Sunday, July 05, 2009

Musicas & Músicos na Galeria de Arte do Teatro Municipal de Vila Real até 31 de Julho

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

Sentidos dizem-se cinco, porém quanto mais é vivida a vida, mais sentidos se cruzam no nosso horizonte. Tacto, olfacto, paladar, visão, audição… esquecendo-se outros como o da hipocrisia, da política, do negócio, da arte, do humor… para não falar no sentido obrigatório, proibido, etc… O som não é um sentido mas, quando sentido, se transforma num deles, despoletando todo o aparelho sensorial. O humor faz sentido quando ouvimos uma gargalhada. Mas quando é um sorriso que nasce na mente humana, já necessitamos da visão para o detectar sensorialmente. Música e humor parecem campos longínquos, mas ambos dão sentido à vida e ambos são sentidos no turbilhão das emoções, dos prazeres e desprazeres, na alma e inteligência humana. A música é uma sequência lógica de sons (mesmo quando parecem ilógicos) que nos elevam o pensamento. O humor é uma sequência ilógica de pensamentos (que depois parecerão lógicos) que nos elevam ao som do prazer. São dois sentidos paralelos que se entrecruzam na criatividade e prazer humano. A música explora os sentidos, emita a natureza, recria ambiências, constrói tragédias ou comédias do quotidiano. Assim, encontramos desde logo a comicidade ligada à criação musical. Se à literatura, a letra lhe está associada, o lado cómico concentra-se primordialmente nesta. Se falamos de música pura, então esta é muito mais exigente do ouvinte, obrigando-o a uma cultura muito mais vasta de referências, de conhecimentos para que as alegorias, as paródias, as sátiras consigam ser descodificadas com hilaridade. Não podemos ter a sensação do cómico se não compreendermos a desconstrução humorística. Nada pior para um músico do que ser incompreendido, pensar que ele está a desafinar, quando está a satirizar; que não conhece a peça, quando lhe mistura alegoricamente outras partituras; que não tem conhecimentos estilísticos, quando está a parodiar… A música pode ser humorística, como se pode humorizar a música e os músicos. O músico, ao ser um personagem importante na sociedade humana, aparece retratado naturalmente nos traços gráficos de todas as épocas da história. As primeiras representações humorísticas de músicos surgem na Idade Clássica, quando também despoletava a génesis da Farsa, da comédia… Em Portugal, há músicos ilustrando pergaminhos medievais, as pedras góticas, as gravuras setecentistas… A caricatura, como retrato grotesco, sempre existiu mas só no oitocentos se impõe nesse contexto conceptual. A caricatura de imprensa é uma consequência do triunfo do liberalismo, acompanhando a explosão da imprensa na década de 30/40 de oitocentos. Influenciada pela gravura satírica francesa e britânica, no início da década de 40 vão surgindo, de quando em quando, Folhas Volantes vendidas separadamente ou encartadas em hebdomadários. É numa dessa primeiras gravuras que encontramos o primeiro músico caricatura em prelúdio inquisitorial, um violoncelista em "contra-ponto" às novas leis educacionais, um "baixo-cifrado" em ironia humorística. Como é do conhecimento de quem está ligado à caricatura, 12 de Agosto de 1847 é a data oficial do nascimento da caricatura de imprensa em Portugal, aquando do aparecimento do “Supl. Burlesco de O Patriota". A partir dessa data, este género artístico passou a ser impresso no corpo dos jornais, com periodicidade regular, e assinada por artistas nacionais. Foi um nascimento panfletário já que se vivia um período ditatorial e as oposições em guerrilha institucional. O liberalismo era um baile de dança e contradança, um baile de máscaras em que cada politico concorria com o seu melhor disfarce para manter as suas regalias de caciquismo regional e ao mesmo tempo incorporar-se no novo sistema político-social. Nas artes, o naturalismo impunha-se na nova ordem e os caricaturistas aproveitavam essa onda para enriquecer esteticamente a nova expressão jornalístico/gráfica. Entre as caricaturas naturalistas de tipos populares surgem, naturalmente, os músicos mostrando os primeiros registos gráficos de uma nova moda musical, o fado batido, o fado cantado não só entre a boémia de luxúria e marialvismo popular, mas também já