Sunday, September 30, 2012
Crónica de Daniel Abrunheiro - Rosário Breve
Eu quero mas é que o Milton Friedman se lixe
Dizia-se antigamente que:
"Não há dinheiro, não há palhaços." Agora é por causa de
certos palhaços que não há
dinheiro.
Parece que é muito difícil a
certa gente perceber que não é taxando o já de si
escasso rendimento do trabalho
que a luz ao fundo do túnel se põe a brilhar com
menos debilidade. É taxando
precisamente, por exemplo e por falar em luz, a
macrocéfala e tentacular EDP, que
é afinal quem deveria responsabilizar-se por
essa e por outras lâmpadas. E as
PPP, as malfadadas (e maçónicas) furadoras
dos “túneis”. E as gasolineiras,
à entrada e à saída dos mesmos.
Também parece difícil admitir que
o sentido da vida não é viver para trabalhar
mas trabalhar para viver.
Rapando, raptando e rapinando os emolumentos básicos
às famílias, inibe-se o consumo.
Inibindo o consumo, é o próprio Estado quem
sofre: porque deixa, por exemplo
primeiro e maior, de receber tanto do capitoso
IVA, que lhe está para o
mealheiro como o bafo para o bofe.
Os salários pequenos e médios não
são (de modo algum) o maior encargo das
empresas. O que mais pesa às
empresas são os custos da energia, dos combustíveis,
das matérias-primas e secundas,
da distribuição. Não há nenhum Milton Friedman
que me convença do contrário. Não
há nenhum liberalismo de compasso, esquadro
& powerpoint que me faça
abjurar desta certeza segura, prática e quotidiana.
Nenhum judeu de Wall Street me
tira disto. Nenhum cafre nepótico das ex-colónias
afro-brasileiras me arreda o pé
disto. Nenhum chinês de gravata de loja-dos-
trezentos me recicla maoísmos em
contrário. Nenhum árabe dos poços negros me
torce a orelha a isto. Nem nenhum
alemão me grunhe que o “arbeit macht frei” (“Otrabalha liberta”, como cínica e genocidamente estava inscrito – pelos alemães – no
pórtico de um tal sítio chamado Auschwitz), porque eu quero que os alemães e o
“arbeit” à maneira deles vão mas é às nêsperas verdes de galochas roxas.
“O poder, tal como o sagrado,
parece uma graça exterior de que o indivíduo é o
suporte passageiro. É recebido
por investidura, iniciação ou sagração. É perdido
por degradação, indignidade ou
abuso.” (Isto é de Roger Caillois, in O Homem e o
Sagrado.)
Ora, os ditos “liberais” de agora
(promotores, cultores, inseminadores e
recebedores da crise tão
artificialmente global como globalmente artificial) serão
tudo menos sagrados. Degradantes,
são-no. Indignos, são-no. E abusadores – terá
ainda alguém dúvidas de que o são
também e sobretudo e porque a gente deixa?
Trabalhar para viver não é nem um
luxo nem uma maluqueira. É, ao mesmo tempo,
um direito e um dever. Mas viver
do trabalho dos outros sem com ele, trabalhando
também, interagir no sentido do
viver comum – é obsceno, é nojento, é indigno e é
inaceitável.
E a verdade é que nem palhaços
ricos e palhaços pobres têm já graça, muito menos
daquela de que falava Caillois.
Ou Zaratustra por ele.