Tuesday, April 22, 2008

Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal (Parte 24)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa
1880
Em 1880 surge a cor na imprensa humorística, ou mais concretamente no "António Maria". É verdade que uma das edições da 3ª folha de ''A Berlinda", de 1870 (o Mapa da Europa) foi a cores, mas em continuidade inicia-se em 1880.
E nesta introdução, do novo ano, Raphael Bordallo reafirma o seu ideário satírico, ou seja «o nosso programa mantém-se inalterável. Piparotes nas instituições, cartuchos de pós nos poderes constitucionais, mascarrando com cortiça queimada - todas as vezes que se oferecer ensejo - os altos poderes do estado.»
«Registaremos todas as promessas, seremos surdos a todas as sugestões. Passaremos por pé do sr. Fontes, como cão por vinha vindimada. Nenhumas promessas, por mais fagueiras que sejam, nos levarão a ir tomar o chá ideal e quotidiano do nobre sr. duque de Bolama. Por mais diligencias que o sr. Braamcamp empregue, nunca conseguirá meter-nos na alfandega do consumo, rejeitando o próprio cargo de arcebispo de Metylene se o sr. ministro da justiça, para nos calar, nos remetter a casa a mitra respectiva. »
«Todas as quintas feiras, à tardinha, daremos alguns beliscões, amigáveis nos costumes públicos. Em o leitor se achando descontente connosco tenha a bondade de avisar a fim de marcharmos para o exílio.»
«Organizaremos uma mascarada política perpétua, para entretenimento dos cavalheiros, visto ser esse o seu passatempo mais aprazível. Às senhoras ofereceremos as noites de theatro com todos os arrebatamentos dos tenores, todos os prestígios das primas donas, todas as seducções das luzes harmonia e das flores.»
Neste ano, o "António Maria" reforça a sua intervenção, integrando de quando em vez uma colecção de litografias, que terão como nome global, o «Álbum das Glórias: Homens d' Estado, poetas, jornalistas, dramaturgos, actores, políticos, pintores, médicos, industriais, typos das salas, typos das ruas, instituições, etc» começando logo com as duas principais figuras da política, o Líder Progressista Anselmo Braamcamp (no momento Presidente do Conselho), seguido do Líder dos Regeneradores António Maria Fontes Pereira de Melo...
Através desta selecção de figuras se marca o final deste século, numa síntese gráfica e literária das personalidades que eram a 'Glória' do país. Se o António Maria retratava a vida, o "Álbum" imortalizou em pose caricatural os actores da vida portuguesa.
Os textos, que acompanhavam no verso a imagem, serão entregues ao Rialto e Ribaixo, pseudónimos de Guilherme d' Azevedo e Ramalho Ortigão, respectivamente. Neste ano de 1880 saíram 14 litografias, seguidas por 9 em 81, 12 em 1882, e uma em 1883, encerrando dessa forma o primeiro grupo, que deu o primeiro Volume do Álbum com 36 figuras. O segundo volume nunca saiu encadernado, tendo porém sido publicadas mais três litografias em Janeiro de 1885, e outras três em 1902.
Com este trabalho, Raphael criou o complexo da caricatura nos meios políticos. Se João Chagas dirá que um Homem não é verdadeiramente importante, se sobre ele não contarem pelo menos umas cinco ou seis anedotas, sobre ele, Raphael impôs que alguém só era importante na política, no teatro, na vida se conseguisse chamar a atenção dos caricaturistas, e dessa forma entrar no grupo das Glórias nacionais.
No âmbito da intervenção satírica, um caso dominou por largo tempo a atenção dos caricaturistas, e do público - as Comemorações do Tricentenário de Camões. Todos vão procurar ganhar com a recuperação deste símbolo nacional, acabando pelos Republicanos por conseguir melhor utilização para a sua luta.
Quando as forças se diluem, quando a criatividade é substituída pelos sonhos, os mitos têm que ser inventados, fomentados. Um mito não é um herói, já que este ainda está vivo e pode rebelar-se contra as forças que o sustentam. O mito é algo já morto, que se procura colar, moldar numa imagem conveniente, revivendo pela lenda, pela história, vendo-se através de um nevoeiro, o que não existe.