nos salões sociais. O próprio príncipe D. Carlos terá lições de Guitarra Portuguesa. Entretanto chega à maturidade um jovem nado quase ao mesmo tempo que a caricatura de imprensa (1846) e que deu os primeiros passos amparado pelos mestres do naturalismo (Manuel de Macedo, Nogueira da Silva e Manuel Maria Bordallo Pinheiro, seu pai). Em 1870, contra vontade paterna, opta pela profissão de caricaturista. Raphael Bordallo Pinheiro era, não só, um artista mas uma personalidade humanística. Poderia ter sido um grande pintor de óleos, mas ele amava a vida do quotidiano, por formação e gosto era acima de tudo um cronista do seu tempo, da sociedade. Não era a política que o atraía mais, mas sim o ser humano, os seus tipos, as suas vivências. Como a política é quem molda, domina os cordelinhos de todas as marionetas do dia-a-dia, era forçado a ser também ou, essencialmente, um repórter político dos governos e desgovernos do país. Mas, sempre que podia, fugia para os mundos de que verdadeiramente gostava: as artes, as várias culturas desenvolvidas nas tertúlias, nos salões, na rua e teatros. Era um humanista que procurava todo o conhecimento possível nas áreas mais díspares, para depois as colocar ao serviço do seu traço. Não só pela força estética da sua obra se impôs como um artista genial mas por todos os conteúdos, as comparações alegóricas (esse jogo de conhecimentos e culturas), as paródias (o domínio absoluto das técnicas, dos estilos, das ideias) com que ele envolvia as sátiras, a sua ironia jornalística. Ele transbordava cultura e como pedagogo transmitia-a simbióticamente no seu traço. Em toda a história da caricatura portuguesa, nunca houve um melómano tão grande como Raphael. Nunca a música teve um cronista como ele. Serão muitas as alegorias musicais à política em que, naturalmente, refere as qualidades violoncelisticas do Rei D. Luís, da formação musical dos Braganças. Serão mais de um milhar de páginas a fazerem a crónica dos espectáculos musicais, das estreias, dos concertos entre 1870 e 1904. Fará comentários, críticas, referências a músicos, compositores, cantores das diferentes salas de Lisboa e Porto mas, fundamentalmente, do Real Teatro de São Carlos, a grande janela das vaidades do séc. XIX. Deste teatro temos o registo de todas as companhias que por lá passaram, os grandes divos, os êxitos e fracassos. Neste mundo lírico os artistas eram fundamentalmente estrangeiros e, os poucos nacionais que se profissionalizavam ou se destacavam do amadorismo tiveram a atenção dos Bordallo. Os mais importantes serão, sem dúvida alguma os irmãos Andrade (Francisco e António), e entre os maestros-compositores destacam-se Augusto Machado, Alfredo Keil… Com o seu desaparecimento, a música perde um grande caricaturista e a caricatura um grande orquestrador de ironias. No séc. XIX não foi só ele que satirizou os espectáculos musicais, pois o seu filho Manuel Gustavo, herdou também este cunho humanístico no humor e Julião Machado era também ele um homem do espectáculo que, no seu jornal “A Comédia Portuguesa”, muito bem retratou esse mundo. Sebastião Sanhudo, o cronista da sociedade portuense deixou também pequenos apontamentos de palcos. A Ópera e os concertistas pertenciam a um mundo de elite, fundeada principalmente nas ilhas do Chiado lisboeta e no S. João portuense. As caricaturas dos heróis das noites, das guerras entre claques eram retratadas nos jornais de Bordallo, mas incompreensíveis para o grande público que não tinha acesso a esses espaços lúdicos de espavento, de exibicionismo, por vezes, mais social que cultural. De todas as formas, se não podem comentar os espectáculos, sempre podem comentar as críticas e os relatos irónicos. Entretanto, já havia celebridades entre a boémia popular musical como a, já desaparecida, Severa substituída depois pela Cesária, Carolina Augusta… mas estas personagens célebres entre o povo, ainda não eram atractivas para a imprensa. Serão os espectáculos de Revista à Portuguesa, de Opereta que, ao incorporá-los, lhes dará o estatuto artístico. Estas novas expressões dramático-musicais importadas de Paris, que não exigiam uma base cultural profunda e usavam o humor, conquistavam um maior leque de estratos sociais. As primeiras celebridades destes espectáculos serão os