Wednesday, January 19, 2011
Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal - Ano 1911
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
O ano de 1911 será um ano crucial na revolução da caricatura.
Os tempos revolucionários tornam a juventude ousada e construtiva, procurando refazer em meses, o que não foi conseguido em décadas.
Na capital existe uma geração ávida de mudanças, onde -se incluíam jovens como Almada Negreiros, Stuart Carvalhais, Hipólito Collomb, Jorge Barradas… tendo como líder espiritual Christiano Cruz (Leiria 1892 / Angola 1951).
A sua obra surge em “O Gorro” (1909), publicando também em “A Farça” (1909), “Limia” (1910), “Novidades” (1911), “A Águia” (1911), “A Lucta” (1912), “A Rajada” (1912), “A Bomba” (1912), “A Capital” (1913)…
Christiano ao vir para a Capital trouxe consigo a chama da ruptura modernista. Como referirá António Soares (In Vida Mundial de 9/7/71), era Christiano Cruz - infelizmente esquecido - o de maior valor entre todos; e Jorge Barradas (in Diário de Lisboa 5/12/1963) acrescenta a este homem superior, que seria sem dúvida um notável Pintor e, na mesma dimensão, escultor ou arquitecto, a este homem demos nós, sem prévia combinação, o lugar de Primeiro.
/…/ Tinham os seus desenhos muito de si próprio: como ele, eram severos e sólidos. Os desenhos e legendas que inventava eram, por vezes, lapidares, incisivos e castigadores como punhos de boxeur.
Sem qualquer pretensão a líder, vê-se rodeado de uma geração ávida de irreverência estética, e é esse grupo que receberá de braços abertos, em 1911, o único artista plástico exilado por questões políticas - Leal da Câmara.
É um mestre que tinha imposto uma ruptura na estética raphaelista, que tinha dado o exemplo da importância da sátira na sociedade portuguesa, impondo o humor como um correctivo duro ao regime. É um artista que se tinha imposto além fronteiras, como um dos mais importantes caricaturistas franceses da época.
Sobre a implantação da República escreverá (in “Leal da Câmara” de Aquilino Ribeiro, Ed. Bertrand, pág. 51): É claro que me congratulo pelo advento da República. A República, que mais não seja, representa um marco milenário na passagem da turba lusitana, e pretexto a uma revisão geral. Resta que os novos dirigentes aliem a uma honradez, que eu lhes não contesto, habilidade e inteligência para encaminhar depressa a por boa estrada o carro do Estado, como queria o senhor de La Palisse. O que há de melhor nesta forma de regime é a faculdade em desalojar os ineptos e incompetentes, diga-se o que se disser. Isto de cada um se sentir senhor de si próprio e não herdado como um carneiro conta para meia dúzia apenas, mas esta meia dúzia é em todos os tempos a que marca. Nada mais absurdo que a cataplasma dum D. João III, dum D. João VI colada ao organismo polimórfico, que é um povo, entravando-o e emburrecendo-o.
Não mandei telegrama de parabéns a ninguém porque não seria lógico fazê-lo de minha parte. A única pessoa que tenho o direito de felicitar sou eu próprio que desde menino, até à data, não mudei de opiniões e sempre combati, na medida das minhas possibilidades pelas ideias de que agora se começam a colher os frutos. Vou enviar-lhe o número do Assiette sobre a Revolução. À parte o lado teórico do movimento político, alegra-me que não tenha havido sarrabulho nem represálias, não esquecendo que todos os portugueses são irmãos, erros todos os praticam, e não se podem responsabilizar por desmandos ou mesmo ladroeiras de A e B quantos cidadãos viviam à sombra da árvore monárquica ou compunham a sua romaria administrativa e militar.
Quanto à minha ida, não fixei ainda datas, O certo é que, mais dia, menos dia, darei uma saltada a Portugal.
