeira redacção era na Rua
Augusta, nº 47, era seu director Cruz Moreira (“Caracoles”) e tinha um
programa, no qual se lia: “A nossa missão é ridicularizar, apepinar, troçar
a humanidade em geral, e os políticos em particular. Não nos movem ódios, nem
malquerenças, nem é nosso intento ferir, ou molestar as susceptibilidades de
alguém”). Na prática, não seria bem assim, mas ficava bem anunciar estas
boas intenções, comuns a muitas outras publicações de então (e de agora…)
Renasceu em 1905, ano em que
“Caracoles” pegou novamente na publicação, com a colaboração de “Esculápio”
(Eduardo Fernandes). Instalou-se no Bairro Alto, na Rua da Barroca, juntando-se
assim a outros jornais cujas redacções funcionavam igualmente naquele bairro
lisboeta. O jornal teve uma fase de grande desenvolvimento, enveredando pela
crítica política e social e pela sátira aos acontecimentos dominantes da época.
Os seus comentários e, sobretudo, as suas capas, desenhadas por uma série de
talentosos desenhadores, granjearam-lhe uma popularidade e expansão que se
manteriam praticamente até quase ao fim. Tendo começado como semanário, a certa
altura passou a ser publicado duas vezes por semana, particularmente em épocas
de campanhas eleitorais, em que os assuntos abundavam mais, e a Censura fingia que
abrandava um bocadinho…
Entre 1933 e 1945, o jornal foi
dirigido por Rebelo da Silva e contava com a colaboração literária do “Repórter
Melro” (Aníbal Nazaré), “Xouxa Pinto” (H. A. Sousa Pinto), “Zecas Telo” (José
Castelo), “Zé Descarado”, “Repórter Escova” e “Repórter Graxa” (3 pseudónimos
de José Rosado), “Zé Pacóvio” (João Henriques de Almeida), e Elmano Siamor (M.
M. Canaveira). Os desenhos publicados na primeira página davam-lhe um traço
inconfundível.
Com o Estado Novo, a partir de
1933, o jornal foi confrontado com a censura prévia às publicações periódicas,
o que complicou bastante a sua existência. Era necessária alguma cautela para
fazer publicar os textos e as capas, estas com desenhos ou caricaturas de Silva
Monteiro, Natalino Melchiades, José Pargana, “Alonso”, Américo, Stuart e
Colaço.
O Zé Povinho, a genial criação de
Rafael Bordalo Pinheiro, reproduzido no traço de tantos outros desenhadores,
era omnipresente, e era a principal vítima dos censores, ao ser apresentado
como símbolo do povo sobrecarregado de impostos e contribuições, sofrendo a
carestia da vida, o racionamento de géneros alimentares e o desemprego.
Também era preciso ter cuidado nas
referências às guerras (a de Espanha e depois a Segunda Guerra Mundial), bem
como à política internacional. Os acontecimentos eram filtrados pela política
de informação do Estado Novo, fortemente condicionada pela neutralidade do
país, e levando a violentos cortes. Fazer um jornal nestas condições não era
nada fácil...
GRANDES DESENHADORES
Sempre “Os Ridículos” teve
excelentes colaboradores artísticos, representando gerações diferentes, como os
já citados Silva Monteiro e “Alonso” (J. G. Santos Silva), que criou o desenho
gráfico do jornal e os sucessivos cabeçalhos. Era professor na Escola António Arroio,
admirador de Rafael Bordalo Pinheiro e do seu estilo.
Noutra geração, mais moderna,
encontra-se Natalino Melchiades, que expôs nos Salões dos Humoristas, em 38 e
40, continuando a publicar nas décadas seguintes, e José Pargana, que se
dedicava, sobretudo, ao cartoon desportivo, que começou a
publicar em meados dos anos 30. Foi Stuart Carvalhais que o trouxe para o mundo
da caricatura, onde trabalhou mais de meio século. Ainda desta geração temos o
contributo artístico de Américo (com uma importante referência ao desenhador
Walt Disney, adaptando a publicidade ao filme “Branca de Neve e os Sete Anões”
– o que mereceu apresentação de Almada Negreiros) – e os trabalhos, próximos da
BD, de Colaço (pensa-se, sem que haja certeza, que seria o mesmo Jorge Colaço
que já dirigira outro jornal humorístico, “O Thalassa”; ora, se assim
for, teríamos, noutra vertente artística, o autor de belíssimos painéis de
azulejos, como os da Estação de São Bento, no Porto; mas existe a dúvida de se
tratar ou não do mesmo artista, já que, nessa época, não se dava a importância
que se dá hoje às assinaturas dos ilustradores).
A partir de 1945, começou a
colaboração de Stuart em “Os Ridículos”, marcando uma nova época na vida
artística do jornal, desde logo criando-lhe outro cabeçalho. Stuart Carvalhais
era já muito conhecido pelo seu risco inovador, muitas vezes desenhado com um
pau de fósforo, e pela beleza das suas figuras femininas, bem como pelo
pitoresco das cenas de rua e pelo humor popular que lhe valeria uma enorme aceitação
por parte do público. Stuart trabalhou incansavelmente, não só na ilustração,
mas também no cartaz, em cenários de Teatro, capas de discos e BD, e permaneceu
no jornal até ao fim, desenhando inúmeras capas e ilustrações, com o seu traço
inimitável.
