Friday, January 04, 2008
HISTÓRIA DA CARICATURA EM PORTUGAL (parte 11)
NOGUEIRA DA SILVA – IV
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
A 15 de Maio de 1856 lança o “Jornal para Rir”, que testemunha a grande influência francesa neste artista (o que contraria a influência inglesa do princípio do século) e em que o próprio titulo é a tradução do jornal francês burlesco mais importante da época. No Prospecto-Specimen lançado como anuncio da saída do jornal pode-se ler:
«Semanário Comico, Phophético e Satyrico»
(com gralha tipográfica, já que no jornal virá de pois prophético)
Fundado por Francisco Augusto Nogueira da Silva
«Entre tantos jornaes sisudos, bem era que apparecesse um para rir.»
«Entre tantos que andam sempre de viseira caida, devia haver um que andasse sempre com a carinha n’agua.»
«Entre tantos a choramigar, haja tambem um a galhofar.»
«Entre tentos sempre amofinados, haja um que não queira saber de desgraças.»
«Tal é o pensamento da publicação do JORNAL PARA RIR.»
«A imprensa não se inventou para infrenesiar os leitores, mas sim para os tirar dos seus cuidados. Esta é que é a sua verdadeira missão.»
«Quando o velho Coster se lembrou de abrir as lettras do alphabeto em carapetas de madeira, foi para divertir os netos, e para os mover a riso, mostrando-lhes enfiadinhas de palavras, como se fossem rosários.»
«Tal é a origem da typographia. Guttemberg achou já o comer feito, foi só pôl-o ao lume, para fundir o que Lourenço Coster havia confeitado. A caricatura aqui precedeu o typo.»
«A origem dos jornaes não é menos divertida.»
«Demócrito foi redactor d’um jornal para rir, com caricaturas, que eram as visagens que elle próprio fazia, pois era feio como um bode. Tinha por leitores todos os janotas e gebos da Thracia, e juntou um cabedalão com esta empresa, porque zombava e não tinha collaboradores, bem entendido.»
«Heráclito teve também o seu jornal, mas era para chorar, porque era um jornal político. Teve que se habilitar, foi ao jury uma poucas de vezes, não havia já quem o lêsse, por que ninguem está para aturar um chorão, e a final saiu de Epheso em penhado até ás orelhas, indo sumir-se e viver a monte, quando não davam-lhe cal o da pelle.»
«Não intendeu a missão do jornalista, e mais era philosopho, por isso teve mau fim.»
«Demócrito seguiu outro rumo, pelo que vive ainda risonhamente na memória dos homens.»
«Ir-lhe-hemos na pista. Oxalá que sejamos tão bem succedidos.»
«Não pensem porem que havemos de zombar as coisas ou das pessoas sérias. São ellas tão poucas entre nós, que para lá chegarmos com a ponta do buril ou com os bicos da penna, fôra preciso que o jornal durasse um século, tempo ainda não suficiente para dar vasão aos assumptos burlescos, e as figuras ridículas de que o nosso mundo vae raso.»
«Não talharemos nunca jamais carapuças de medida. Faremos obra para a loja, e o mercado as distribuirá a quem quizer. O contrário seria infamarmo-nos com personalidades, coisa tão repugnante ás boas artes como ás boas lettras, que desejamos reunir e abraçar nesta risonha e festiva publicação.»
«As estampas e os artigos, figuram aqui as alfaias de uma guarda-roupa de theatro comico. Só irão bem aos que representarem o papel correspondente. Não se distribuem os papeis, cada qual toma o que lhe pertence - e quem não quizer ser lobo, não lhe vista a pelle.»
«Tal é o succinto programma do JORNAL PARA RIR.»
«Todavia: Rira bien, qui rira le dernier»
Este jornal, que uma qualidade bem superior ao resto dos jornais humorísticos, infelizmente teve curta duração, por desinteligências entre os sócios, ou seja Nogueira da Silva e o redactor Francisco Fernandes Lopes, os quais surgem no nº3 da 2ª série de 31 de Agosto de 1957 em vénia de despedida.
A partir desse ano vamos encontrar N.S no “Archivo Pitoresco”, assim como em “O Carnaval” (1858), “Cabrion” (1860/61), “Biblioteca do Cabrion” (1861), “O Escalpelo” (1863), “O Demócrito” (1865), “Boudoir” (1865)… assim como foi o autor de uma série de folhas volantes sob o titulo geral de “Celebridades Contemporâneas” (fala-se de Herculano, Mendes Leal, Latino Coelho, Lopes de Mendonça… só que são raridades, ou já desapareceram totalmente…). Uma das mais celebres folhas volantes criadas por este autor foi a “Apotheose da Charles-et-George2 (sob o pseudónimo de Faffa), que chegou a uma tiragem de 5.000 exemplares e regista um confronto político com a França, e com o apresamento do navio negreiro Charles-Georges. O humor era já um cavalo de batalha na defesa da honra e orgulho nacional.