Entretanto é fundada a revista “A Sátira” (nº 1 de 1/2/1911), propriedade de Joaquim Guerreiro, um caricaturista sem grande interesse estético, ou satírico, mas que graças ao poder económico consegue introduzir-se no seio deste grupo de jovens irreverentes. Só terá quatro números, mas publicará trabalhos de mais de duas dezenas de artistas. Quem predomina é naturalmente o proprietário, assim como Stuart Carvalhais que surge como Editor. Este será o único posto de responsabilidade que o mais famoso boémio da caricatura, Stuart Carvalhais, ocupará. Entre os colaboradores de destacar as obras dos modernistas Christiano Cruz, Luíz Filipe, Correia Dias, Almada Negreiros, Menezes Ferreira… assim como de Leal da Câmara, Valença…
“A Sátira” apresenta no seu editorial estas suas intenções:
Ridendo castigat…
Assesta leitor amigo o teu monóculo e aguça a tua curiosidade que vae levantar o panno. A funcção vae começar. Podia pôr-se sobre o pórtico, Aqui vive o riso em opposição à tremebunda porta do Inferno do Dante: Deixai aqui toda a esperança. Não. Nós preferimos aos oculos de Heraclito, um chorão histórico que padecia dos callos, o grande riso franco e jovial de Demócrito um galhofeiro que sabia o que eram dôres de barriga ou unhas encravadas e «……….. ria Do que a nós nos causa dor;»
A funcção vae começar. Apresta-te que a ronda começa agora farandolando. Aqui verás passar toda uma galeria de typos que tu conheces /…/ tudo isso que faz parte da grande Comédia humana, tudo isso ao abrir das paginas te saltará sorrindo, gargalhando, foliando desengonçado e picaresco. /…/ até que tu, leitor amigo, mon semblant. mon frere como se diz no Baudelaire, tenha dado cabo das presilhas….
Como se pode verificar, apesar de muita bazófia intelectual, nada de conteúdo filosófico-caricatural, como seria de esperar desta direcção. Para além da importância dos desenhos e desenhadores, o nº 4, e último, na última página dá-se um momento histórico, ou seja é publicada a acta de uma reunião de Humoristas Portugueses, que fundam a Sociedade dos Humoristas, a primeira da classe em Portugal.
O jornal “O Zé” (9/1/11) faria reportagem sobre a reunião que deu como consequência a criação desta Sociedade. Eis pois esse artigo sob o título de “O Riso Forma Quadrado”: Na Quarta Feira passada, os humoristas do lápis e da penna reuniram na redacção da Satyra, com o fim de assentarem as bases d’ uma aggremiação.
A essa reunião, os artistas concorreram em grande número, ficando logo assente que se nomeasse uma comissão, para metter hombros à árdua tarefa da organização do syndicato. Essa comissão ficou constituída pelos srs. Francisco Valença, Joaquim Guerreiro, Carlos Simões e Cardoso Martha.
O riso tem tanto direito a formar quadrado como qualquer tropa fandanga… voluntariamente falando. Alinhadas as fileiras irreverentes, sahirão do arco… da graça as settas aligeras da critica satyrica e inoffensiva.
Que demónio! que se espalhem os solitários tristes, os mazombes lyricos e chorões, indo cada um para seu lado chorar pitanga !…
O que se não deve desunir é o riso. A gargalhada franca, os corações abertos e bondosos, as almas alegres e enternecidas, devem andar junctas, como as pombas brancas e puras, andam a correr em bandos alegres e claros, nos seus voos altaneiros pelos espaços.
Temos que nos unir…O Zé saúda-os e accompanha-os de todo o coração.
Segue o texto, publicado em “A Sátyra”, que saiu aprovado na reunião:
SOCIDADE DOS HUMORISTAS PORTUGUESES
“A união faz a força”, diz a velha philosophia das nações. N’ esta conformidade, e humorismo portuguez, empunhando o lápis e a penna, as suas armas de combate, aggremiou-se, para melhor continuar a sua campanha de riso de ironia.
