Tuesday, January 22, 2008
HISTÓRIA DA CARICATURA EM PORTUGAL (parte 15)
RAPHAEL BORDALLO PINHEIRO – 1
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
A década de setenta será a década do amadurecimento, e consolidação do humor gráfico na nossa imprensa. Não será facil logo á partida, tendo que se continuar a lutar por uma forma de se aceitar a opinião crítica, a opinião satírica, mas fazendo-se uma panorâmica da imprensa desta decada descobre-se que, dos 43 periódicos que existiram (em longos periodos, ou pequenos), 18 são de cunho satírico, com a presença do humor gráfico, cabendo 14 a Lisboa e 4 ao Porto.
Nesta decada dois nomes se vão impor na imprensa nacional, são eles Raphael Bordalo Pinheiro e Sebastião Sanhudo, cabendo ao segundo o domínio do humor satírico no norte pela sua obra, e pela posse de dois desses jornais satíricos. No sul, tudo começou com um cartaz de teatro.
Assim, em Fevereiro de 1870, um jovem actor, pintor, gravador, boémio que domináva as tertúlias e serões literários, que procurava um espaço de intervenção na sociedade cultural e jornalística da época, publica uma litografia comemorativa da primeira representação da comédia “O Dente da Baronesa” de António T. de Vasconcelos.
Naturalmente ele não surgia do nada, antes tinha uma tradição familiar ligáda ás artes e jornalismo. Como curiosidade, e num pequeno desvio á história da Caricatura, mas justificada pela importância desta disnastia Bordallo Pinheiro vou transcrever parte de um artigo de Armando de Araújo (in Jornal do Comércio de 17/10/1953), onde eles nos dá as raizes da família: «…os avós de Manuel Maris - Francisco Mendes Bordallo, que casara com Ana de Jesus Alvarez y Asturias - foram os pais do Dr. António Mendes Bordallo (1750-1806) e que uma filha deste, Jacinta Adelaide Herculana Bordallo Alvarez y Asturias, nascida em 1779, casou com o dr. Manuel Felix de Oliveira Pinheiro. Deste casamento nasceu, em 1815, Manuel Maria Bordallo-Pinheiro (fundador, por sua vez, da Dinastia Bordallo-Pinheiro) o qual casara com Maria Augusta do Ó Carvalho Prostes (1828).»
«Mas a linhagem desta familia ascende, através do perpassar dos séculos, a muito mais alto: Vem de Rodrigo Ruy de Vivar (El cid Campeador) 1026-1099. E prossegue pelo Conde D.Alvaro Diaz Nunes de Lara, que casou com uma filha de D.Afonso VI, de Leão; D. Rodrigo Alvarez de Lara, 1º Senhor e Conquistador de Alcalá; D- Rodrigo Alvarez das Asturias, Conde das sturias, que casou com uma irmã de D.Sancho II. /…/ Manuel Maria Bordallo-Pinheiro teve os seguintes filhos:Maria Augusta (1841/1915) /…/ notável pintora de flores e extraordináriamente grande na renovação fa industria das rendas de Peniche; Maria José (1842); Maria (1844), Raphael (1846/1905)» (que seria o notável caricaturista de que falamos nestas páginas)«; Feliciano Augusto (1849-1905), Manuel Maria (1850), Augusto Cesar (1851); Filomena Augusta (1854-1933); Maria Amélia (1855-1907) que casou com o escritor e dramaturgo Henrique Lopes de Mendonça; Columbano (1857-1929) considerado o primeiro pintor contemporâneo /…/; Henrique (1859); Tomáz Maria (1861-1921)…álguém lhe chamou um João de Deus das artes profissionais. Educador do povo, alma de santo e evangelizador.»
