Wednesday, August 05, 2009

Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1903 (Raphael Bordallo Pinheiro, Manuel Monterroso… )

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

Em 1903 descobrimos novos títulos, como "O Zé", “ATroça". "O Gafanhoto" (este de humor, mas de índole infantil), e a continuação de outros títulos como ''A Paródia", "Os Ridículos", "Supl. de O Século", "O Pagode", "A Algazarra", "Os Pontos" ... Estes três últimos do Porto, cidade que continuava a dar novos humoristas, como é o caso de Manuel Monterroso.
Manuel Monterroso, numa invocação nas páginas de "O Tripeiro" do Mestre Raphael, para além de nos traçar um retrato deste, conta-nos os seus primeiros passos: «Falar de RAFAEL BORDALO, do Mestre eminente, do amigo querido, é cobrirmo-nos de recordações e saudades de um convívio e de um tempo em que a dedicação, lealdade e boas intenções se encontravam de mãos dadas, quase na vulgaridade, numa franca e sã alegria.»
«/.../ Assim falaremos apenas, e um pouco, de Rafael Bordalo no Porto, que sempre visitava com o maior interesse e contentamento; como confessou, no seu jornal ''A Paródia" (N° 134, 1902), dizendo uma vez ao despedir-se: ''Adeus! terra simples e pura onde é grato ao homem ir de quando em quando, pela vida fora, encher o cabaz de fé, confiança e de forças!"»
«Tudo isto se passava no íntimo e amigo convívio de Rafael com Emídio de Oliveira, Joaquim da Costa Carregal, Ciriaco Cardoso, Gomes Fernandes, Luís Terra Viana, Jaime Filinto, Firmino Pereira, Justino Guedes, Sebastião Sanhudo e quantos mais ainda, todos já desaparecidos, para sempre. Foi mais tarde, quando da vinda a público do seu último jornal ''A Paródia", em 1900, que, numa ida a Lisboa, com a Tuna Académica do Porto, sendo eu ainda estudante, nos primeiros anos de Medicina, tive a suprema ventura de, pessoalmente, conhecer o Mestre, a quem me apresentei, em sua casa, sozinho, sem qualquer espécie de recomendação, o que me valeu ser recebido de braços abertos.»
«Foi, pois, para mim instante inolvidável esse dia de verdadeiro encantamento e ainda mais por receber o honrosíssimo convite de colaborar no seu brilhante jornal, o que logo, com grande e natural satisfação, comecei a fazer.»
«Nas suas estadias no Porto, não faltava Rafael, ao terminar o espectáculo teatral que frequentava com a irresistível paixão de sempre, na redacção amiga de "O Primeiro de Janeiro" onde, até horas tardias, as anedotas, o seu vivo espírito, a sua graça, sempre novos, a todos encantavam e prendiam, sem cansaço (''A Paródia", N.o 104 - 1902).»
«/…/Quando terminei o meu Curso Médico (Agosto de 1902), veio Rafael Bordalo Pinheiro ao Porto abraçar-me, por tal facto lhe merecer interesse e satisfação, e assim, da sua amizade muito dedi­cada, quase paternal, fiquei devendo tão grande e gentil prova que nunca se pode esquecer, numa saudade que a sua santa memória cada vez mais acende (A Paródia", N° 135 - 1902).»
Manuel Aníbal da Costa Monterroso nasceu a 1 de Fevereiro de 1875 em Amarante. Nascido no seio de uma família de proprietários rurais e de médicos, seguiria as pisadas da família, cursando Medicina, e governando as suas terras. Contudo, a arte, como tendência intrínseca e desenvolvida na boémia portuense, levá-lo-ía a uma vida 'profissional' dupla, ou seja, na Medicina e na Caricatura. Como ele próprio dirá numa carta a Guedes de Oliveira: "faço bonecos por fazer Arte. Eu preciso fazer bonecos... tenho a sede da arte, apesar dos muitos afazeres que me esperam...
Como médico desenvolverá o seu "métier" por diversas frentes, seja com consultas particulares na sua casa de Matosinhos, onde será médico da Assistência Nacional aos Tuberculosos, Delegado de Saúde do Porto, será um dos fundadores e posteriormente médico do Instituto de Medecina Legal, Médico Especialista dos c.F.P., assim como Professor de Anatomia Artística e Higiene na Escola de Belas Artes do Porto ...
No campo do Humor, após o início de carreira em ''A Paródia", em 1902 está a colaborar com o "Faro de Viga", publicando também em ''A Brasileira", "O Vira", ''Arte'', "O Povo", "Limia", "Comércio", ''A Pátria", ''A Luz", "O Petardo", "O Primeiro de Janeiro", "O Diário de Notícias", "O Século", "O Miau" ''A Montanha", ''A Capital", ''ABC'', "Ilustração Portuguesa", "Águia", "Sempre Fixe", "Comércio do Porto", "Tripeiro" ... para além de trabalhos dis­persas na imprensa regional, ilustração de livros ... Terá obra publicada em França no "Le Rire", e no "Le Barbare", um nunca acabar de produção. A arte era como uma droga de descompressão dos afazeres médicos, e se nem sempre a veia humorística lhe dava inspiração, não tinha problemas de pedir aos amigos, ideias ou legendas que ele pudesse ilustrar.
Amigo de várias gerações de caricaturistas, exercendo muitas das vezes a 'actividade' de médico assistente (gratuita) de caricaturistas, teve como especiais amigos Raphael, que era o seu ídolo e mestre, Leal da Câmara, e Arnaldo Ressano, fazendo-se representante deles no Norte.
Possuidor de um traço raphaelista, mas com características pessoais, abordou todos os géneros humorísticos, desde a caricatura de personagens, como a caricatura política (hoje dita cartoon), a anedota ilustrada, a BD, a ilustração ... Nem sempre o seu humor é conseguido, ou de sátira mordaz, antes um ironista que auscultava a sociedade, e que transmitia em humor para a imprensa esses murmúrios, essas lamentações que ouvia do povo. Através da sua obra ficaram registada na História as caras proeminentes do norte, assim como o dia-a-dia, pre­ocupações e alegrias do povo.
No mundo da governação, um 'velho' político, João Franco, que acabava de criar um novo partido, o Regenerador Liberal, que sempre defendeu a ditadura como única forma de governar o país, perante o descalabro dos partidos do rotativismo, surge como o Messias, e desta forma será caricaturado.
É que a certo momento já não era importante a questão da monarquia, mas acabar com o esbanjamento da Casa Real, com os jogos de apadrinhamentos nos monopólios, com a falta de honestidade e linhas directoras na política nacional. Ícone deste viver, é a caricatura de José Dias por Leal da Câmara em que o apresenta como «O amigo dos republicanos, o amigo dos anarquistas, o amigo dos socialistas, o amigo dos monárquicos, o amigo dos legitimistas, o amigo dos revolucionários, o amigo dos conservadores ...» Cada um procurava deixar em aberto o seu futuro, fosse qual fosse quem vencesse, como será comum a constante mudança de casaca política ...
A política nestes dez anos foi um caminhar gradual para o fim inevitável do regime, pontuado por escândalos. A opressão intensificava-se como tentativa de suster o caminho para o abismo, como ignorar a realidade, fantasiando-a com inverdades, e a imprensa foi a mais castigada com esta hipocrisia política. Jorge Colaço, numa caricatura, retrata a sua posição de jornalista, rodeado de polícias, que lhe segredam: «Escreva o que quiser, sr. jornalista, que nós cá estamos!...»

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