Se já se associaram a imaginação criadores, com as sociedades picturaes; a sciencia, com as collectividades scientificas; as bellas lettras com as academias litterarias; o prazer mundano, com os clubes de recreio; a caridade com os casos de beneficência; o esforço physico, com as associações trabalhadoras - porque se não uniriam estreitamente a graça do lápis e o espirito da penna?
Assim se pensou assim se fez. Os rebeldes, e indomáveis humoristas, bohemios e vagabundos, despreocupados do dia seguinte, acabou de prender mais curtos os seus instinctos de vid’airada, e resolveram dar-se as mãos. A caricatura não serve só para desmandibular as multidões n’um riso animal. Tem uma grave responsabilidade perante a historia, qual seja a da concepção dos costumes.
É o fiscal da virtude contra o vicio do mérito contra o cretinismo, do bom senso contra o ridículo o como sorriso na bocca, aqui prende uma lata ás abas da casaca, crava um alfinete na anca postiça, mette n’ uma bocca inepta uma grossa rolha de trapos. Era preciso restituir à caricatura o humorismo, à sua missão moralisadora ? Pois bem: serão os sacerdotes d’ essa religião quem vae reerguer-lhes os altares meio-destroçados.
Breve a sociedade de Humoristas Portuguezes começará de dar os fructos. E Portugal terá um logar não desdourante entre os grandes paizes europeus que n’ este ramo de arte se distinguem.
Em reunião do mez pretérito, foram votadas e approvadas as seguintes:
BASES
É fundada em Portugal, com séde em Lisboa, uma aggremiação de caricaturistas e escriptores humoristicos com o nome de Sociedade de Humoristas Portuguezes.
Os fins da associação são:
1º Despertar o gosto pelo humorismo em Portugal, levando ao conhecimento do povo o seu papel social na correcção dos costumes.
2º Obstar à concorrência de artistas estrangeiros, e o plagiato e contrafacção das suas obras, pedindo a intervenção e protecção do governo para os artistas nacionaes.
3º Protestar contra a pornographia grosseira que invade o humorismo, deprimindo, e até annullando a sua acção moralisadora.
4º Regularizar a remuneração das caricaturas.
5º Fundar uma revista da especialidade que seja órgão da Associação, revista onde podem collaborar todos os sócios.
6º Promover exposições annuaes e conferencias sobre arte em logares e epochas opportunamente annunciadas.
7º Organizar uma bibliotheca e museu caricatural.
8º Creação d’uma academia livre de modelo.
9º Fundação d’uma caixa de socorros e pensões aos caricaturistas e escriptores humoristas necessitados.
Os sócios caricaturistas serão obrigados a escolher para seus collaboradores litterarios exclusivamente entre escriptores filiados nesta associação.
Sabe-se depois que a Presidência do grupo foi dada a Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, como homenagem ao pai, como ‘garantia’ de continuidade entre o passado raphaelista e o futuro, eventualmente modernista. Nome que não aparece no manifesto, mas que muitos apontam como um dos principais ideólogos deste movimento é Christano Cruz (a correspondência trocada entre os artistas na preparação desta exposição vai demonstrar que ele foi também um apaziguador de tenções, um catalisador de boas vontades em favor do humorismo).
Antes do mais, este Manifesto mostra que não se restringem ao artistas gráficos, mas a todos os que colaboram na imprensa de cunho jornalístico, englobando os escritores humoristas. Procura ser uma sociedade de autor, ou seja que proteja o direitos de autor, que defenda-os da usurpação da obra, da deturpação da arte, ao mesmo tempo que procuram ‘criar’ algo que defenda também o homem da vicissitudes da vida, ou seja a pobreza. Paralelamente uma dinâmica de dinamização e divulgação, com escola, biblioteca, museu, e fundamentalmente um Salão onde anualmente o público pudesse ver os originais das obras que admirava de uma forma efémera na imprensa. A primeira pedra está lançada, mas será necessário ver se o edifício acaba por ser construído.
