Saturday, June 04, 2011

A Porca da Politica e outros Zoomorfismos caricaturais

por Osvaldo Macedo de Sousa
A PORCA (da Política) – Este animal, por natureza não é nem sujo nem limpo, vive onde pode. Há inclusive indivíduos que tem porcos como animais de estimação, vivendo dentro de casa, mas o normal é que eles vivam em pocilgas, em charcos lamacentos, em chiqueiros. Devido a esse mundo de lavagem, de lama foi considerado por alguns povos como carne impura, imprópria para consumo. A impureza, a sujidade é também designada como porcaria, e dai vai um passo para ligar porcaria a porco. A vida, na mão dos homens também não é uma limpeza de alma, razão pela qual ser comum o desabafo de “Porca da vida”, “porca miséria”… Foi esse desabafo “A Política… a grande Porca” que nasceu inocentemente esse novo marco da iconografia satírica.
A Política é a Porca ou o Chiqueiro onde todos chafurdam? Uma dúvida que Raphael ironiza, nessa ambiguidade gráfica. Contudo todos os políticos, os partidos vivem das tetas da Grande Porca.
Curiosamente, apesar de se manter na gíria popular, e explorada no Teatro de Revista, a Porca não foi muito utilizada na iconografia satírica. Há um ou outro exemplo, assim como há utilizações diversas, pelo próprio Raphael, como em 1898, no “António Maria” onde faz a comparação entre “O Porco e o Paiz – O Porco aproveita-se post-mortem, e o paiz enquanto vivo”, desenhando o esquartejamento do porco e do “velho” país.
O CARNEIRO – Apesar de não ser um dos Zoomorfismos da série de “A Paródia”, podem reparar no desenho de 5/9/1900, em que Raphael o mistura com o Porco. É que o Carneiro foi um dos símbolos iconográficos mais usados durante a monarquia.
Este ícone satírico surge do hábito dos partidos procurarem cativar os votantes, oferecendo o almoço a seus correligionários no dia de eleições, o qual era composto por Carneiro com batatas e muito vinho. Assim carneiro passou a significar eleições, compra de votos…
O CÃO (As Finanças) – Um animal que no imaginário popular surge como dócil, companheiro fiel, o guarda da casa, mas que na iconografia satírica surge como selvagem perigoso.
Na série de fábulas do Esopo, o Cão é o terceiro animal mais usado, depois da raposa e do Leão, animais que curiosamente quase não são usados na sátira gráfica, apesar de serem estes os animais que possuem as características que Maquiavel idealiza para o animal político.
Em psiquiatria o Cão representa o pecado, a vergonha, a desonra. No desenho de Imprensa ocupa o lugar do Lobo das Fábulas, simbolizando os políticos que devoram a carne do país, seja como símbolo do Tesouro, das Finanças, como dos outros países que nos querem roubar nossas riquezas.
A GALINHA (Economia) – Um animal que no imaginário popular é estúpida, e que aqui surge como a galinha choca que vai fazer nascer algo dos ovos. O quê? Os galos que depois vão lutar pelo poleiro ? A Luta por quem canta mais alto é mais dos galos, e eles tem aparecido mais vezes na sátira gráfica, nessa luta de alternância, de rotativismo político.
Mas outros aves de capoeira tem aparecido neste zoo-politicismo, seja os Pavões (sabe-se lá porquê), os perus que se sacrificam no Natal…
O PAPAGAIO (Rethorica Parlamentar) – Para a sátira oitocentista o Parlamento era mais uma sala de tubérculos, do que um zoo, já que o símbolo mais vingente dos deputados era a sua Barriga, e o Parlamento o Solar dos Barrigas, mas devido ao “falaram, falarem e ninguém os ver a fazer nada” deu com que longe a longe também fossem iconografados como Papagaios que se repetem uns aos outros, sem grandes novidades na sua retórica.
CARANGUEJO (O Progresso nacional) – Após o entusiasmo inicial, Raphael vai entregando ao seu filho o grosso da produção, tal como já tinha feito nos anteriores jornais. Assim se inicia uma série de 4 zoomorfismos desenhados por Manuel Gustavo.