«Raphael teve dois filhos, Helena e Manuel Gustavo (1867-1920), ceramista e caricaturista… »
«Tomáz Bordallo-Pinheiro teve quatro filhos: Fernando. Pedro, Diniz e Maria Cristina. Fernando digigiu a oficina “Fotomecânica” de gravura e as oficinas de gravura do Diário de Notícias, de o Século, a Fábrica de Cerâmica das Caldas…; Pedro (1890-1942) Industrial e jornalista, fundou com o dr. Joaquim Manso “O Diário de Lisboa”, e em 1926 fundou o “Sempre Fixe”…»
Mas como estava dizendo, naturalmente Raphael não surgia do nada, antes tinha uma tradição familiar ligáda ás artes e jornalismo. Nasceu em Lisboa a 21 de Março de 1846, tendo uma infância rodeada pela arte, pela curiosidade cultural. Ramalho Ortigão descreve-lo-á (A Fábrica das Caldas da Rainha, Porto, 1891) como: «Genuinamente portuguez por constituição e por temperamento, de olhos pretos, nariz grosso, cabello crespo, tendendo para a obesidade, elle é um sensual, um voluptuoso, um despersivo, um desordenado. Uma das mais bellas virtudes, que elle não tem, é a que consiste em vencer os impulsos da natureza». Por seu lado, a grande estudiosa de Raphael, Drª Irisalva Moita descreve-o, assim como os seus primeiros passos desta forma (in “A Caricatura na Obra Cerâmica de Rafael”): «Temperamento aberto e folgazão, Rafael Bordalo Pinheiro gostava de rir e divertir os que gozaram do privilégio da sua convivência. Raramente se deixou dominar por estados de depressão negativos. E quando, cansado da indiferença de uma sociedade conformista, transparece na sua obra um certo desencanto, nunca, porém, este se ressente de estados de azedume ou de revolta.»
«O seu natural pendor para o humor, aliado a uma extraordinária intuição para apreender o cómico de situações e personagens, servido por uma inata inclinação para as artes plásticas - aliás, tradicional na sua familia - vao reservar-lhe um lugar sem concorrência, no campo da caricatura política e artística nacional.»
«Natureza dispersiva, sempre pronta a experimentar novos caminhos que se traduziam em outros tantos entusiasmos. se deve á caricatura as suas maiores glórias, não se quedou, porém, por ela. Outros aspectos, cultivados sempre com idêntica paixão, interessaram este artista polimorfo, fazendo dele uma das personalidades mais ricas da história da cultura portuguesa do século XIX.»
«Avesso a sujeitar-se a qualquer disciplina e a cumprir programas, não concluiu nunca uma carreira escolar regular, como era desejo do pai, o bondoso Manuel Maria. Matriculou-se sucessivamente, na Academia de Belas-Artes, no Curso Superior de Letras e na Escola de Arte Dramática, para, de seguida, desistir, ou nem chegar mesmo a frequentar.»
«Espírito criador, dotado de grande espontaneidade, confiou apenas no seu autodidactismo. Preferia a novidade e o imprevisto. A alguém que, no Brasil, acintosamente indagara sobre as suas habilitações literárias, responderá, um dia: «Tenho o curso da Rua do Ouvidor…Cinco Anos. Canto de ouvido.» Muito jovem ainda, tenta a carreira teatral, chegando a estrear-se como actor no pequeno Teatro Garrett, na Travessa do Forno, aos Anjos. Autocrítico exigente, logo se considera um cómico falhado. Mas. se desiste de aparecer na ribalta, fica-lhe, porém, a paixão pelo teatro, que o acompanhará toda a vida e se irá reflectir em toda a sua obra. Espectador assíduo e interferente, ajudará a imortalizar, através do lápis e da modelação em barro, as mais marcantes figuras do teatro português suas contemporâneas. É, na realidade, notável a parcela da sua obra dedicada à critica teatral.»
«Tendo casado, em 1866, com Dona Elvira Ferreira de Almeida, pretende encontrar uma carreira que estivesse á altura das suas novas responsabilidades de chefe de fam¡lia de tradições burguesas. Influenciado pelo ambiente familiar, tenta, de início, a carreira artística.»