Outro elemento importante da revista “A Sátira”, e do último número dá pelo nome de Leal da Câmara. Este número tem na capa uma caricatura do Mestre, e dentro artigos e caricaturas sobre ele. Leal da Câmara veio finalmente a Portugal por convite de “A Sátira” para a realização de uma série de palestras, e para a realização de uma exposição da sua obra.
Ele regressa a Lisboa à procura do seu lugar na nova sociedade, ao mesmo tempo que procura ser um elemento educador, dinamizador do humor em Portugal. Percorrerá o país com conferências sobre o que é o humorismo, a publicidade, o design…fará diversas exposições...
Será recebido com pompa e circunstância na gare dos Comboios, sendo-lhe “oferecido” um jantar de Homenagem, o qual ficou fixado para a posteridade num Menu onde se podem ver as auto-caricaturas dos diferentes elementos participantes, como Christiano Cruz, Stuart, Almada, Valença, Menezes Ferreira, Hipólito Collomb... Curiosamente, quando passados dias Leal da Câmara voltou ao mesmo restaurante para jantar com um amigo, foi surpreendido com a conta do dito jantar de homenagem. No Porto Leal da Câmara também seria homenageado com um jantar organizado pelo seu amigo Manuel Monterroso, e não se conhece qualquer história de calote por parte da organização.
Até que ponto o regresso de Leal da Câmara, e a criação da Sociedade é uma coincidência ? Em França, por volta de 1907 tinham acabado de se criar um organismo deste género… Ou será que este grupo advém de uma dinâmica sindicalista da revolução republicana ?
Na realidade Leal da Câmara chega, e faz uma série de conferências em Lisboa, Coimbra, Porto sobre o Humorismo e o Satirísmo. O manuscrito dessas conferências encontra-se na Casa-Museu Leal da Câmara na Rinchoa, e lá pode-se ler passagens como estas:
O Humorismo que é a verdadeira arte do Riso nasceu no dia em que o homem teve a pretensão de ser um ente superior e absoluto.
/…/ O processo de que servem os que praticam esta arte é o RISO; - talvez a mais bela e certamente a expressão mais sadia da nossa alma.
Saber rir é já alguma coisa mas, fazer rir os outros, é mais do que talento. É quase uma caridade !…
O bom e grande Moliére já dizia no seu tempo “que era um terrível empreendimento, o fazer rir as pessoas sensatas” - e Leonardo da Vinci, o célebre pintor da misteriosa “Gioconda”, chegou a afirmar que o dever do artista é fazer rir até os próprios mortos !
Este exotismo do humorista que perturba tanto a Ilustríssima e Excelentíssima Senhora Dona Toda a gente, é devido simplesmente ao facto do humorista se deter à beira do caminho e desse lugar contemplar a vida que vai correndo…
/…/ O exagero das linhas é um dos métodos empregados para expressar esse desejo de correcção - certamente aquele que mais irrita essa duas individualidades tão diferentes e contudo tão semelhantes: - os profanos e os críticos austeros.
Os profanos ainda se compreende que não percebam o valor estético do exagero das formas que deve corresponder - para estar bem - ao carácter do assunto representado, mas os críticos austeros, vindos não sei de onde e sagrados não sei por quem - talvez saídos dessa raça de dominadores de que vos falei há pouco, têm desejado fazer de papões diante dos pobres artistas sem defesa e decidiram do alto da sua infalibilidade que a caricatura não era uma ARTE !
Eu não sei com que compasso mágico ou com que centímetro misterioso mediram eles a distância que separa a ARTE SÉRIA da ARTE CÓMICA.
Eu só sei que certos destes artistas sérios têm feito caricaturas admiráveis e que vários caricaturistas têm conseguido fazer obras mestras de pintura e de escultura que forçaram a admiração dos próprios críticos.
Chego a acreditar que a ARTE não é o apanágio de uma teoria, de uma formula ou de um processo, mas a universal manifestação do desejo da BELEZA, de CORRECÇÂO e de PROGRESSO.