escritores e compositores, entre os quais se destacarão Ciríaco de Cardoso e Filipe Duarte. Paris era a fonte de inspiração do cosmopolitismo da nossa sociedade. Daí se bebiam as estéticas musicais, o desejo pelas coristas emplumadas, a luxúria dos bailados, as inspirações estéticas. Claro que, por debaixo do fraque, flor à lapela, chapeu alto, continuava a subsistir o saloio Zé Povinho, mais atreito a serenatas e marialvismos; razão pela qual os fados rapidamente entram nessa estrutura, como principal aportuguesamento do espectáculo. O realismo que reinava no final do século ia sendo perturbado por sugerências impressionistas, fauvistas, expressionistas… sem conseguirem triunfar em terras lusas. Teria que ser um grupo de estudantes de Coimbra que, em 1909, desenvolvem finalmente a ruptura estética para o modernismo na linha sintética, no pensamento sintético mas, nada é simples nesta vida. A monarquia, mal dirigida pelos últimos governos monárquicos, cai definitivamente em 1910. Nasce uma República que prosseguirá o desconcerto anterior, não ultrapassando as desafinações orçamentais, impossibilitando uma orquestração harmoniosa das diferentes facções ideológicas e governativas. Coincidindo com a República, veremos surgir um novo mestre da caricatura dos palcos. Seria um modernista por opção, mas manter-se-à um naturalista por sobrevivência. Falamos de Amarelhe (1892-1946), o grande caricaturista dos teatros da primeira metade do séc. XX que, em 1912, está na equipa que funda o primeiro jornal dedicado aos teatros - “O Palco”, com publicação de caricaturas. Ele será o chargista dos dramaturgos, compositores, actores… e, como eram estes últimos os que se encarregavam de interpretar as partes musicais, acabou por ser o caricaturista dos “cantores” de sucesso da época. O seu lápis também registou outros músicos, fadistas… O fado continuava a ser um género profundamente popular, apesar de ter conquistado alguns salões burgueses ou mesmo aristocráticos. Havia músicas de sucesso retransmitidas oralmente ou algumas já impressas. Esta ascensão social levaria a que em 1910 surgisse o primeiro periódico dedicado a este género musical (“O Fado”), mas só em 1922 surgiria um (“Guitarra Portuguesa”) que incluía o humor gráfico nas suas páginas. Referi anteriormente a fados impressos. A revolução tecnológica foi uma das consequências do espírito oitocentista e esta alterará o panorama sócio-musical. A tipografia já tinha desenvolvido o comércio das partituras impressas entre os profissionais, mas agora vai democratizar-se ainda mais pelos pequenos salões burgueses ou para simples desfrute do amador. Antes, uma música tinha sucesso quando era aplaudida no palco e, eventualmente, trauteada depois pelos ouvintes na rua, mas agora esse sucesso vê-se também (ou ainda mais) na quantidade de partituras vendidas e executadas nos salões sociais, nas casas particulares. O compositor ganha mais um recurso económico de sobrevivência. Contudo, um papel, a partitura é apelativa pelo seu nome, pelo nome do compositor, mas no meio de muitos outros papeis/partituras necessita de atractivos visuais e aí entram os capistas, com maior sucesso os humoristas que criaram grafismos chamativos. Os mais destacados ilustradores de capas de música foram os caricaturistas Amarelhe, Stuart Carvalhais, Carlos Botelho, Almada… A outra revolução tecnológica foi o registo fonográfico. Neste campo, não é apenas o sucesso da composição que está em jogo, mas a do intérprete que se liberta das paredes da sala de espectáculos e invade os lugares mais íntimos da sociedade. O esterlato dos interpretes ganha uma nova dimensão, democratizando-se e abrangendo todos os géneros musicais. Outras tecnologias se vão desenvolvendo como as emissões radiofónicas (na década de 20/30) que democratizará ainda mais o acesso à música, à divulgação dos géneros de cunho popular. Outra novidade do séc. XX é o cinema, primeiro mudo (o que não impediu que se fizesse uma película chamada “Fado”) e, finalmente, sonoro que (à semelhança dos EUA) teve como primeira película, com som, um musical – “A Severa (1931), seguida por outras como “A Canção de Lisboa” (1933)… Mais uma vez, o fado tem um papel importante aqui. Todos os caricaturistas de imprensa terão, uma ou outra vez, a sua incursão