Thursday, October 01, 2009
Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1904 (Celso Hermínio… A Caricatura nos Livros de Curso em Coimbra, João Amaral, Correia Dias…)
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
A 8 de Março 1904 morre Celso Hermínio de pneumonia dupla. Na "Paródia" surgem estas simples palavras: «A morte prematura de Celso Hermínio privou a arte da Caricatura em Portugal de um dos seus cultores mais jovens, mas mais talentosos e fecundos. Graças a uma real aptidão e a um esforço incessante. Celso Hermínio, tendo feito uma carreira rápida e brilhante, alcançara já um lugar indispensável entre os humoristas do lápis, no nosso país. Era um bom caricaturista, com um grande poder crítico e uma technica absolutamente original...» Palavras sintéticas, mas realistas. Na verdade, desta forma súbita desaparece um dos mais importantes caricaturistas portugueses. Curiosamente, os seus colegas jornalistas não farão grandes elogios fúnebres. e quase se pode dizer que o público não compreendeu a importância deste desaparecimento.
O artigo que melhor homenageou o artista, e que dá um excelente retrato do seu trajecto artístico. saiu na revista Brasil-Portugal (a 8/5), e era assinado por Câmara Lima: «... Pessoalissimo, por forma a não ser possível irmaná-lo com os seus camaradas portugueses, destacava pela originalidade do desenho obtido por um singular processo. Mal lhe foi o feitio para os efeitos da popularidade fácil. Todos nós o sabemos e nenhum motivo vejo que me obrigue a ocultar a verdade que Deus manda dizer.»
«O Celso nunca interessou a multidão: era incapaz de transigir com ela para lhe obter o inconsciente aplauso. /…/ Muito moço e naturalmente influenciado pela agitação politica da época, Celso aparece-nos, ao princípio, com a particular feição de um panfletário. O radicalismo ferozmente intransigente das suas convicções políticas estava nas linhas audazes das suas caricaturas como um nobre sangue nas veias de um revoltado. Traçando o lápis, o seu lápis contundia as carnes da vitima alvejada. Não era um lápis: era uma moca. Como sucedia a Daumier, as legendas das suas caricaturas passavam despercebidas: Toda a intenção, todo o humorismo caustico, toda a crítica, estavam no desenho, esse desenho audaz e exótico que tanto provocou sobrecenhos de desdém e sorrisos de indiferença num meio em que as oleografias tem homenagem nas salas de visita e as cartonagens dos fósforos de luxo, orladas de nastro encarnado, ornamentam boudoirs de damas.»
«/…/Mudaram-se os tempos e os acontecimentos sucederam-se. Uma época de tranquilidade e acalmação dos espíritos se inaugurou após o tempestuoso período em que surgiram, com curto intervalo, o Micróbio e o Berro. Operou-se uma grande transformação nos espíritos dos combatentes da hoste a que Celso pertencia e na própria forma de combate. Uns adormeceram na monotonia do ramerrão da vida nacional sem incidentes provocadores; outros, sentindo amolecer antigas energias e descrendo, talvez, da proficuidade do seu esforço, emudeceram ou transigiram com o até então execrado «existente». »
«Celso não se bandeou para o inimigo nem sentiu arrefecer a sua crença; mas, levado pela corrente geral, desapareceu da primeira linha de combate. /…/ O panfletário do lápis desapareceu completamente para ceder lugar ao anotador critico dos casos do dia. A sua ironia começou ganhando em subtil delicadeza o que perdera mo amargo travo da torva combatividade. /…/ O portrait-charge foi, certamente, o género em que Celso manifestou pela forma mais completa as suas brilhantíssimas faculdades. Ninguém, entre nós, o fez como ele ... »
A imprensa, apesar das dificuldades levantadas pela censura, consolidava-se na sua missão noticiosa e educadora. Alguns jornais de humor solidificam-se em continuidade por vários anos. "A Chalaça" é a novidade do ano. Nesta altura será momento de abrir um parêntesis na História da Caricatura de Imprensa, para nos debruçarmos num caso da caricatura como apoderação desta arte específica, por uma classe social - o estudante Universitário - e que a transformará em tradição de uma cidade - Coimbra.
