Tuesday, November 17, 2009

O Centenário do Modernismo Gráfico em Coimbra (1909 - 2009)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Em Novembro de 1909 as rotativas da Lousanense imprimiram um pequeno hebdomadário, baptizado de “O Gorro”, publicado por um grupo de estudantes do Liceu de Coimbra. Um acto banal num período efervescente da imprensa, um acto simples que, na realidade, foi o primeiro passo na evolução (já que nestes países limítrofes nunca há uma verdadeira revolução) para o Modernismo Plástico em Portugal.
Oficialmente é a exposição “Livre” de 1911 de Lisboa que é apresentada como o início do Modernismo. O que foi essa exposição? Uma mostra de trabalhos já académicos, tendo apenas alguma ruptura estética nas obras apresentadas pelo humorista Emmérico Nunes, na linha do que já se fazia em Coimbra desde 1909. Porquê este relevo a esta exposição? Por ser de pintores, de bolseiros zangados com a falta de apoios oficiais. Estavam em ruptura com as entidades oficiais, não com a estética dominante, nem em consonância com o que de revolucionário já se vivia nos ateliers vizinhos em Paris. Foi dado grande relevo à Exposição Livre porque todas as acções de verdadeira ruptura para o modernismo foram encabeçadas pelos humoristas…
Porque é que o Modernismo foi despoletado em 1909 em Coimbra com “O Gorro”, secundado pela “A Farça”? Porque foi este pequeno grupo que, para além, de entrarem em acção com uma estética de ruptura, defendiam teoricamente uma mudança, uma nova ideologia sócio-plástica de índole modernista. Este grupo era constituído por Correia Dias, Christiano Cruz, Cerveira Pinto e Luís Filipe. Apesar de não ter publicado desenhos com eles, o jovem Almada Negreiros, que estudava entretanto em Coimbra, bebeu deles as suas concepções estéticas e seguiria o seu Mestre Christiano Cruz para Lisboa e para um confronto mais aberto com os académicos.
“O Gorro”, que surge nas bancas a 14 de Novembro de 1909 teve como Directores Artísticos, no numero um, Fernando Correia Dias (1893 / 1935) e Christiano Shepard Cruz (1892 / 1951), sendo Álvaro Cerveira Pinto (1894 / 1910) o seu Director nos quatro números seguintes. Há colaborações de um Tiralinhas, que identifiquei como um pseudónimo de Correia Dias numa linha gráfica diferente à da sua assinatura.
O Gorro desapareceu a 9/1/1910, mas esta não foi uma morte, antes uma transmutação já que a 20 de Dezembro de 1909 Luís Filipe (Gonzaga Pinto Rodrigues 1885 / 1949) tinha lançado um novo jornal “A Farça” dentro da mesma politica estética e publicaria 6 nºs até 27/4/1910. Quem eram os artistas colaboradores? Os mesmos Correia Dias, Christiano Cruz e Cerveira Pinto enriquecida com a entrada de Luís Filipe no grupo e na via da ruptura estética.
Nuno Simões, em 1952 (in Noticias de Lourenço Marques de 26/4/1957) recordaria estes tempos, apesar de ter trocado os nomes na evolução do grupo, ele diz: «Há quarenta anos Christiano distribuía, com Cerveira Pinto, Luís Filipe e mais tarde Correia Dias, por jornais e revistas académicas de Coimbra, de quando em vez com prolongamento até ao Porto e Lisboa, os comentários do quotidiano que o seu humor pessoal colhia e fixava na harmoniosa síntese do seu traço luminoso e da sua rápida, sagacíssima e maliciosa legenda –às vezes um pouco amarga. Era o tempo em que uma das mais ricas e variadas gerações de moços assegurava a Coimbra uma ultima grande precedência nos quadros nacionais da inteligência e da cultura».
Frequentadores de boémias turbulentas, tertúlias revolucionárias (onde também estão presentes M. Pacheco, Veiga Simões, Hipólito Raposo, Afonso Lopes Vieira, António de Monforte…) com infindáveis discussões desde o vómito rubro do vinho, aos conceitos estéticos das últimas revistas, chegadas de França ou Alemanha; desde a criada da casa X aos conceitos filosóficos da nova teoria de sobrevivência intelectual… Este grupo não procurava a revolução, apenas ser diferente, ter uma nova postura pela arte, com a arte.
Naturalmente, as influencias vinham através das revistas e se encontramos nestas suas obras vestígios das ousadias (apenas das que já eram publicadas) que provinham de além fronteiras, essas já estavam deturpadas pela má reprodução, pela falta de suportes teóricos… tendo eles que reconstruir, recriar as vanguardas. Por isso, descobrimos os primeiros passos da síntese levada ao extremo abstrato-figurativo, em que o expressionismo esboçado por Leal da Câmara e Celso Hermínio na década anterior ganha uma nova vida, uma nova interpretação, num gesto mais descarnado, mas acutilante que levaria Nuno Simões a considerar como humor amargo.
Em breve o grupo dispersar-se-ia, com Christiano Cruz a mudar-se para Lisboa, Luís Filipe regressando à terra onde seus pais viviam (Viana do Castelo), Cerveira Pinto morrendo no final do ano e Correia Dias, ficando sozinho, imigraria em 1915 para o Brasil onde foi criar novas rupturas modernistas. Cristiano Cruz acabaria por ser o novo messias do modernismo em Lisboa - «a este homem demos nós sem prévia combinação, o lugar primeiro» (Jorge Barradas, Diário de Lisboa 1963), aquele que através do humorismo, o meio mais fácil de chegar ao público, a forma mais fácil de ganhar dinheiro para a sobrevivência divulgou o que motivou o grupo de Coimbra, o ideal do modernismo: «Eu sei bem que o público não sente a necessidade de arte, da mesma maneira que não sente a necessidade de lavar os pés. Mas as necessidades criam-se e essa tarefa só nos pode caber a nós, dada a impossibilidade de mandar o meio, a Paris, educar a vista…»
«Façamos Arte onde os nossos predecessores só têm feito arqueologia. Tratemos com largueza os gestos do cidadão Acácio, a vida do povo e o burguesismo. Não deixemos estiolar as nossas faculdades ajudando a viver jornais pulhas, onde eu já vejo o prognóstico assustador de impotência criadora. Não façamos crítica, façamos Arte!» (in A República” de 22/5/1914)
Não tenho duvida que foram estes os artistas que criaram a onda modernista em Portugal e que tudo se despoletou em Coimbra e não em Lisboa. Infelizmente, as entidades locais não aceitaram as minhas propostas para comemorar esta data, um centenário importante na cultura portuguesa. Aqui deixo o meu simples contributo para que esta data não deixe de ficar registada, nem que o esquecimento mate a memória de grandes mestres como Christiano Cruz, Correia Dias, Luís Filipe e Cerveira Pinto.

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