O Caranguejo simboliza na gíria comum o andar para traz, ou seja os humoristas portugueses nunca acreditaram na evolução, no progresso do nosso país à mão dos seus políticos, apesar de pouca vezes terem usado este animal para iconografar esse sentimento.
RATA (A Burocracia) – Outro zoo-politico que raramente foi utilizado. Vemos ratos como o Zé a ser caçado na ratoeira eleitoral, e um ou outro roedor das instâncias nacionais, mas de índole mais miniscula, como veremos mais adiante. Em contrapartida, o inimigo natural da Rata, o gato aparece mais vezes, seja assanhados entre eles, seja como caçador de outras liberdades… E claro que há sempre o lugar comum de Janeiro, mês de andar ás gatas…
Kagado (Beneficência) – O único zomorfismo de sátira personalizada (neste caso no Presidente da Câmara de Lisboa), e ícone que nunca mais aparece.
OS INSECTOS – Não aparecem nesta série da Paródia, mas foram os animais mais usados por raphael ao longo da sua carreira satírica. Eles são os verdadeiros roedores, ditos burocratas, são os parasitas que se infiltram na orgânica governativa, são eles que minam o regime. Tomaram vários aspectos, desde o famoso GAFANHOTO, ao mais importante PHILOXERA, passando pelas MELGAS, PIOLHOS, até à FORMIGA (a branca, que na gíria republicana significaria policia política)…
A GRANDE BURRA (A Instrução Pública) – Uma das maiores injustiças do mundo da fábulas, essa de chamarem “burro” ao Burro, em oposição ao cavalo, o equídeo nobre, superior… Mas na verdade quem lida com os Burros, sabe perfeitamente que existe muita esperteza, e mesmo inteligência naquele animal, trabalhador, e prestável ao homem. Por tudo isso o seu papel neste mundo iconográfico é muito conturbado, tanto aparecendo de forma pejorativa, como de elogio. Nas folhas volantes da década de quarenta de oitocentos, é um animal que muito ajudou nas sátiras alegóricas, simbolizando por vezes os absolutistas como incapazes de compreenderem que o país estava noutra via de evolução, ou simbolizando como o veículo de transporte das revoluções, como da Maria da Fonte… Em 1875, Raphael apresenta-nos Portugal como um animal cavalgado pelo Fontes. Não temos a certeza se é um burro, ou uma vaca, mas com o nascimento do nosso alter-ego, o Zé Povinho, o Burro vai estar sempre presente, mais não seja em espírito, porque o Zé será aparelhado com as devidas alfaias burrentas, essencialmente com muita albarda, e muito trabalho, sem poder tomar os freios nos dentes e revoltar-se… Por vezes surge o cavalo, normalmente no seu serviço nobre de alta escola política, mas também por vezes como um sorvedouro de empréstimos para suporte da vida supérflua doa altos signatários do país.
A Albarda será o mais pesado ícone das alfaias zoomórficas, porque subsistirá mesmo depois das máquinas terem tomado o lugar dos animais no transporte das mercadorias e das pessoas… E quando não á albarda, há sempre alguém para nos tosquiar o lombo.
TOUPEIRA (Reacção) – Outro roedor, que anda pelas subterrâneos da politica. Foi o regresso de Raphael à série zoo-politica. Já se tinham passado mais de ano e meio desde o início do jornal, e apenas se concretizaram nove animais, dispersos e sem a continuidade inicial. Seria o desalento que tomou o artista, seria o saber que no fundo os “Cães ladram mas a caravana passa” sempre, indiferente ás criticas, ás filosofias irreverentes…
A reacção ao longo dos tempos teve várias formas de aparecer, e apesar de a toupeira ser a mais bem fundamentada, a maioria dos humoristas preferiram apresenta-la como o morcego vampiro, ou o abutre.
O OCEANO DA POLITICA – Muitos outros animais ficaram por estudar, mas não podemos deixar em branco o Peixe Miúdo, aquele é que é devorado pelos grandes Tubarões da Politica, da Governação económica… De todos os peixes, por ser desde longa data considerado como o Fiel Amigo, o Bacalhau dará mais vezes o corpo (ou a espinha) à inspiração satírica.

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