Não há ARTE SÈRIA e não existe ARTE CÒMICA. Há somente uma Arte como há uma só NATUREZA como há um só AMOR e não deveria existir senão uma justiça.
São as manifestações de esta ARTE suprema que são diferentes, mas a essência é sempre a mesma admirável NATUREZA que faz vibrar temperamentos diferentes. /…/
Chegando em Junho, em Agosto expõe no Salão Nobre do Teatro Nacional D. Maria. O crítico de a Ilustração Portuguesa (de 7/8/1911) cai de cócoras deante d’ esse homem que andou 14 annos (na realidade não chegou a 12 anos) lá por fora, e venceu e gosou lá fora. Leal da Câmara não veio apenas triumphar a Portugal; tem sido o homem do dia; há já quem não compre os jornaes pela obsessão constante dos artigos sobre elle e das reproducções dos seus desenhos; faltaram-lhe as mil e uma carta adoradas para ser em Portugal o que Bombita era em Madrid regressando do México.
Nunca triumpho foi, todavia, mais justo, nem nunca outro representou melhor a transgressão do espírito portuguez.
Essa banda de panno crú no Theatro D. Maria, é um acontecimento tão célebre com a vinda de Sarah Bernhardt aos nossos palcos.
Ella canta o animo d’ um portuguez que foi lá fora, pilhou a graça, cultivou a graça e expediu em pacotes para a sua terra.
Que trouxe Leal da Câmara para Lisboa ? Uma arte própria, rica, forte e voluntária como os seus gestos, incisiva e brusca às vezes, como aquelle nariz que parece marcar a sua feição, o critério d’elle só, a sua maneira, a sua feição a rebeldia às formulas, ao vá sempre a direito do nariz.
A arte de Leal da Câmara é complexa e variada. Elle não é apenas o caricaturista que boxa os reis e os underisable, elle é o desenhista que archiva typos, costumes, e o pintor, que se apaixona diante de dois bons palmos de vista.
/…/ O senso do meio precisa de tempos a tempos de ser agitado como os remédios das pharmácias. Em nome d’esse espírito novo que chega na arte de Câmara é bem perdoável o seu sucesso largo estridente de rajah.
Lisboa, Julho. Aquilino Ribeiro
O sucesso é grande, mas satisfará o artista ?
Pela mesma altura deste triunfo artístico, morria o que era o Director Artístico desta revista, da “Ilustração Portuguesa”, o jovem Francisco Teixeira, que desta forma nos traço o seu retrato póstumo: Há três anos que Francisco Teixeira padecia a mais horrenda, dilacerante agonia que possa conceber-se. /…/ Tinha tudo o que D. Juan Tenório considerava indispensável ao conquistador de corações: a inteligência, o sentimentalismo e a bravura. E mais do que isso, esse privilegiado da natureza dispunha ainda do carácter, do poder atractivo da bondade, da ingenuidade emotiva de uma mulher, dos escrúpulos morais de um puritano. Essas qualidades ele as prodigalizou como o talento, generosamente, desinteressadamente, sem que nunca se houvesse lembrado de avaliar o mérito da sua superior inteligência e o valor da sua abnegada dedicação. Relacionado com o que Lisboa, contava de melhor na bohémia elegante da há vinte anos, amigo de todos os janotas, conviva de todas as festas de rapazes, ele manteve sempre a linha impecável de um gentleman através das aventuras da sua acidentada mocidade. No fundo, e sem que tivesse podido sê-lo profissionalmente senão n’ um curto período da sua vida, ele era um artista. /…/ As suas aptidões destinavam-no a ser no meio artístico da sua terra uma espécie de Gavarni elegante, anotador irónico da graça feminina. /…/ O seu processo crítico excluía a ferina crueldade, a violência combativa, o sarcasmo malévolo dos demolidores. N’ ele transparecia a bondade alegre de temperamento. Era um requintado…
Natural de Mirandela, veio estudar para Lisboa, e aqui se perdeu na boémia artística, tendo publicado no “Novidades”, na “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro para onde enviava trabalhos, no Diário Popular e na Ilustração Portuguesa, de cuja publicação foi Director Artístico. Para além desta actividade era funcionário da Alfandega de Lisboa.
