Thursday, September 26, 2013
Crónica Rosário Breve Crónica para ler ao altifalante por Daniel Abrunheiro
1. São estes os últimos dias da campanha para as Autárquicas/2013. Por
todo o País, viaturas entestadas de altifalantes rastreiam por becos, vielas,
travessas, ruas, avenidas e praças o ladrar roufenho da propaganda. É som que
me melancoliza: lembra-me sempre, por irrecusável e irredimível homofonia, a
presença antecipada dos circos. E pior: traz-me dos antigamentes a camioneta
dos sorteios dos cegos por cercanias do Natal. Ou, das feiras, o casal de
microfone enrolado em peúga a vender colchões milagrosos a velhinhos de
arruinadas ortopedias e enxovais mijados a noivas já prenhes.
Tenho já idade a suficiente, todavia, para que a minha propensão
merencória se não alcandore a critério de aferição. Este vozear a pilhas
altífonas & megafónicas do vota-neste-vota-naquele é, afinal, quanta música
a democracia local sabe cantar. Mas antes essa cantiga, afinal e deveras, do
que o silêncio sepulcral das nomeações a dedo do tempo do Morcego Eunuco, vulgo
Salazar.
Que eu não tenha expectativas, é moléstia pessoal só. É só enfado incréu
meu. Agora que o País as não tenha, aí já fia mais grosso. Casos há e
autarquias há em que um mínimo de bondade prática é exercido nos ínfimos
meandros da quotidianidade. São excepções, todos o sabemos – mas a regra é ir a
votos sempre, posto que muita e muito boa gente sofreu em combate as sevícias
da ditadura para que os vindouros (que nós somos) pudessem errar à livre
vontade sua no boletim democrático.
Eu sei, eu sei: “eles” não
vão para lá para nos servirem mas para se
servirem. Nem todos, porém. Conheço casos de gente eleita cujas clara
honestidade e competência irredimível são irrecusáveis. Trata-se, no fundo, de
sabermos, como eleitores, identificar os gatos e os ratos, votando no cão. No
lobo, não.
2. Até lá (dia 29 do corrente), não nos doa a cabeça nem nos apodreça o
dente. Ao morredouro quotidiano do tostão, saibamos opor o lingote do bom sol
português, que o Outono já oficial ainda não soube, ou não quis, desveranizar.
Foi o que fiz no sábado, 21. A minha mais nova quis ir ver a primita, neta da
minha irmã. Través a fornalha reverberante da tarde, soubemos merecer, na casa
que foi de nosso Pai quando infante, a frescura das grossas paredes de uma
alvenaria mais antiga do que a morte dele. Houve refresco de café lambido a
limão em gelo. A minha sobrinhita-neta, que se chama Margarida, não estava –
mas a minha Teresa não esmoreceu por causa disso. A minha irmã (que é Lucília,
cuja etimologia é luz por a razão
óbvia do que ela é em pessoa) foi buscar os álbuns das fotografias familiares.
E então a Teresa folheou o Pai dela quando mais novo do que ela – e quando os
cães altifalantes das eleições, que então nem havia, não altiladravam por
becos, vielas, travessas, ruas, avenidas e praças a local e nacional e
patriótica democracia.