Friday, November 22, 2013
Crónica Rosário Breve - Certidão de renascimento por Daniel Abrunheiro
Portugal é o nome da terra em que, a poder
nascer-se de propósito, eu nasceria sempre e para sempre.
À beira do meu primeiro meio século de nascido,
tenho por firmes tal opinião e tal axioma amniótico. Não é por vão
“patrioteirismo” à la Portas que
vo-lo afirmo.
É porque só neste País a bruma, subindo do chão
à primeira fímbria óptica da alva, faz do musgo, como em alhures algum, o
espontâneo leito fofo do presépio natural. Dissipada ela, ela bruma, a luz
põe-se toda a esmaltar, como em nenhum outro rincão mundial, os fundos pinhais
de um verniz matizado de manteiga de ouro, que o vento reitera oceanicamente.
Mais digo que: também é por causa das mulheres
absoluta, absurda e completamente Portuguesas. Algumas delas, com o desengonço
içado e altamente elegante das girafas, escalam o escadote do próprio corpo
encimado de um olhar húmido de água-ágata. Outras, meãs como empadas de açúcar,
fazem reviver ao observador a ternura primeva das Mães lusitanas, essas
magistrais economistas da escassez que nenhum Nobel contempla mas que todo o
filho tenta repetir na esposa.
Os homens Portugueses são também, por outras
tantas razões quantas as que perfazem o número deles todos um por um, outro
motivo forte pelo qual, a ser-me possível escolher em que cor do mapa-múndi
conhecer a primeira (e a derradeira) luz, isto só poderia dar-me Portugal.
Mesmo os moralmente pequeninos, velhacos e bailarinos. Mesmo os que, imbuídos
de um imponderável e improvável poder local tão mal exercido, maniganciam
corrupçõezitas de mercearia num el-dorado
de fancaria enodoado de quinquilharia.
Sim, definitivamente sim: Portugal é o único
alfobre onde se pode nascer com alguma decência de alma, lavado o corpo e
macerada a roupa través abluções a sabão azul-e-branco como só aqui se fabrica.
Mesmo descontando esse elfo chamado Rui Machete. Mesmo engordando à
perpetuidade esse lípido chamado Mário Soares. Mesmo só com dois cachorros, ou
quatro gatos, por apartamento que se deva ao banco.
Da razão final pela qual me devo a reiteração
incontornável de só me querer (e poder) nas-ser
Português, terminalmente vo-la adjudico mercê de uma “sacanice”, digo, citação.
Recorro a João de Deus, esse límpido Poeta nosso que, certa ocasião, celebrando
de um amigo o aniversário, lhe rimou esta formosa graça:
Dia de
anos
Com que
então caiu na asneira
De fazer
na quinta-feira
Vinte e
seis anos! Que tolo!
Ainda se
os desfizesse…
Mas
fazê-los não parece
De quem
tem muito miolo!
Não sei
quem foi que me disse
Que fez a
mesma tolice
Aqui o ano
passado…
Agora, o
que vem, aposto,
Como lhe
tomou o gosto,
Que faz o
mesmo. Coitado!
Não faça
tal, porque os anos
Que nos
trazem? Desenganos
Que fazem
a gente velho.
Faça outra
coisa, que, em suma,
Não fazer
coisa nenhuma
Também lhe
não aconselho.
Mas anos…
Não caia nessa!
Olhe que a
gente começa
Às vezes
por brincadeira,
Mas depois
se se habitua,
Já não tem
vontade sua,
E fá-los
queira ou não queira!
Onde o/a meu/minha Leitor/a lê, no poema, “Vinte e seis anos”, leia, por favor,
28. São quantos perfaz o aniversariante (e nosso) O RIBATEJO. Todas as terças, para às quintas sair, me calha a
obrigação de escrever para este jornal-árvore (porque enraizado na terra), para
este jornal-vento (porque a todo o lado se leva em palavras). Há quase três
décadas que vem resistindo às intempéries e às tropelias da economia, do buraco
na estrada, dos pontuais tiranetes de pacotilha que infestam a democracia
(tanto a local como a do Terreiro do Paço). NB: mas sem jamais, até ao momento,
ter feito de galego aguadeiro de fretes. De clara matriz editorial, O RIBATEJO é plural como o mundo e único
como a Região que lhe dá o nome e o sentido existencial. Saudá-lo
aniversariantemente é, até por sinédoque, saudar o público que tem sabido merecer.
E, no meu caso, o caso é de perguntar: pois se não em Portugal, em que outro
País um qualquer jornal me aturaria a crónica? Não é?
É.