A publicação de “Os Ridículos”
terminou em 1984, juntando-se este título, com tantos anos de existência, aos
de muitos outros jornais e revistas do género, surgidas depois do 25 de Abril,
e que tiveram vida efémera.
O SEMPRE FIXE
O primeiro número deste semanário
foi publicado a 13 de Maio de 1926. O director e editor da nova publicação era
Pedro Bordallo Pinheiro, cujo apelido nos remete, naturalmente, para essa
numerosíssima família, da qual fizeram parte pintores, jornalistas e muitas
outras figuras de grande notoriedade. A propriedade do novo jornal era da Renascença
Gráfica, que também detinha o “Diário de Lisboa”, um importante e
respeitado vespertino, que se publicaria desde 1921 a 1990.
Não é fácil estabelecer, com
precisão, as datas de publicação de “O Sempre Fixe”, que teve várias
interrupções e ressurgimentos, particularmente nos últimos anos da sua
existência.
O que é inegável é a qualidade de
muitos dos seus colaboradores, entre os quais é justo destacar o caso especial do
pintor Carlos Botelho, que ali publicou, ininterruptamente e durante mais de
vinte e dois anos (!), uma página intitulada “Ecos da Semana”, uma
espécie de resumo gráfico dos mais importantes acontecimentos registados no
país. Nem todos, porque a Censura frequentemente lhe aplicava a “lei da
tesoura”, ou do “lápis azul”, mandando eliminar temas considerados nocivos ou
perigosos para o prestígio do Estado Novo. Quando isso acontecia, ele metia o
desenho de um pequeno mocho, e toda a gente já sabia o que aquilo significava:
“aqui houve corte”…
(Talvez valha a pena explicar, aos
leitores mais novos, e que não conheceram esta instituição, que a Censura
eliminava, não apenas os temas que considerava “perigosos”, mas também, por
vezes, textos ou ilustrações cujo sentido não entendia lá muito bem – e
então, à cautela, cortava mesmo, não fosse dar-se o caso de ali
estar escondido algo de subversivo!... Pode parecer incrível, mas sobram os
exemplos deste tipo de actuação).
Com ou sem Censura, o que é certo
é que “O Sempre Fixe” se tornou um semanário satírico de referência,
onde foram publicados textos e ilustrações de gente tão talentosa como Almada
Negreiros, Stuart Carvalhais, Jorge Barradas, Bernardo Marques, Amarelhe,
Roberto Nobre, Paulo Ferreira e Francisco Valença (este último criador da
maioria das capas, nas últimas edições e até ao fim do jornal).
A primeira série de “O Sempre
Fixe” terminou no nº 1713, de 18 de Março de 1959, a seguir à morte de
Artur Portela (pai). Mas houve, depois, números anuais, com tiragens
simbólicas, apenas para garantir o título, até ao nº 1727, de 5 de Março de
1973.
Podem ser consultadas as edições
de ”O Sempre Fixe” na Hemeroteca de Lisboa, mas de forma algo
deficiente.
Curiosamente, uma nova série
começou a ser publicada no dia 6 de Abril de 1974, poucos dias antes dos
acontecimentos de 25 desse mês. Nessa série, que durou pouco mais de um ano,
surgiram excelentes capas e ilustrações de João Abel Manta, e uma capa do
francês Siné, já em 1978.
Depois, saíram ainda alguns
“números especiais”, aparentemente só por saudosismo, o último dos quais
acompanhando um número também especial do “Diário de Lisboa”, em 2015.
HUMOR DE VIDA CURTA
HUMOR DE VIDA CURTA
Contada a história destas duas
publicações, que foram, no seu género e no nosso país, as de vida mais longa,
registe-se que, logo a seguir, em termos de longevidade, tivemos uma publicação
intitulada “Bomba H”, em formato de pequeno livro, a qual,
discretamente, durou quase 17 anos ininterruptos! Teve capas de
Victor Ribeiro e de Zé Manel.
Com duração intermédia, tivemos o
“Cara Alegre”, de 1951 a 1958, dirigido por Nelson de Barros, e com
capas de Stuart e depois de José Viana.
Houve outras, mas seria exaustivo
fazer a lista completa. Por isso, para remate, talvez seja curioso mencionar
agora, por contraste, alguns jornais satíricos de vida mais curta.
O que menos durou, entre todos, foi o “Macaco”, de 1974, do qual apenas
se imprimiu um número Zero… que nem chegou sequer a ser editado! Tivemos, muito
antes deste, “A Bomba” (1946/47), que durou 2 anos; o “Picapau”
(1955) que durou 7 semanas; a “Parada da Paródia” (1960/62) 2 anos; e
uma infinidade de jornais do pós-25-de-Abril, que, mal surgiram, logo
desapareceram: “Evaristo”, “O Coiso”, “A Chucha”, “Chaimite”,
“A Pantera”, “A Pomba”, “O Chato”, “O Cágado”, “A
Laracha”, “O Olho”, “Pão com Manteiga”, “O Bocas”, “Fala
Barato”, etc.
Perante estes exemplos, não há
dúvida de que “Os Ridículos” e “O Sempre Fixe” assumem o estatuto
de Veneráveis Patriarcas do Humor Português!