Thursday, May 22, 2008

Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal (Parte 27)

1883

Os anos de 83 e 84, no campo da evolução caricatural são a estagnação, aparecendo apenas no Porto ''A Parra" e na mesma cidade Sebastião Sanhudo publica o "Almanach d'O Sorvete - Procissão de Celebridades Portuenses".
De 1883 é o jornal "Zum-Zum", onde desenha um tal Réné que na primeira página do nº 1 faz a seguinte saudação “A Raphael Bordallo" - «O teu lápis, conforme queres brandi-lo, retalha como um chicote, fura como um estoque, rasga como um punhal e esbofeteia como a mão vingadora d' um forte. D' uma sociedade a decompor-se e a putrificar-se, tens mostrado como um médico as chagas e as pustulas. Como da operação cirúrgica resultaria a morte rápida, tu observador e artista, achaste que era mais útil, apontar-lhe constantemente e heroicamente as origens da gangrena e os pontos invadidos pela corrupção fatal. Para os que te teem comprehendido, tens sido mais do que mais que o artista, tens sido o benemérito. A esses tem evitado o contágio e com o teu lápis tens-lhe insuflado no sangue a vacina do bom senso e da dignidade altiva. De cegos tens feito rebeldes e tens ensinado por meio da troça sagrada onde está o Ridículo e onde está o Justo. Para triumpho e prémio basta-te o teres visto invertidas as scenas com a tua propaganda tenaz. Pelo teu processo claro e impresionativo, não só tens revolucionado as intelligencias, como tens alterado o valor que se ligava aos antigos e deturpados vocabulos da língua. A Honra o Bom-senso, a Justiça e a Moralidade, cujas definições appreendidas nos Diccionários se applicavam aos vultos célebres, vasios e hirtos, passaram, pela influencia do teu lápis mágico, para os mais obscuros, para os mais humildes, para os mais uteis d' entre nós e elles, ao contrario, ficaram figurando como espantalhos, proprios para excitar a nossa piedade e quasi todos o nosso despreso. A tua obra de valor e de utilidade, e ainda vae em princípio, pode egualar-se á d'esses artistas superiores, que como Cham, como Gill, como Punch, como Gavarni abalavam tanto como os grandes escriptores, ou mais do que elles as sociedades gastas, o preconceito estuito e as estafadas noções da Justiça.»
«Por esse serviço que tens feito, por esse combate intransigente que tens sustentado, vem hoje um companheiro obscuro, buscar ao teu nome, que honra a primeira página d'este jornal humilde, a fortaleza de que precisa armar-se para entrar na grande lucta.»
Dois artistas estão impostos: Raphael e Sanhudo. «Aprendizes de feiticeiro» têm aparecido de vez em quando, que assinam sob pseudónimo como o Zirra, Yves, Samuel, Rene ... depois há os casos do Jacinto Navarro (de O Penacho) o Joaquim Costa (de O Alfacinha), dos irmãos Cabral (Augusto e João no Binóculo de Ponta Delgada) ... até que em 1884 surge Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro (sobre quem falaremos mais tarde, já que ele é «o herdeiro presuntivo da nossa glória e dos nossos bonecos, a carne da nossa carne, o lápis do nosso lápis») nas páginas do ''António Maria" em Lisboa.
Foi um início muito tímido com cópias "d'aprés Busch", com histórias narrativas, e desenhos incipientes do jovem de 17 anos, ainda sem ousadias satírico-políticas. Nasce assim o primeiro, entre os primeiros de uma escola dita raphaelista .
A caricatura, em Portugal nasceu com o liberalismo, mas cresceu pelo republicanismo, ou talvez se possa dizer que o Republicanismo desenvolveu-se pela caricatura. Assim a primeira caricatura conhecida, como já vimos refere-se de forma pouco elogios a para o Rei que foge para o Brasil. Em 48 no Patriota já se defende que «a única resposta contra a monarquia é a liberdade». (30/5/1848).
A liberdade tem como símbolo o chapéu frigio da Mariana, e como à liberdade se vai aliar o sonho republicano. 5eri também este o símbolo do movimento nascente, da resposta contra um regime decadente há vários séculos. Nesta luta pela liberdade, ou pelo republicanismo, a sátira do século XIX foi a "água mole em pedra dura" (em o Sorvete de 25/5/1881); foi o trabalho de paciência, desmascarando a fraqueza do regime, a fraqueza dos partidos monárquicos que no seu rotativismo enganavam alternadamente o povo. Se o nome do partido mudava, o mesmo não acontecia com a filosofia política, as directrizes governamentais, e por vezes nem os políticos mudavam.
Perante esta inoperância governativa, a não concretização do desenvolvimento que o liberalismo deveria conduzir, certos sectores da sociedade e da monarquia começaram a pôr em causa do regime. É que nem sempre a caricatura teve como fim a implantação da república, antes a caricatura acompanhou a insatisfação, acompanhou a transformação do pensamento da oposição, lutando paralelamente pela liberdade ...
«O estado das coisas actualmente é este; quando pensarem que (o palanque do trono) realmente está seguro - desabará. O bicho (republicano) roí-lhe o miolo, e as luminárias estão quase no fim. Os naturalistas chamam a este bicho a phyloxera do throno, nós chamaremos ao trono a phyloxera do povo» (Sanhudo in O Sorvete de 28/3/1880). Esse trabalho, no qual a caricatura foi crucial, foi um trabalho de opinião: «O resultado das últimas eleições republicanas em Lisboa, estabelece a medida do movimento progressivo com que se vai apertando sobre os factos a grande prensa chamada... opinião» (RBP in António Maria 10/11/1881)
Magalhães Lima (in "A Revolta" 1886) afirmará que de «todos os jornais, de todas as publicações, de todas as manifestações feitas, promovidas e organizadas pelo Partido Repúblicano em Portugal, nenhuma conseguiu ainda exceder o efeito produzido por uma só página d'António Maria».
A opinião é símbolo de liberdade de pensamento - é satirizar a politica; é criticar a sociedade e o governo; é aquilo que o governo não gosta, e por isso este trabalho contra a phyloxera do povo nunca é pacifico. Contra estes desparasitadores o governo tem à mão a polícia, a lei, a justiça, e o juiz Veiga será a mão ditatorial mais famosa contra o republicanismo.
«Enquanto a polícia se entretêm a fechar as portas dos botequins republicanos, divertem-se os gatunos a abrir as portas aos cidadãos constitucionais» (RBP, in Ant. Maria 25/5/1882). Um entretenimento que fechou vários periódicos, que impôs muitas multas, apreensões de edições, emigrações como fuga à prisão...
Não foi fácil esta luta, como não o é qualquer luta por um ideal, e se João Cabral se queixava da corda que prendia o "Balão Cativo" («O Zé é um balão aquecido pelo oxigénio republicano, mas a corda do governo monárquico é muito forte», in O Binóculo 27/1/1884), com persistência, ela haveria de ceder...

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