Não sei quando começou a tradição de publicar, no final do Curso Universitário, um livro com as fotografias dos estudantes, mas devido à breve história da fotografia, isso deve ter acontecido nos finais do século XIX. Entretanto em 1904 houve uma reestruturação académica, acabando-se o Grau de Bacharel (3º Ano), obrigando os estudantes a tirarem a Licenciatura para ter direito a estatuto Superior. Essa resolução ocasionou uma grande manifestação estudantil, com direito a Corso com carros alegóricos, festas diversas como o Enterro do Grau... e a publicação de livros e postais de caricaturas.
Segundo as palavras de Francisco Cordeiro (Lamego in Catálogo de 1974) João Amaral "foi o artista, do "Enterro do Grau", em Coimbra, no ano lectivo do 1904-05.
São estas festas, cuja execução de desenhos a Associação Académica da Universidade de Coimbra lhe confiou, que representam, na nossa opinião, a consagração «extramuros» do artista humorista. O "Diário de Notícias" publica então o retrato de João Amaral, "um dos melhores cooperadores das Festas do Grau". É da sua autoria o álbum com mais de uma centena de caricaturas de quartanistas da velha Universidade, os cartazes, os bilhetes postais, a decoração do teatro para o sarau e o projecto de sete carros alegóricos, entre os quais o carro fúnebre que conduzia o "Grau". Escreveu-se então que "a ele se deve em grande parte o êxito das festas".
O caricaturista de Lamego, João Amaral, surge assim aliado não só à Festa do Enterro do Grau, como à transformação do Livro de Curso com fotografias substituídas por caricaturas. É pois por essa altura que nasce os primeiros indícios desta tradição (desenvolvida abertamnente só na década de vinte). O Livro de Curso mais antigo que consegui é de 1903, "Os Quartanistas da lmmortalidade" por P.M. e M.C, e onde surge o célebre Alberto Costa (Pad-Zé), um estudante irreverente que ficaria na história da truculência estudantil. Não quer dizer que seja o primeiro. de todas as formas se já tinha havido experiências anteriores, seriam já neste século, por 'artistas' locais, numa atitude de rebeldia contra os 'bonitinhos' da fotografia, preferindo entrar na imortalidade através da ironia e irreverência. Por outro lado João Amaral, se não foi o primeiro a desenhar para os livros de Curso, foi o primeiro profissional a fazê-lo, seguindo-o depois João Valério, que aí estudava, e ganhou seus primeiros dinheiros nesta arte.
Dessa forma se criou uma tradição única no mundo. o Livro de Curso Caricatural dos Quartanistas. Sobre a sociedade estudantil desta época dos primórdios da caricatura, existe o livro "À Porta Férrea" de Ferrão de Faria, com desenhos de Isidro Aranha, ou as memórias do Alberto Costa (Ex-pad-Zé) que se chama "O Livro do Doutor Assis".
A partir de então, amadores (estudantes que equilibram o seu orçamento com a venda de caricaturas - Isidro Aranha, Emílio Martins, Christiano Cruz, Correia Dias. Luís Filipe, Cerveira Pinto, Alberto Costa, Cerdeira, Craveiro, Serôdio, Zamith, Fernando Namora, Arlindo, Helder.. .), e profissionais (muitos aí se deslocaram na altura da Queima das Fitas - Armando Boaventura, Francisco Valença, Amarelhe, Teixeira Cabral, Tom, Costa Pinto, Santana ... ) darão continuidade a este projecto. É também em Coimbra, em 1909 que aparece o primeiro anúncio numa revista de um profissional da Caricatura, a vender os seus préstimos para fazer os retratos-charge a quem necessitasse. Esse artista foi Correia Dias.