Tuesday, February 03, 2009

Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1890

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

No primeiro número dos "Pontos nos ii" de 1890, Raphael dá "Um Alvitre", ou seja, O Cognome do "D. Carlos I - o último". Não foi o último, errou por dois anos e por um rei. Logo a seguir a Inglaterra envia uma carta, onde o seu Governo declarava ao nosso que «não considerava satisfatórias ou suficientes as seguranças dadas pelo governo português.... O governo inglês deseja e insiste que sejam dadas instruções telegráficas ao governador de Moçambique para que todas as forças militares portuguesas no Chire e nos países dos Macololos e Machonas se retirem. /... / A não ser obtida uma resposta satisfatória à precedente intimidação, na tarde deste mesmo dia, o representante diplomático inglês retiraria de Lisboa com todos os membros da sua delegação...» É o Ultimatum, ao qual o governo português cede prontamente.
Assim, em nome da velha aliança e amizade a velha rainha Vitória deu uma oportunidade do povo português criar algum orgulho nacional, e cavar a cova à monarquia. Dizia-se na altura, que tínhamos terras em África, mas na realidade só as tínhamos de nome, e a maior parte dos portugueses nem sequer sabiam: «Onde fica Chiloma (ocupada pelos ingleses) - Governo: Pois não sabemos onde fica a tal Chiloma!»
«Zé Povinho - Não sabeis, portugueses, ministros, legisladores! Chiloma fica aqui (no coração)... Quando a haste da bandeira inglesa foi cravada n'esse ponto do nosso território africano, senti no meu coração como que o entrar d'um punhal. Vós não sentis, mas Chilomae fica aqui !...» (no coração do Zé) (Almeida e Silva, in "Charivari" 22/3/90)
Perdeu-se então um sonho cor-de-rosa, como o são todas as nossas saudades, daquilo que afinal nunca realizamos. O Ultimatum tirou-nos tal sonho, o Mapa-cor-de-Rosa, mas deu-nos as Colónias, definindo-lhes finalmente as fronteiras, assim como assunto para as discussões, as grandes tiradas dos oradores da oposição de botequim.
«Rugia o País o seu indignado protesto /…/ no fundo da sonolenta indiferença nacional. O pendão das quinas, as glórias dos antepassados, algumas esquírolas dos ossos de Vasco da Gama e de Camões, e uma forte reserva de urros patrióticos, constituíam o menu servido na fluente discursarra dos oradores de toda a espécie que lembravam ao estonteado portuguesinho valente, que se descobrira o Brasil, se dobrara o Cabo Tormentoso e se fora, ali à Índia, como o bom burguês costumava a ir... à missa» (Cristiano de Carvalho in Revelações 1932
Assunto de tertúlia de café, escrita de hinos (que hoje ainda insuflam os ânimos guerreiros de "Às Armas" !!!) ...
O patriotismo levantou voz contra o roubo, contra a infâmia, e principalmente contra os que desta forma perturbavam a nossa apatia intrínseca:
«Aqui lhe trago, senhor Juiz, este marujo bêbado, que anda pelas vielas do mundo, em nome da phylantropia, a praticar toda a casta d' infâmia, desde a invasão alheia, até ao tráfico da escravatura. Há três séculos, que a título d' amizade, este malandro célebre me expolía de territórios que eu avassalei e descobri, e que ele procura, em armadilhas de Judas, concitar-me a demandas, onde calcula que eu possa vir a perder alguma parcela do mundo que ainda se enfeuda no meu património.» (M.G.B.P. in "Pontos nos ii" 18(7189)
Clamavam então contra o John Bull, contra a monarquia, contra o Governo, procurando cada um valorizar o que mais lhe convinha: «Zé Povo - Então, sr. Serpa, que resoluções toma a respeito da infame e traiçoeira ocupação do Chire pelos Ingleses ? »
«Serpa (António Serpa formou governo após demissão do governo de José Luciano que se submeteu ao Ultimatum) - Nenhumas, meu caro Zé ! demais, bem sabes que outras coisas de maior vulto me preocupam neste momento. Aquele caldeirão (de carneiro com batatas) que acolá vês precisa de ficar bem temperado. É d'ele que eu espero a salvação da pátria. »
«Zé Luciano - Olha, Zézinho, isso foi uma afronta inqualificável ! Mas aqui tens o remédio, a desforra vota n' esta lista nas próximas eleições, e depois nós cá estamos!... »
«Zé Povo - Compreendo-vos, políticos do meu país. Eleições, eleições, e a pátria, essa que se governe !... Oh! Um dia que não vem longe se ajustarão as contas, e aí! dos culpados! »(Almeida e Silva, in Charivari 23/3/90).
Devido aos tumultos, a censura torna-se mais implacável, a polícia mais activa contra os republicanos, e demais oposição.
Na imprensa nascem, e desaparecem "A Risota" e ''A Caricatura". No "Charivari" M. Pinto substitui Almeida e Silva, o qual se retira para Viseu.
Sanhudo, após o fracasso de "Piparotes", regressa com uma nova série de "O Sorvete". "O Sorvete - diz o seu editorial de 19/1/90 assinado por João do Ó «continua a manter na sua mão Ill'me o programma que inquebrantavelmente sustentou sempre: não vira a casaca em política porque elle é, foi e será sempre tão progressista pelo menos como o snr. Josaé Luciano; mais regenerador do que o snr. Hintze; em esquerdismo não cederá ao próprio snr Barjona; e, se não é chefe do porto-franco, nem por isso deixa de abundar nas ideias d' este semi-partido e ser d' ellas mais extremnuo defensor do que o illustre cantor dos Sons que passam.»
«Em resumo: seremos um poucochinho mais monarchicos do que o snr D. Carlos mas em republicanismo nada temos a invejar ao illustre tribuno Magalhães Lima Robespierre.»
«As nossas opiniões políticas são immutaveis e seremos sempre correligionário de antes quebrar que torcer.»
«/ ... / hei-nos de perna em riste couraçados de chistes, flamantes de graça, a caburro no rocim da Piada-fina. Trema a Invicta de Paranhos à Ribeira! E tu redondo burguês, pio e pagante leitor, manda reforçar os cós das calças».

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