«Assim, entre 1867 e l874 concorre, com regularidade, às exposições da Sociedade Promotora de Belas-Artes, integrando-se na corrente naturalista então em voga. Porém, os assuntos que escolhe para as suas composições, inspirados em cenas de costumes e tipos populares, revelam já o artista profundamente inserido na sua terra e no seu povo, motivos que se tornarão constantes, através de toda a sua obra de arte e de crítica.»
«Apesar da elegância e facilidade de traço e da indiscutível graciosidade de algumas dessas suas aguarelas e carvões, depressa dá-se conta que não era ainda este o caminho que o levaria á glória, meta que estava certo poderia alcançar.»
«Este conjunto de aguarelas e desenhos da fase inicial ficaram, assim, a valer mais como experiências de observação psicológica do que como obra artística definitiva. Foi, porém, sem dúvida, uma fase enriquecedora das potencialidades do artista, que deixarã fundas marcas em toda a sua obra. Aos tipos agora esboçados virá buscar inspiração constante, reaparecendo, a cada passo, em toda a sua obra, os mesmos tipos, recriados ou transformados.»
«Apesar do seu natural pendor para o humorismo e de um nato sentido caricatural, não foi, pois, através da caricatura que, de início, pensou poder ganhar o pão. A família preferia vê-lo triunfar numa carreira «a sério».»
«Tentou ainda a ilustração e o jornalismo. A caricatura tinha, porém, com ele encontro marcado.»
«Podia ter sido muita outra coisa, pois não lhe faltavam aptidões diversificadas. A caricatura, como meio de exprimir pela arte o humor e a crítica, estava-lhe, contudo, naturalmente calhada. Quando tentou o teatro, reservou-se o papel dum c¢mico crítico; como, ao compor cenas de aldeia, ao esboçar uma varina apregoando, ou ao representar uma criança abandonada, era a situação de um povo desprezado que, através duma atitude crítica, pretendia apreender e expressar. O crítico ou o humorista trai-se, pois, sempre, em cada nova modalidade experimentada.»
«Começou a fazer caricatura por brincadeim, nos velhos corredores do Convento de Jesus, para fazer rir os companheiros. Só a partir de 1870, perante o sucesso alcançado com a publicação da sua primeira obra de grande fôlego, o Calcanhar de Aquiles, toma verdadeira consciência do lugar que a caricatura ocupa no encontro da sua identidade como artista, como intelectual e como cidadão, ao mesmo tempo que se dá conta da poderosa arma de que, desde agora, passará a dispor. É, então, que se encoraja a quebrar com a rotina familiar e a enveredar, decididamente, pela caricatura. onde, aliás, triunfará às primeiras tentativas.»
«Na realidade, concorria em Rafael Bordalo Pinheiro uma série tão completa de predicados necessários ao caricaturista - espírito crítico, poder de síntese, penetração psicológica, amor do próximo, desenho incisivo e rápido, intuição, poder de fixação do essencial -, que era neste campo que o artista havia de, forçosamente, encontrar-se.»
«Ídolo da juventude intelectual e boémia de Lisboa, convivendo e estroinando com escritores, artistas e actores, dispôs de condições excepcionais de observação. O palco onde assestava a sua luneta crítica situava-se no interior da própria sociedade que o seu lápis iria escalpelizar .»
«Não tendo sido nunca um político militante, foi sempre um espírito inquieto e uma personalidade interveniente, para quem não podia ser indiferente o destino do país e do povo. Este empenhamento levou-o, naturalmente, para o campo da crítica política. É, efectivamente, neste domínio que, durante mais de três décadas, através de milhares de páginas de jornais e álbuns onde colaborou ou que fundou e dirigiu /…/ vai zurzir quantos políticos se vão suceder, entre 1875 e 1905, data da sua morte, na ribalta da governação, guindados pela geringonça que elevava ao poder ora o Partido Regenerador ora o Partido Progressista, enquanto o jovem Partido Republicano crescia e se fortalecia á conta das rivalidades, inoperância e desgaste daqueles.»
