Friday, May 08, 2009

O Zé Povinho e a Caricatura portuguesa

Por: Osvaldo Macedo de Sousa
(Encontrei este texto antigo, e apesar de ter sido deslocado do seu contexto, acho que pode ser eventualmente interessante...)
O que distingue o Zé Povinho de Raphael Bordallo Pinheiro, de outros ícones satíricos criados por artistas de outros países, é que eles criaram um símbolo da nação, do império e é nesse contexto que devemos ver o John Bull, o Tio Sam, o Urso russo. Raphael criou um símbolo do povo, entronizando-o ironicamente como soberano. É o liberalismo, e republicanismo como utopia em que o estado deveria ser o povo. Os outros criaram símbolos heróicos, enquanto nós fizemos triunfar um anti-heroi.
O Zé povinho, como já vários historiadores fizeram notar, nem sequer tem direito a um nome de gente, mas um diminutivo. e Não é povo, antes povinho, um candidato, alguém que eventualmente crescerá e impor-se-á como povo.
O que se passa, passado um século é a mesma ambição, ou seja o povo continua a ser Zé, Zé Maria, Zé Cabra... continua a viver o sonho de ser povo, de ser português, de ser europeu...
O mais trágico, é que enquanto os outros ícones satíricos perderam força com a história, transformando-se com novas roupagens de modernidade, o nosso Zé manteve-se enquistado no tempo, na mediocridade, razão pela qual permanece actual, e os caricaturistas continuam a utiliza-lo com todo o êxito que teve desde as suas origens.
O mais grave é que hoje ele não é um ícone, mas antes um logótipo do nosso país. Ele manteve-se no tempo. As técnicas de comunicação, os conceitos evoluíram, e o símbolo de um projecto sociológico, transformou-se em imagem global de um país. Apresentamo-nos como anti-herois, num anti-país em anti-progresso.
Se o "boneco "Zé Povinho" como logótipo mantém-se vivo e actuante, paralelamente outros artistas procuraram criar os seus anti-herois satíricos, como forma de expressarem a sua ironia, a sua sátira de cunho fadístico e deprimente. Os novos zé povinhos do fim do século XX e do séc. XXI, se já não andam de albarda, se já não sonham com a revolta, com o derrube do regimem, permanencem com a bonomia do burro saloio: teimoso, persistente, e trabalhador. Se Raphael era senhor absoluto da filosofia satírico política, hoje esse papel não é do autor mas dos seus anti-herois.
É a esperteza saloia transformada em filosofia. Hoje os novos anti-herois, começando no Guarda Ricardo, passando pelo Cicatrizante, Cão Traste, Bronkas, Bartoon, Barba e Cabelo, Diogenes, Portugal pr'a frente... são filósofos do quotidiano, que numa visão desconstrutiva da monotonia, nos dão uma "outra perspectiva" da vida, nos obrigam a passar para o outro lado do espelho, e confrontar-nos com a nosso modorra, com a nossa passividade, com o nosso conformismo de povo logotipizado em "Zé povinho". E com um esgar de sorriso, sobrevivemos ironicamente.

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