pelo anedotário musical, pela caricatura de intérpretes que se destacam no momento ou por alegorias satíricas. O Fado manter-se-á como o principal inspirador dos humorismos. No campo da política, a demagogia foi-se alastrando como um triste fado deste povo à beira-mar se lastimando. Os políticos lá continuavam nas suas danças de salão, sem se entenderem no ritmo próprio para o momento duvidando entre a “valsa” retrógrada, o “tango”, o “fox-trot” modernista… Incomodados com estes jogos de contradança, os militares revoltam-se, implantam uma nova ditadura consolidada sob a batuta de Oliveira Salazar, o qual impõe partitura única, ritmo sem sincopas, anacruzes ou outros contratempos que perturbassem a melodia lânguida das terras lusas. O Fado é a Canção Nacional que o novo regime procurará manter como bandeira de um povo lamuriento e chorão, mas submisso na dolência das cadências em tom menor e românticas. Neste Estado Novo, uma figura se vai impôr como regente da cultura nacional: António Ferro que ao idealizar um país cosmopolita, avançado, se inspira no fascismo italiano para criar uma cultura estruturada em esquemas bem definidos e propagandísticos de um nacionalismo predefinido – a Política do Espírito. Era um vanguardista, um homem de ideias ousadas que conseguiu por em campo muitos dos seus ideais, soube reunir à sua volta muitos dos vanguardistas mas, ao ser porta-voz de uma ditadura, ao ser um cúmplice das censuras e demais pressões políticas, acabou por também ser um castrador de liberdades e expressões. Uma das principais vítimas da opressão seria ele próprio, afastado por Salazar quando as forças mais conservadoras conseguiram ter mais força junto do ditador. Dividiria a cultura em Alta-Cultura e Cultura Popular e Espectáculos. Nesta, a música de raízes folclóricas terá, no início, a sua base fundamental. O Fado apesar de ser essencialmente lisboeta, foi imposto como Canção Nacional dando relevo às principais vozes onde Amália Rodrigues terá um papel fulcral na internacionalização desta imagem de nacionalidade Portuguesa. O teatro de Revista, apesar de eventualmente incomodo, porque humorístico, satírico irónico com alguns poderes e ideias conservadoras, servia como descompressor de irreverências controladas da sociedade. No campo da música, este género de teatro servia para sustentar muitos músicos, maestros, compositores e servia como rampa de lançamento para cantores e cantadeiras do fado (e não só). Daqui saíram muitos sucessos e grandes carreiras musicais. A caricatura foi acompanhando estas actividades, primeiro essencialmente na pena de Amarelhe, depois na de Manuel Santana, o Pacheco e, finalmente, Jorge Rosa. É certo que outros artistas lhe fizeram alusões (mais Fernando Bento, Júlio de Sousa, Pragana…) e por lá se passearam de vez em quando, contudo aqueles artistas eram especialistas do Parque Mayer. Stuart raramente caricaturou cantores, mas fez muitos desenhos alusivos ao mundo boémio dos artistas, da filosofia fadistica. O mesmo não aconteceu no universo folclórico. Era uma política dispersa pelo país, estruturante da cultura das aldeias, do interior. Os ranchos folclóricos serviam como aglutinador cultural de tradições locais, saneadas de irreverências mais agressivas e prontas para representarem o seu povo. Foi uma forma do governo controlar a Festa e, aí os caricaturistas nunca encontraram inspiração. A Emissora Nacional, a rádio oficial do estado foi fundada em 1935 e será um dos principais veículos da standartização da música popular. Uma das criações de António Ferro nesta indústria radiofónica, foi a do Centro de Preparação de Artistas da Rádio que, lá para os anos quarenta, dará os seus frutos, substituindo o Fado pela Canção, os fadistas pelos cançonetistas, os amores trágicos por amores mais tristemente românticos. Para preencher as emissões realizavam-se “Festivais Nacionais de Rádio”, “Serões dos Trabalhadores”, para os quais era necessário formar pessoal. Entretanto, a “Alta-Cultura” também era moldada por António Ferro, incentivando os Conservatórios, dando bolsas de estudo para o estrangeiro, encomendando partituras nacionalistas aos nossos compositores. A criação da Companhia de Bailado “Verde Gaio” foi uma ponte entre as duas culturas já que era o bailado clássico