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
A década de setenta será a década do amadurecimento, e consolidação do humor gráfico na nossa imprensa. Não será facil logo á partida, tendo que se continuar a lutar por uma forma de se aceitar a opinião crítica, a opinião satírica, mas fazendo-se uma panorâmica da imprensa desta decada descobre-se que, dos 43 periódicos que existiram (em longos periodos, ou pequenos), 18 são de cunho satírico, com a presença do humor gráfico, cabendo 14 a Lisboa e 4 ao Porto.
Nesta decada dois nomes se vão impor na imprensa nacional, são eles Raphael Bordalo Pinheiro e Sebastião Sanhudo, cabendo ao segundo o domínio do humor satírico no norte pela sua obra, e pela posse de dois desses jornais satíricos. No sul, tudo começou com um cartaz de teatro.
Assim, em Fevereiro de 1870, um jovem actor, pintor, gravador, boémio que domináva as tertúlias e serões literários, que procurava um espaço de intervenção na sociedade cultural e jornalística da época, publica uma litografia comemorativa da primeira representação da comédia “O Dente da Baronesa” de António T. de Vasconcelos.
Naturalmente ele não surgia do nada, antes tinha uma tradição familiar ligáda ás artes e jornalismo. Como curiosidade, e num pequeno desvio á história da Caricatura, mas justificada pela importância desta disnastia Bordallo Pinheiro vou transcrever parte de um artigo de Armando de Araújo (in Jornal do Comércio de 17/10/1953), onde eles nos dá as raizes da família: «…os avós de Manuel Maris - Francisco Mendes Bordallo, que casara com Ana de Jesus Alvarez y Asturias - foram os pais do Dr. António Mendes Bordallo (1750-1806) e que uma filha deste, Jacinta Adelaide Herculana Bordallo Alvarez y Asturias, nascida em 1779, casou com o dr. Manuel Felix de Oliveira Pinheiro. Deste casamento nasceu, em 1815, Manuel Maria Bordallo-Pinheiro (fundador, por sua vez, da Dinastia Bordallo-Pinheiro) o qual casara com Maria Augusta do Ó Carvalho Prostes (1828).»
«Mas a linhagem desta familia ascende, através do perpassar dos séculos, a muito mais alto: Vem de Rodrigo Ruy de Vivar (El cid Campeador) 1026-1099. E prossegue pelo Conde D.Alvaro Diaz Nunes de Lara, que casou com uma filha de D.Afonso VI, de Leão; D. Rodrigo Alvarez de Lara, 1º Senhor e Conquistador de Alcalá; D- Rodrigo Alvarez das Asturias, Conde das sturias, que casou com uma irmã de D.Sancho II. /…/ Manuel Maria Bordallo-Pinheiro teve os seguintes filhos:Maria Augusta (1841/1915) /…/ notável pintora de flores e extraordináriamente grande na renovação fa industria das rendas de Peniche; Maria José (1842); Maria (1844), Raphael (1846/1905)» (que seria o notável caricaturista de que falamos nestas páginas)«; Feliciano Augusto (1849-1905), Manuel Maria (1850), Augusto Cesar (1851); Filomena Augusta (1854-1933); Maria Amélia (1855-1907) que casou com o escritor e dramaturgo Henrique Lopes de Mendonça; Columbano (1857-1929) considerado o primeiro pintor contemporâneo /…/; Henrique (1859); Tomáz Maria (1861-1921)…álguém lhe chamou um João de Deus das artes profissionais. Educador do povo, alma de santo e evangelizador.»
