Tuesday, June 09, 2009
Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1899
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Chegava ao fim um período humorístico por cansaço, e por o editorial que fez nascer este jornal já estar ultrapassado. A vida política e social tinha-se alterado profundan1ente, não só pelo desaparecimento dos velhos políticos, assim como pela própria alteração da sociedade. O progresso, apesar de todas as críticas ao rotativismo, e todas as jogadas economicistas. em que Burnay estava sempre presente, era urna realidade. Os Caminhos de Ferro iam-se implantando. encurtando as distâncias. A Indústria ia-se implantando, assim corno urna classe proletária que enriqueceria as fileiras do anarco-sindicalismo ... Apesar da continuação do espírito censório da sociedade portuguesa, esta maquina tornou-se laica, e o anti-clericalismo ia-se desenvolvendo, retirando o monopólio do ensino às entidades religiosas.
No campo político, se as finanças estavam de mal a pior. e o orgulho nacional espezinhado, apenas a criação de heróis poderia dar algum alento à alma pátria. Se antes já Capelo e Ivens tinham galvanizado o mundo português, neste ano o triunfo de Mouzinho de Albuquerque sobre os Vátuas e o aprisionamento de Gungunhana, dava-nos a nova sensação de Império. A monarquia procurava então a sobrevivência, e nada melhor que um herói como preceptor dos Príncipes, destino que foi dado a Mouzinho. O triunfo de Mouzinho é maior já que esta vitória é uma afronta às pretensões imperialistas dos nossos «amigos» Ingleses, que nos querem açambarcar as colónias de Angola e Moçambique.
Em 1899, devido à Guerra Anglo-Boer (na África do Sul) os Ingleses procuram não hostilizar os Portugueses, inclusive tentam reafirmar a velha aliança (Tratado de Windsor), tendo como contrapartida que Moçambique não sirva de apoio aos Boers, antes de ponto de passagem de tropas inglesas. Naturalmente a oposição republicana, e caricatural, fez campanha contra estas alianças que nos mantinha sob a alçada inglesa. Os Republicanos nas eleições legislativas de Novembro conseguem eleger pelo círculo do Porto os deputados Afonso Costa, Xavier Esteves e Paulo Falcão; contudo, o tribunal anulará arbitrariamente o escrutínio. Porém, na repetição eleitoral de Fevereiro de 1900, estes deputados voltarão a ser eleitos ...
Entretanto, se Raphael tinha terminado com o “António Maria", tinha começado a colaborar com outras edições, ou seja, correspondido a pedidos de outros periódicos, essencialmente para Suplementos do "Diário de Notícias Ilustrado" (que são os mesmos Suplementos de"O Comércio do Porto Ilustrado", de "O Século ..... capas e interiores de livros ...
Partem uns, chegam outros. Quem regressa em 1899 às terras pátrias, é Celso Hermínio, após dois anos de sucesso no Brasil. Leal da Câmara parte, mas de Madrid envia trabalhos para o recém criado "O Diabo" (1ª a Série de 1/5 a 4/6/1899) dirigido por Diamantino Leite, que na segunda série (6/8 a 17/9/1899) conta também com a colaboração de Leal da Câmara, Alonso e João Constantino.
Neste ano o monárquico "Charivari" (desaparece a 29 de Abril; haverá uma segunda série em 1914) dá os últimos estertores com o lançamento de "O Grande Charivari" (número único de 6 de Maio). A substituí-lo surge "A Algazarra" que viverá até 1906, mantendo ilustradores corno Joaquim Maria Pinto. Sirnões Júnior, Constâncio Silva, mas captando novos artistas como Diamantino Leite, Penteado, João Constantino. e fundamentalmente apresentando as primeiras obras de Armando de Basto ... Sairá também uma publicação humorística de nome "Soirée de Gaudêncio" ...