a explorar o universo folclórico, de uma forma codificada, estilizada, adaptada esteticamente para públicos mais eruditos. Era o “marketing” a vender a cultura nacional, em embalagem plastificada pronta a servir. Apesar de vários aspectos negativos, não deixou de ter o seu valor e de criar novos públicos para o Bailado. Todo este esforço parece concentrar-se num acontecimento especial, as Comemorações do Tricentenário da Independência Nacional em 1940. A Exposição do Mundo Português foi o palco para a música de cunho popular, onde os folclorismos ganharam espaço como convidado principal. No campo da Alta-Cultura tudo se vectorizou para a recuperação física e organizacional do Teatro Nacional de São Carlos (à deriva desde a implantação da República). Depois do grande restauro foi re-inaugurado com ópera, concertos e bailados encomendados para a efeméride. Tal como tinha acontecido com a grande cantora Luísa Toddy, também um dos maiores tenores portugueses de todos os tempos, Tomás Alcaide, nunca cantaria neste palco lírico, em parte por sua carreira se ter passado essencialmente quando o Teatro estava fechado. Em 1945, ficou encarregue de criar a “Escola de Corpo Coral” do Teatro de S. Carlos, donde sairia o Coro desse espaço cénico. Em 1943 com as comemorações dos 150 anos do Teatro, re-iniciam-se as temporadas líricas regulares, impondo este Teatro como um dos principais palcos do mundo e, por onde passaram todos os grandes cantores e maestros da segunda metade do séc. XX. Recuperou-se o espaço lírico e o espaço social da elite, a montra das vaidades. Alguns cantores nacionais conseguiram conquistar aqui o seu lugar, como Natália Viana, Guilherme Kjolner, Hugo Casais… os Maestros Pedro de Freitas Branco, Maestro Silva Pereira; mas os elencos eram, basicamente, de figuras de relevo do universo lírico internacional. Eram tempos de grande actividade musical que poderão ser em parte revistos nos Ecos da Semana, a rubrica satírica semanal de Carlos Botelho (que, para além de artista plástico era um excelente violinista amador) no Sempre Fixe. Botelho, sempre que podia dava pequenos apontamentos sobre esses espectáculos, sobre essas actuações em salas como o S. Luís, o Teatro Tivoli, o Coliseu… de músicos como o violinista Vasco Barbosa, a pianista Maria Lebeque, os cantores Lomelino Silva ou Arminda Correia… organizadas pela Sociedade de Concertos de Lisboa, Círculo de Cultura Musical, Juventude Musical Portuguesa, Academia de Amadores de Música, Universidade Popular e outras organizações ocasionais. No campo lírico, para além do Teatro de São Carlos, a partir de 63 há a Companhia Portuguesa de Ópera da FNAT (donde saíram grandes cantores como as irmãs Elsa Saque, Zuleica Saque, Elisette Bayan, Ana Lagoa, Teresa Barbieri, Helena Cláudio, Hugo Casais, Luís França, Álvaro Malta, Armando Guerreiro, João Rosa, Carlos Jorge, Carlos Fonseca…) e no Porto, a partir de 66, o Circulo Portuense de Ópera. Na cançoneta, a alteração tecnológica das 78 rotações para o Vinil de 45 deu novas facilidades de registo e a fundação da editora “Alvorada” no Porto criou novas condições de divulgação dos cantores e músicos, não só no fado, como nos outros géneros. Um dos sucessos dessa época eram as vozes líricas a cantar música ligeira, com especial relevo para os tenores como Alberto Ribeiro, Luís Piçarra, Guilherme Kjolner… Projectadas pela rádio (e algumas pelo cinema) ficaram famosas a Maria da Graça, Milú, Irmãs Meireles, Maria de Fátima Bravo, Maria José Valério, Maria de Lourdes Resende, Júlia Barroso, Maria Clara… e nos homens, Tristão da Silva, Ruy de Mascarenhas, Tony de Matos… e tantos outros. Entretanto em 1957 a Televisão inicia as suas emissões, criando-se mais um veículo de difusão musical, o qual com os seus programas de variedades e com os Festivais da Canção da Eurovisão, desenvolverá as rivalidades entre as estrelas, os fãs, as claques. As guerras que, no séc. XIX, se viviam dentro das salas de teatro, transbordam agora para as casas das pessoas, para a imprensa da especialidade, incentivando a corrida às publicações que falavam das vidas intimas das estrelas, e à compra dos discos, aos espectáculos… Novos nomes (alguns deles vindo da tal escola da Rádio) são então consagrados como António Calvário, Madalena