«Raphael teve dois filhos, Helena e Manuel Gustavo (1867-1920), ceramista e caricaturista… »
«Tomáz Bordallo-Pinheiro teve quatro filhos: Fernando. Pedro, Diniz e Maria Cristina. Fernando digigiu a oficina “Fotomecânica” de gravura e as oficinas de gravura do Diário de Notícias, de o Século, a Fábrica de Cerâmica das Caldas…; Pedro (1890-1942) Industrial e jornalista, fundou com o dr. Joaquim Manso “O Diário de Lisboa”, e em 1926 fundou o “Sempre Fixe”…»
Mas como estava dizendo, naturalmente Raphael não surgia do nada, antes tinha uma tradição familiar ligáda ás artes e jornalismo. Nasceu em Lisboa a 21 de Março de 1846, tendo uma infância rodeada pela arte, pela curiosidade cultural. Ramalho Ortigão descreve-lo-á (A Fábrica das Caldas da Rainha, Porto, 1891) como: «Genuinamente portuguez por constituição e por temperamento, de olhos pretos, nariz grosso, cabello crespo, tendendo para a obesidade, elle é um sensual, um voluptuoso, um despersivo, um desordenado. Uma das mais bellas virtudes, que elle não tem, é a que consiste em vencer os impulsos da natureza». Por seu lado, a grande estudiosa de Raphael, Drª Irisalva Moita descreve-o, assim como os seus primeiros passos desta forma (in “A Caricatura na Obra Cerâmica de Rafael”): «Temperamento aberto e folgazão, Rafael Bordalo Pinheiro gostava de rir e divertir os que gozaram do privilégio da sua convivência. Raramente se deixou dominar por estados de depressão negativos. E quando, cansado da indiferença de uma sociedade conformista, transparece na sua obra um certo desencanto, nunca, porém, este se ressente de estados de azedume ou de revolta.»
«O seu natural pendor para o humor, aliado a uma extraordinária intuição para apreender o cómico de situações e personagens, servido por uma inata inclinação para as artes plásticas - aliás, tradicional na sua familia - vao reservar-lhe um lugar sem concorrência, no campo da caricatura política e artística nacional.»
«Natureza dispersiva, sempre pronta a experimentar novos caminhos que se traduziam em outros tantos entusiasmos. se deve á caricatura as suas maiores glórias, não se quedou, porém, por ela. Outros aspectos, cultivados sempre com idêntica paixão, interessaram este artista polimorfo, fazendo dele uma das personalidades mais ricas da história da cultura portuguesa do século XIX.»
«Avesso a sujeitar-se a qualquer disciplina e a cumprir programas, não concluiu nunca uma carreira escolar regular, como era desejo do pai, o bondoso Manuel Maria. Matriculou-se sucessivamente, na Academia de Belas-Artes, no Curso Superior de Letras e na Escola de Arte Dramática, para, de seguida, desistir, ou nem chegar mesmo a frequentar.»
«Espírito criador, dotado de grande espontaneidade, confiou apenas no seu autodidactismo. Preferia a novidade e o imprevisto. A alguém que, no Brasil, acintosamente indagara sobre as suas habilitações literárias, responderá, um dia: «Tenho o curso da Rua do Ouvidor…Cinco Anos. Canto de ouvido.» Muito jovem ainda, tenta a carreira teatral, chegando a estrear-se como actor no pequeno Teatro Garrett, na Travessa do Forno, aos Anjos. Autocrítico exigente, logo se considera um cómico falhado. Mas. se desiste de aparecer na ribalta, fica-lhe, porém, a paixão pelo teatro, que o acompanhará toda a vida e se irá reflectir em toda a sua obra. Espectador assíduo e interferente, ajudará a imortalizar, através do lápis e da modelação em barro, as mais marcantes figuras do teatro português suas contemporâneas. É, na realidade, notável a parcela da sua obra dedicada à critica teatral.»
«Tendo casado, em 1866, com Dona Elvira Ferreira de Almeida, pretende encontrar uma carreira que estivesse á altura das suas novas responsabilidades de chefe de fam¡lia de tradições burguesas. Influenciado pelo ambiente familiar, tenta, de início, a carreira artística.»
