Monday, December 22, 2008

Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1887 - Fontes Pereira de Mello e Raphael

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

Em 1887 surge no Porto o jornal "O Dragão", um jornal que conseguirá reunir um alargado leque de colaboradores, como o Gil, Braz, E. Castro, Raul, Albatroz, Pedro Selvas, que tinham como elo comum a falta de qualidade estética e humorística. Por seu lado, desaparece no Pano a 5 de Junho "O Sorvete" após 9 anos de vida, a existência mais longa de um periódico humorístico até então.
Em Janeiro deste ano morre subitamente António Maria Fontes Pereira de Mello "quem tudo rege, ordena e manda" (RBP in António Maria 617/82). Fontes foi o centro, foi a fonte de inspiração, de ironia, foi o "deus político", o "Santo António de Lisboa", a espinha atravessada na garganta do Zé, foi o político que mais humor e caricaturas originou nestes principio da historia do humor gráfico.
Iniciando a sua carreira como deputado, passaria por várias pastas ministeriais, até ocupar todos os lugares pos­síveis da governação: «O Homem dos Sete instrumentos - Admirae-o, senhores. Elle toca a presidência da Câmara dos pares com os queixos; toca a presidência do supremo tribunal administrativo com a cabeça; toca o generalato com os punhos; toca a governação do credo hypothecário com a testa; e toca o poder oculto com o nariz» (RBP, in António Maria 23/6/1881). E no final não passava de uma «velha raposa matreira» (Sebastião Sanhudo, in O Sorvete 28/2/86).
Ser humorista, ou ser político é um destino de ódio e admiração. O humorista é obrigado a buscar a sua fonte satírica na governação, ou desgoverno, no político matreiro, o que nunca impede de admirar o homem.
O político é obrigado a ser velha raposa, para poder sobreviver no Poder, e odeia o humorista que o desmascara, que satiriza os seus pensamentos mais profundos, que faz dele a fonte do riso da oposição, que faz dele o bode expiatório de todos os males sociais. Mas o político também admira o caricaturista, porque o celebra como homem de Glória...
Raphael e Fontes foram um contraponto de critica e perseguição, mas, no final, quando a morte desfez o jogo, se Fontes não pode expressar a sua admiração pelo grande artista, Raphael saudou o seu adversário reconhecendo que "por mais que se encarrapitem, nenhum (político) é capaz de lhe chegar ao pulso (RBP, Pontos nos ii, 3/2/87).
Inclusive no número seguinte à sua morte, Raphael publica uma série de croquis com o enterro, e numa página de luto, em discurso sério e sentido Raphael deixa este testemunho: «É com desassombro de quem tem que dar contas dos seus actos apenas no tribunal da sua consciência; com a isenção de quem retrata hoje os agravos proferidos hontem, de fito no interesse que tem de resultar-lhe amanhã; com a convicção de quem não vae exercer uma acção de ignóbil servilismo, e antes praticar um acto de rectidão e de justiça; com a serenidade de quem nunca receiou aggredir o vivo, malquistando-se com ele, como se não peja agora de louvar o morto, que não pode agradecer-lh'o; é com essa isenção, com essa serenidade, com essa convicção e com esse desassombro, que lastimamos hoje aqui, sinceramente, devotamente, a perda enorme que o paíz acaba de soffrer na infausta morte de Fontes Pereira de Mello! »
«E que se surprehendam, se quizerem, que nos apodem de incoherentes, se isso lhes apráz, que bem pouco se nos dá ficarmos de mal com todo o mundo, uma vez que tenhamos ficado a bem com a própria consciência.»
O caricaturista não é um fanático, um fundamentalista satírico que destrói homens e ideias. O caricaturista é aquele que deve ser oposição aos seus inimigos e amigos, às suas ideias e às dos outros, e que na sua fantasia estética inventa um mundo de humor, mundos de espelhos ás avessas, mundos onde o Zé Povinho pode ser soberano, onde a miséria se pode transformar num sorriso em ironia, onde a verdade supera a realidade.
E a verdade é que o político é o culpado de tudo, e a política não se faz apenas no Governo, desenvolve-se também no dito Parlamento, cujo trabalho por vezes já foi referido como para-lamentar.
Na verdade caricatural, o político surge como uma barriga, e uma das primeiras caricaturas do trabalho destes insignes senhores da política, foi a do Parlamento em funcionamento, ou seja, a dormir a santa sesta. Quando não dorme, vai tratar dos seus negócios ou da sua imagem resplandecente.
A político é um «ratão» na expectativa do seu quinhão de queijo, encobrindo-se nas suas penas de «pavão». Um «pavão» que quando fala se transforma em «fogo de artifício», porque após um belo jogo de palavras, nada resta de concreto: "Contra a saraivada grossa da oposição, abre-se o guarda chuva da resistência, fazem-se ouvidos de mercador, deixam-se correr os marfins... e fica-se" (Almeida e Silva, in Charivari 3/3/1888). "No fim de contas, enquanto eles lá dentro grazinam, insultam e esbofeteiam, cá fora o pobre Zé burro geme esquecido debaixo da pezada carga, e morto de fome. Ele bem presta a atenção a ver se distingue entre a grande vozearia dos amos as palavras palha, erva, milho ou fava ... mas qual quê ?! ... Já ninguém se lembra do pobre burro !" (A. Silva, in Charivari 12/12/1887).
A política é um mundo de barrigas. Se para o Zé basta assegurar o seu naco de pão e toucinho com um bom copo, para o político há uma sensação constante de insaciabilidade, e como previne o Duende (1865), quando "no ministério entram magros, começam a engordar; d' aqueles que entram gordos, há pouco que recear".
«A política é uma coisa que cheira bem a uns e cheira mal a outros - A política está na barriga e é pela barriga que se conhecem os grandes políticos - D' antes chamava-se político a qualquer sujeito que cumprimentava sempre a todos com muita amabilidade ... - Hoje chama-se «Grande Político»: a todo o indivíduo (ainda que seja da marca do Judas) que se sabe abotoar - Politiqueiro: aqueles que fazem política... para levar a vida ... - Politicões: aqueles que já têm o rabo pelado com a política - Políticos honrados: aos que viram a casaca muitas vezes segundo lhes sopra o vento... - Político independente, noticioso, literário e comercial, a todo e qualquer jornal que recebe subsídio - Eis aqui um dos muitos que arrotam postas de pescada a favor do povo esmagado com décimas ... para subirem ao poleiro e, depois de se lá pilharem ... - Porque tal, porque o povo pode e deve pagar mais! - É a política de todos!» (Sebastião Sanhudo, in O Sorvete 23/3/1884)

Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?