Amarelhe, um jovem que acaba de chegar do Porto como retratista caricatural, triunfa com uma exposição de figuras do Teatro, no Salão Nobre do Teatro das Variedadees, merecendo a presença do Presidente da República, Manuel Arriaga, na inauguração. A revista "Ilustração Portuguesa" de 21/8/11 noticia a exposição que o caricaturista hespanhol Amarelhe instalou no Salão do Theatro das Variedades. O artista é ainda muito novo, tem apenas 20 anos mas as suas aptidões revelam-se na forma inteiramente pessoal por que faz os seus trabalhos. Depois d' algum tempo de permanência no Porto veio para Lisboa, onde as suas caricaturas teem sido como na Capital do norte, devidamente apreciadas pelo público.
Aqui se vê a ignorância do repórter que o identifica como espanhol, só por causa do nome. Ou será que para ter maior sucesso de vendas, o artista se tenha apresentado como estrangeiro ? O seu nome, na realidade é espanhol, já que o seu pai (José Amarelle) era galego, e tinha emigrado para o Porto, onde se casou, e teve vários filhos, entre eles Américo da Silva Amarelhe que nasceu no Porto a 26 de Dezembro de 1892.
Américo Amarelhe irá recuperar a paixão de Raphael Bordallo Pinheiro pelo teatro, sendo o seu herdeiro como cronista satírico dos palcos lisboetas.
Neste ano de 1911 as exposições sucederam-se num frenesim de realizações culturais. Assim realizou-se uma exposição de pintores no Salão Bobone, com a designação de Salão Livre. Pretendiam estes artistas, todos eles jovens a viverem além fronteiras, desencadear uma ruptura modernista com o academismo dominante, só que pouco diferença estética se verificou entre as suas obras e as que eles denominavam de académicos. O único mais ousado era o humorista Emmérico Nunes, que trabalhava na Alemanha, como consagrado modernista. Os Historiadores nacionais irão fomentar esse mito da introdução do Modernismo a partir dessa exposição, só que em Portugal os Caricaturistas, pelo menos desde 1909, já tinham feito essa ruptura, e iam na vanguarda do modernismo.
No campo editorial, para além da já mencionada revista "Sátira", há "A Garra", um fracassado Suplemento de "A Sátira" com apenas um número; há o aparecimento de o "Pardal", e a continuação dos jornais humorístico "Zé", "A Águia", "Ridículos", "Século Cómico"… assim como a continuação dos jornais noticiosos terem como colaboradores caricaturistas, nomeadamente o "Novidades", "A Capital", "A Lucta"…
A política vive também num turbilhão. Nem sempre se fez as reformas sonhadas, nem sempre se seguiu pelo caminho idealizado por cada cabeça. e as sentenças são muitas, assim como as quezílias internas dos republicanos. A 21 de Setembro o Partido Republicano dividir-se-á em Democráticos, Radicais, Unionistas e Evolucionistas.
Das conquistas, destaca-se o decreto de 10 de Janeiro que declara o Domingo como descanso semanal obrigatório; a 14 de Março um decreto revoga a Lei eleitoral de 1901, alargando o sufrágio a todos os indivíduos com mais de 21 anos, homens ou mulheres, que soubessem ler e escrever, se não tivessem estes últimos requisitos que fossem à mais de um ano chefes de família.
A 20 de Abril é publicada a Lei de Separação entre o Estado e a Igreja. A 28 de Maio realizam-se as primeiras Eleições Legislativas da República. A 21 de Agosto é Promulgada a primeira Constituição Republicana. A 24 de Agosto Manuel Arriaga é eleito 1º Presidente da República. Também neste ano são criadas as Universidades do Porto e Lisboa.