Iglésias (o cinema explora este filão de celebridades), Simone de Oliveira, Artur Garcia, Alice Amaro, Tonicha, Paulo de Carvalho… Isto não significa que o fado morreu. Subsiste, luta pelo seu espaço com Amália Rodrigues sempre a encabeçar a popularidade, mas ombreada por outras não menos dignas mestres cantadeiras e cantadores de fado como Carlos Ramos, Alfredo Marceneiro, Berta Cardoso, Maria Teresa de Noronha, Hermínia Silva, Fernando Farinha, Fernando Maurício, Lucília do Carmo, Manuel de Almeida,… O teatro de Revista continuava a impor o fado como um dos momentos altos do espectáculo e, actores como Ivone Silva, José Viana… mantinham acesa a chama musical nessa pequena ilha teatral do Parque Mayer. Muitas vezes com uma pitada de humor. O humor e o fado tiveram ao longo do séc. XX alguns arrufos e amores desavindos, “porque há sempre alguém que diz tem cuidado” não adulteres o sentimento fadistico de tristeza, de sofrimento mas, por outro lado, há sempre quem goste de satirizar esses exageros, esse lado mórbido e fazer rir, alegrar os ouvintes. Contudo esse fado é sempre escondido, mal aceite pelos puristas. Novos nomes vão surgindo no fado como Cidália Moreira, Maria Armanda, Carlos do Carmo, João Braga, João Ferreira-Rosa, Teresa Tarouca, Beatriz da Conceição, Maria da Fé, as várias gerações dos Câmara… No fado fala-se sempre nos cantores, esquecendo os músicos acompanhadores, especialmente os mestres da guitarra portuguesa, instrumento fundamental da sonoridade do nosso fado, por isso, seria ingrato não referenciar alguns dos mais importantes guitarristas como o Armandinho, José Nunes, Jaime Santos, Raul Nery, José Fontes Rocha, Carlos Gonçalves, Pedro Caldeira Cabral, José Luís Nobre Costa, Ricardo Parreira, Paulo Parreira ou Ricardo Rocha. O fado é agora também, e fundamentalmente um cartaz turístico, uma imagem do Portugal típico. Nesse mundo de boémia musical gostaria de destacar Júlio de Sousa, um genial artista, escritor e compositor de fados, figurinista, escultor, pintor e caricaturista de fino traço também ele sempre atento a todos os palcos. Também o caricaturista Jorge Rosa era escritor de fados. Outro fado existe desde o séc. XIX, com pequenas especificidades na afinação, desenho da guitarra portuguesa e na forma de cantar (por tradição apenas cantada por homens com uma afinação tenoril), o fado da cidade dos estudantes, o fado das serenatas, o fado de Coimbra. Grandes nomes foram Menano, Edmundo Bettencourt, Almeida Bessa, Luís Goes… Guitarristas como António Portugal, Artur Paredes… Era na essência uma canção de tristezas, de amores perdidos, contudo na década de sessenta, com as Crises Académicas (de 61 e 68), os estudantes sentiram necessidade de se exprimir de outras formas, com outros conteúdos poético-ideológicos. A irreverência estudantil infiltrou-se no fado de Coimbra principalmente através das vozes de Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira. Integrado neste movimento Coimbrão, está o grande mestre da Guitarra Portuguesa Carlos Paredes (filho de outro mestre, Artur), que não necessita de palavras para exprimir a sua posição perante o regime. É a sua postura, a sua actuação virtuosa de músico que o impõe como um ícone de luta pelo movimento perpétuo da liberdade. Artista não alinhado, sempre houve, já que o estatuto de artista enquadra em si uma certa irreverência e distanciamento dos regimes impostos. As pequenas salas de concerto, as tertúlias artísticas eram focos de oposição e uma figura destacada desse desalinhamento seria Fernando Lopes Graça, um compositor e activista que, com Michel Giacometti, fizeram um intenso trabalho de investigação das raízes da música tradicional, compilando o verdadeiro “Cancioneiro Popular Português”. Fez um vasto trabalho de composição, donde se poderiam destacar “As Canções Heróicas” que foram um símbolo de resistência, de liberdade, de expressão do pensamento de todos os que eram contra o regime. A Academia dos Amadores de Musica, à qual o Maestro estava ligado foi um baluarte de luta, assim como a Juventude Musical Portuguesa onde o grande pedagogo João de Freitas Branco, exercia uma missão muito importante de dinamização cultural (extensivo aos seus programas radiofónicos e depois como Director do Teatro de S.Carlos). O