Tuesday, August 06, 2013
Rosário Breve Fala o Pardal Oleiro por Daniel Abrunheiro
A
idade é uma fábrica de paradoxos afinal simples. Com os anos, (a)parecem cada
vez mais recentes as coisas mais antigas, na exacta proporção que inverte em
menos frescos os episódios acabados de conhecer a luz.
O
nosso senhor Magalhães de agora é o meu senhor Elói de há quarenta anos: a
idade deles é a mesma, mesmo é o copito de tinto à mesma hora certa de cada dia
incerto, mesmas as opiniões lacónicas e rezingonas de ambos a propósito do que
aconteceu àquele que tinha a sucateira no quintal dos Lourenços.
À
cristalaria da infância, opus (opus de
opor, mas também de obra), na soma irrefragável e inconsútil
de tantos entretantos, uma silveira de emaranhamentos: a primeira gilete púbere
contra a barba de ontem, por essas praias as ninfetas adolescentes reiterando a
universalidade das minhas Filhas – e a certeza concreta e inabalável de cada
Pardal ser Um, Uno e Único – isto é, Todos: como a Morte.
Não
é que essa vã guarda chamada Actualidade se me escape, toda de todo ou/ao
menos. Não. É outra coisa, que esta é: as lembranças ressoam-me cavas porque a
memória me adquiriu uma tonalidade de cisterna. E é dela que me sirvo para,
ante as notícias que reportam o flagelo das guerras e das rebeliões e das religiões
e das manifestações silêncio-ciliciadas pelos mastins-de-choque, reconhecer sem
hesitação nem dúvida o abismo de diferença que há entre os mortos que foram
homens e os homens que foram mortos.
Pelo
vestuário pingão e pelo olhar rórido com que por ruas & praças &
beira-rio vou manchando o papel do ar até que tudo seja o mais filactério
pergaminho – não me seria possível a evasão da condição de um ser tocado à
nascença pela vocação d’outono-inverno. Passado e Presente, com os anos que os
cozem até à mútua fusão, acabaram engendrando e expondo, para meu
consumo-da-casa e meu caso, a natureza siamesa da Bela e do Senão.
O
que hoje foi amanhã, ontem viria a ser. Na estrumeira política corrente, os
pagantes são oleiros – e bandoleiros, os (auto)governantes. Vale-me ser este o Verão de 1970, vale-me
repartir já então com as minhas Nascituras, no areal ébrio de ouro à sombra da
Bola Nívea, o balde, a pá, o moinho e os ciclistas a dados.
Como
aliás me vale também não ter chegado jamais a ser aquele que, por caridade dos
Lourenços, arranjou pátio onde montar a oficina para acumular a irreparável
sucata do Tempo, isso que só os Pardais é que.