Celso chega, lança de imediato "A Carantonha" (29;7 a 20/10 de 1899) em parceria com o seu irmão Dércio Carneiro, que surge como Editor. Eis o seu manifesto de «PROFISSÃO DE FÉ. DE ESPERANÇA, E DE CARIDADE - Este jornal apparece n' um momento em que a vida portugueza parecendo entrar em uma phase nova, precisa ser esmiuçada, explicada e commentada, a traço e a lettra redonda, por quem o possa fazer com bom humor, com verdade. e com independência. »
«Poderemos nós faze-lo ? Vamos a ver. Talvez, a nosso modo.»
«A caricatura é, positivamente, de todos os processos de crítica estabelecidos e seguidos até hoje, o que resultados melhores tem dado no sentido da correcção dos costumes. Só na presença de um completo scepticismo, da sciência absoluta e do respeito universal, deixaria de existir, um dia, este sentimento que, manifestado pelo riso, uma parte da humanidade tem da grotesca desharmonia que se dá nos actos e nas relações da humanidade inteira. Só n' esse dia, quando fosse possível explicar todas as anomalias por um mechanismo cosmico, é que o riso deixaria de existir.»
«Ora, bem longe d' esse dia estamos nós, a julgar pela impetuosa e incontinente vontade de rir que, por nossa parte, sentimos. Queremos rir, vamos rir.»
«Mas, para este bom exercício dos músculos zygomaticos, escolheremos sempre, de preferência aos indivíduos, o pretexto que nos proporcionem os grandes factos e as ideas geraes.»
«A maior difficuldade que sentimos no programma intimo de troça, que gizamos para nosso uso e governo, é a do propósito em que nos achamos de não provocar desordem, mas de modo que, sem desobedecer ás leis nem ás auctoridades, guardemos o pulso livre para desrespeitar umas e outras, sempre que umas e outras nos não mereçam respeito.»
«Tememos a Policia e odiamos a Querella. esta previa declaração, que muitas vezes justificará o nosso riso amarello, serve também para dispensar-nos, á entrada, da costumada profissão - de má fé.»
«Ninguém queira ver em nós uns pamphletários; quem quiser aceitar-nos, dar-nos a mão, estar ao nosso lado, terá de considerar-nos, simplesmente, uns trocistas.»
«Que ninguém tente instigar-nos a qualquer movimento sedicioso, nem se lembre de nós para chefes de revolta. Dado o propósito em que estamos, e as condições que nos regem, a termos de arredar d' ellas um passo - só para chefes de repartição ...»
Naturalmente a polícia, o Juiz Veiga não acreditavam nesta profissão de fé, principalmente vinda de um artista que já tinha dado provas de 'irreverência revolucionária", de ser incómodo para o regime. Viviam-se tempos de suspeição, com fuínhas em todas as esquinas, de suspeita de revolta em todos os ajuntamentos de pessoas ... O editorial do nº 2 refere - «O primeiro número da Carantonha foi apprehendido em mão dos vendedores ambulantes, e rebuscados em todos os Kiosques, tabacarias e mais logares do costume. Por que razão ? Ninguém o sabe, nem mesmo o sabe a Polícia ... »
Claro que sabia, já que logo no primeiro número atacava o Rei, e consequentemente o jornal teve vida curta. Mas curiosamente, se a Censura estava mais acérrima, mais intolerante, Celso vinha do Brasil menos acérrimo, mais tolerante, mais maduro, e a sua sátira é menos feroz, mas mais inteligente. Atacará cada vez menos os políticos, para atacar as instituições, e principalmente nos dar a sua imagem da decadência social que se vivia, com obras amargas da realidade social, dos tipos que subsistiam no nosso país. Obras primas do seu lápis são as figuras típicas, as figuras das ruas... que depois se prolongarão nas suas criações para o Diário de Notícias....
Este fim de século marcava o fim de uma época, para se preparar para uma nova era, e um novo século. Os revolucionários satíricos estão 'amestrados' - Leal exilado, Celso querelado e apaziguado; Raphael doente, e ausente da imprensa ...