Saturday, November 16, 2013

Da solidária solidão Crónica de Daniel Abrunheira


Há um ano e um século, a White Star Line, companhia proprietária do Titanic, enviou às famílias dos músicos da orquestra da fatídica viagem, também eles engolidos pelo abissal mar gelado, as facturas dos respectivos uniformes: afinal, a roupa pertencia à companhia de navegação, não a eles – e eles tinham cometido a gravosa imprudência de se afogarem sem se despir antes do que não era deles. (Isto não é patranha: é um histérico facto histórico.)
Cento e um ano depois, o Capitalismo “neoliberal”, essa besta autofágica e indutora do suicídio das nações que se não chamem EUA ou Alemanha ou China, segue à risca, à letra e a grosso a selvajaria da White Star Line acima descrita. O Capitalismo “neoliberal” é a Grande Hidra Cega. O Capitalismo “neoliberal” é a Nossa Mãe ao Contrário. O Capitalismo “neoliberal” é o ouro valer merda riscada a sangue. Vive de músicos afogados e de famílias desfeitas. Alimenta-se de podridões. E serve-se de lacaios acéfalos e invertebrados como esta cambada de cachopos que nos entretemos a eleger de quatro em quatro anos.
Vale que, um ano depois do Titanic, mais precisamente a 7 de Novembro de 1913, nasceu Albert Camus. Figura gigante, colosso ímpar da literatura do século XX, deixou obra sem cotejo possível. Muito superior à vedeta zarolha chamada Sartre, primou sempre pela solitária discrição. Morreu demasiado cedo, aos 47 anos, terminado por um desastre de viação automóvel.
Mas legou-nos A Peste, O Estrangeiro, O Mito de Sísifo e O Homem Revoltado, entre outros marcos descomunais das boas-letras.
Foi dos Nobel da Literatura mais justamente reconhecidos de que hei memória. E determinou para sempre uma distinção ética que outro gigante da literatura, também ele nobelizado, Gabriel García Márquez, adoptou como epigráfica divisa: que o ser solidário é o absoluto contrário do ser solitário.

Mas lá no fundo, o mesmo fundo em que jaz o Titanic, Camus mais não terá feito do que dizer à White Star Line, aos EUA, à Alemanha e à China que, de uma vez por todas, cresçam e desapareçam.

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