Em 1880, a tentativa de despertar um hipotético orgulho nacional, mitificou-se em Camões. A 'feliz' coincidência da celebração do Tricentenário, com a pseudo derrocada do 'Império', fez despoletar esse mecanismo substituitório.
Antes do mais era necessário enterrar condignamente o poeta, mas como satiriza]. M. Navarro «São Pedro convence-se de que descobrir o verdadeiro crânio de Camões é mais difícil do que encontrar agulha em palheiro». Por seu lado Raphael, no desenho dos "Sapateiros a bater sola", satiriza a opção governamental de transladar não um, mas vários esqueletos para os Jerónimos, na esperança que pelo menos um seja do poeta. Não havia um corpo, mas havia uma obra - «O Zé Povinho chega quase a convencer-se de que Os Lusíadas deve ser uma coisa talvez um pouco superior à Carta Constitucional» (in António Maria 10/6/80). Camões servirá também de alento, contra as investidas das outras potências europeias contra as nossas colónias, quando os ingleses resolveram confundir protecção com colonização: «- V. Exa atenda que - diz Braamcamp a John Bull- dar à Inglaterra Lourenço Marques, segundo a opinião da maioria, é o mesmo que tirar-nos um olho... »
«- É exactamente o que eu quero - retorque John Bull- Fica uma nacionalidade à Camões» (in Ant. Maria 10/6/80)
Camões torna-se então num grito de indignação contra um governo impotente, e o Partido Republicano fomentará a identificação Camões/Nacionalidade, Camões/Portugal de cabeça levantada, Camões/Liberdade, no intuito de derrubar um regime caduco e vendido pelos tratados e empréstimos.
Em relação aos jornais humorísticos, para além da continuação de 'O Sorvete' surgem e desaparecem no norte ‘O Penacho', o "Porto Cómico" (trabalhos assinados por Ignotus) e o "Zé Povinho" (como se pode ver, a iconografia do povo português criado por Raphael foi desde logo assumida como um património nacional), e o "Diário de Notícias Ilustrado" de Ponta Delgada. Destes quatro jornais os que se destacam é "O Penacho", não pela positiva, antes pela abismal falta de escrúpulos dos seus autores, decalcando (mal) os desenhos de Raphael, e assinando-os Jacinto M. Navarro como deles. São más cópias, são o anti-jornalismo assumido; e o "Diário de Notícias Ilustrado" de Ponta Delgada como primeiro jornal insular com humor, apesar de se dedicar mais a histórias narrativas que a caricaturas políticas.
Uma das razões da falência breve destes jornais, como já referi, é normalmente a falta de qualidade, já que verificamos que os melhores conseguem sobreviver, pelo menos vários anos. Contudo o interesse/desinteresse do público, para além do factor qualidade não deixa de ser importante é naturalmente outro factor, e complicado em Portugal, porque como satiriza o refere Sebastião Sanhudo (in "O Sorvete" de 25/4/1880) é necessário saber agradar a gregos e troianos - «Gosto do público pelos jornais satyricos: Quando insere caricatura ou artigo sem alusão pessoal: - Hum !... Hoje não tem graça! ... Isto está aqui, está a cahir! Bem podem tratar d' outro oficio que este não rende... Quando insere caricatura e artigos alusivos ao vizinho: - Isto sim! Isto é um jornal com pilhéria! Este rapaz tem habilidade! Gosto muito d' este jornal porque tem muita graça e não ofende!... Quando insere caricatura ou artigo alusivo a si:- Irra !!! Parece incrível que as leis d' este país consintam que se publiquem papeis d' esta ordem!!! Não haverá um polícia que prenda estes senhores que se divertem à custo do cidadão honrado e inofensivo? !!! Irra !!!»
A captação dos públicos fazia-se também pelas opções políticas da redacção. Se o mais fácil era ser contra, criti­cando à esquerda e à direita, os monárquicos e os republicanos, o certo é que a maioria era de tendência pró-republicano, visto ser a tendência da maioria intelectual e letrada do país, sector social que compra este tipo de jornais, não impediu de haver jornais declaradamente monárquicos, que não se coibiam de satirizar e criticar o regime. A diferença estava nos matizes de ironia e sátira.

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