Hot Club, num género musical que ganhava aos pouco, os seus admiradores, foi outro pólo de dinamização de novas atitudes culturais, no qual Luís Villa-Boas (trabalho continuado nos Festivais de Jazz de Cascais, nos programas de rádio…) exerceu um ministério muito relevante. Como curiosidade, este Clube de Jazz conseguiu as autorizações necessárias para abrir, graças à mestria de um grande cartoonista português. João Abel Manta falsificou uma série de assinaturas de personalidades do regime, o que fez passar os papéis rapidamente na burocracia pidesca. Muito pouco disto trespassou para o desenho de humor na imprensa, por um lado por aquelas figuras serem tabu, por outro porque o humor gráfico tinha sido confinado cada vez mais para o anedotário inócuo. Os aspectos melhor retratados foram os televisivos, os Festivais da Canção, nas revistas da especialidade como “Plateia”, “Rádio & Televisão”… principalmente pela pena do caricaturista Zé Manel. A música como oposição no campo mais vasto da sociedade, foi dominada, como já referi, pelos Cantautores que se inspiraram no movimento de Coimbra. A Guerra Colonial, a oposição ao regime levou que muitos jovens fossem para fora, principalmente Paris, terra escolhida por milhares de emigrantes que procuravam melhores condições de sobrevivência. Aqui, Luís Cília abriria um novo canal de oposicionismo ao editar em 1964 o seu disco “Portugal-Angola: Chants de Lutte”, logo seguido por toda essa geração que ficará conhecida como cantautores (compositores das suas próprias canções): Manuel Freire, José Mário Branco, Sérgio Godinho… depois em Portugal: Vitorino, Fausto, Carlos Alberto Moniz, José Barata Moura, Francisco Fanhais, Samuel… Cúmplices deste movimento de expressão “livre” seriam poetas como Manuel Alegre, José Carlos Ary dos Santos, Manuel da Fonseca, Carlos Oliveira, José Gomes Ferreira, Daniel Filipe… Quando o grupo de capitães se movimentou para dar a estucada final no regime caduco, usou a música como senha e contra-senha. Naturalmente, a escolha caiu em Zeca Afonso na canção “Traz outro amigo também”, só que esta estava no índex censório da Rádio Renascença, a única emissora que cobria totalmente o país sem interferências, e como tal não podia ser tocada. Como segunda opção, fizeram passar como preparação na Rádio Clube Português a canção vencedora do último Festival da Canção – “E Depois do Adeus” interpretada por Paulo de Carvalho e, finalmente, como senha da revolução a canção “Grândola Vila Morena” (que não estava interdita) de Zeca Afonso, na Rádio Renascença. “O povo é quem mais ordena” – ingenuidades da canção mas, pelo menos, foi instalada a democracia e a música continuou a ser a expressão de ideias, de pensamentos, de sentimentos livres, abrindo as portas do país a outras estéticas do mundo e desenvolvendo, no próprio país, artistas de outras músicas. O Fado continuou a ser um género de sucesso através dos clássicos e com novas vozes, novas abordagens. Os cantautores desenvolveram-se para novos estilos, novas mensagens e estéticas. A paleta é total desde os mais populares (carimbados pejorativamente como “Pimbas”), aos grupos de intervenção etnográfica; do pop ao rap, dos blues ao Rock and Roll, do tango ao Jazz… é injusto fazer listagens, mas há nomes incontornáveis como Rui Veloso, António Variações, Júlio Pereira, Janita Salomé… os Trovante, GNR, Xutos e Pontapés, Silence 4, The Gift… Todos os grandes músicos internacionais têm Portugal na sua rota de digressões e os festivais são o exemplo vivo dessa dinâmica musical. A música erudita não tem tanto espaço como nos anos dourados de 50/60, mas sobrevive razoavelmente bem com excelentes músicos profissionais portugueses em todos os campos e com algum espaço para os jovens compositores que conseguem ver as suas obras executadas. Com o desaparecimento de Jorge Rosa e do Parque Mayer deixou de haver caricaturistas especializados nas figuras dos palcos, apesar de Vítor Sá Machado e Rui Pimentel serem eles também artistas com obra cenográfica, aderecistica e cartazistica de espectáculos. Mas, mesmo que quisessem, os jornais não dão espaço para essas deambulações humorístico-culturais. Humor, só politico e, mesmo esse… politicamente correcto, claro.

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