«Assim, entre 1867 e l874 concorre, com regularidade, às exposições da Sociedade Promotora de Belas-Artes, integrando-se na corrente naturalista então em voga. Porém, os assuntos que escolhe para as suas composições, inspirados em cenas de costumes e tipos populares, revelam já o artista profundamente inserido na sua terra e no seu povo, motivos que se tornarão constantes, através de toda a sua obra de arte e de crítica.»
«Apesar da elegância e facilidade de traço e da indiscutível graciosidade de algumas dessas suas aguarelas e carvões, depressa dá-se conta que não era ainda este o caminho que o levaria á glória, meta que estava certo poderia alcançar.»
«Este conjunto de aguarelas e desenhos da fase inicial ficaram, assim, a valer mais como experiências de observação psicológica do que como obra artística definitiva. Foi, porém, sem dúvida, uma fase enriquecedora das potencialidades do artista, que deixarã fundas marcas em toda a sua obra. Aos tipos agora esboçados virá buscar inspiração constante, reaparecendo, a cada passo, em toda a sua obra, os mesmos tipos, recriados ou transformados.»
«Apesar do seu natural pendor para o humorismo e de um nato sentido caricatural, não foi, pois, através da caricatura que, de início, pensou poder ganhar o pão. A família preferia vê-lo triunfar numa carreira «a sério».»
«Tentou ainda a ilustração e o jornalismo. A caricatura tinha, porém, com ele encontro marcado.»
«Podia ter sido muita outra coisa, pois não lhe faltavam aptidões diversificadas. A caricatura, como meio de exprimir pela arte o humor e a crítica, estava-lhe, contudo, naturalmente calhada. Quando tentou o teatro, reservou-se o papel dum c¢mico crítico; como, ao compor cenas de aldeia, ao esboçar uma varina apregoando, ou ao representar uma criança abandonada, era a situação de um povo desprezado que, através duma atitude crítica, pretendia apreender e expressar. O crítico ou o humorista trai-se, pois, sempre, em cada nova modalidade experimentada.»
«Começou a fazer caricatura por brincadeim, nos velhos corredores do Convento de Jesus, para fazer rir os companheiros. Só a partir de 1870, perante o sucesso alcançado com a publicação da sua primeira obra de grande fôlego, o Calcanhar de Aquiles, toma verdadeira consciência do lugar que a caricatura ocupa no encontro da sua identidade como artista, como intelectual e como cidadão, ao mesmo tempo que se dá conta da poderosa arma de que, desde agora, passará a dispor. É, então, que se encoraja a quebrar com a rotina familiar e a enveredar, decididamente, pela caricatura. onde, aliás, triunfará às primeiras tentativas.»
«Na realidade, concorria em Rafael Bordalo Pinheiro uma série tão completa de predicados necessários ao caricaturista - espírito crítico, poder de síntese, penetração psicológica, amor do próximo, desenho incisivo e rápido, intuição, poder de fixação do essencial -, que era neste campo que o artista havia de, forçosamente, encontrar-se.»
«Ídolo da juventude intelectual e boémia de Lisboa, convivendo e estroinando com escritores, artistas e actores, dispôs de condições excepcionais de observação. O palco onde assestava a sua luneta crítica situava-se no interior da própria sociedade que o seu lápis iria escalpelizar .»
«Não tendo sido nunca um político militante, foi sempre um espírito inquieto e uma personalidade interveniente, para quem não podia ser indiferente o destino do país e do povo. Este empenhamento levou-o, naturalmente, para o campo da crítica política. É, efectivamente, neste domínio que, durante mais de três décadas, através de milhares de páginas de jornais e álbuns onde colaborou ou que fundou e dirigiu /…/ vai zurzir quantos políticos se vão suceder, entre 1875 e 1905, data da sua morte, na ribalta da governação, guindados pela geringonça que elevava ao poder ora o Partido Regenerador ora o Partido Progressista, enquanto o jovem Partido Republicano crescia e se fortalecia á conta das rivalidades, inoperância e desgaste daqueles.»