Foi ilustrador de uma série de livros, onde se destacam as “Obras Completas de Nicolau Tolentino”, ou o “Relatório de uma Viagem á China” de Marques Pereira…
Paralelamente a esta actividade artística, Nogueira da Silva foi também um teórico, tendo escrito diversos artigos sobre a história e técnicas da gravura; um pedagogo formando uma nova classe de gravadores na Escola de Gravura em Madeira e Litografia no Centro de Melhoramentos das Classes Laboriosas (fundada em 1862), nomeadamente Caetano Alberto, que será um dos mais directos colaboradores do mestre Raphael.
Como já anteriormente referi, a sua revolução técnica, para além de um aperfeiçoamento da utilização do buril, é a mudança de influência da escola inglesa para a francesa com maior cunho realista. A base da sua filosofia criativa está virtualmente nestas palavras transcritas na revista “Arte e Vida” em 1905: «Quereis ser historiador fiel, moralista sagaz, filósofo profundo ? Nada mais fácil. Apresentai a verdade em expressão tão singela, ou em traço tão franco, como ela o é em si. Não a procureis, porque está por toda a parte, constantemente ao pé de vós, e em vós. É a planta, e a ave, e o homem, e todos esse infinitos milhões de seres que povoam e constituem o universo.»
«Tendes olhos para ver, ouvidos para ouvir, alma para sentir, boca para expressar. É quanto basta. Olhai esses seres, dizei na linguagem comum o que vedes, o que ouvis, o que sentis, e tereis achado, descrito, mostrado a verdade a todos, mais rápida, mais fácil, mais positivamente, do que o sábio que consome anos inteiros am achar a solução dum problema, clara a poucos, e , muitas vezes, errónea.»
«É o que tem feito Gavarni, é o que fez Béranger, os poetas mais queridos do povo francês.»
O realismo aparece em Nogueira da Silva como luta social, integrada na sua obra política sindical, como critica á sociedade, como costumbrismo satírico, como caricatura, e dessa forma se apresenta como o primeiro grande mestre do desenho satírico português, onde muito naturalmente um mestre que nunca se apresentou como seu discípulo, ou seja Raphael, foi beber as primeiras influências. Pena é que a sua obra tinha sido curta, como foi a sua vida, e que a grande maioria das suas obras se tenham perdido, restando apenas os jornais em degradação.
Viria a falecer a 13 de Março de 1868.
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
A 15 de Maio de 1856 lança o “Jornal para Rir”, que testemunha a grande influência francesa neste artista (o que contraria a influência inglesa do princípio do século) e em que o próprio titulo é a tradução do jornal francês burlesco mais importante da época. No Prospecto-Specimen lançado como anuncio da saída do jornal pode-se ler:
«Semanário Comico, Phophético e Satyrico»
(com gralha tipográfica, já que no jornal virá de pois prophético)
Fundado por Francisco Augusto Nogueira da Silva
«Entre tantos jornaes sisudos, bem era que apparecesse um para rir.»
«Entre tantos que andam sempre de viseira caida, devia haver um que andasse sempre com a carinha n’agua.»
«Entre tantos a choramigar, haja tambem um a galhofar.»
«Entre tentos sempre amofinados, haja um que não queira saber de desgraças.»
«Tal é o pensamento da publicação do JORNAL PARA RIR.»
«A imprensa não se inventou para infrenesiar os leitores, mas sim para os tirar dos seus cuidados. Esta é que é a sua verdadeira missão.»
«Quando o velho Coster se lembrou de abrir as lettras do alphabeto em carapetas de madeira, foi para divertir os netos, e para os mover a riso, mostrando-lhes enfiadinhas de palavras, como se fossem rosários.»
«Tal é a origem da typographia. Guttemberg achou já o comer feito, foi só pôl-o ao lume, para fundir o que Lourenço Coster havia confeitado. A caricatura aqui precedeu o typo.»
«A origem dos jornaes não é menos divertida.»
«Demócrito foi redactor d’um jornal para rir, com caricaturas, que eram as visagens que elle próprio fazia, pois era feio como um bode. Tinha por leitores todos os janotas e gebos da Thracia, e juntou um cabedalão com esta empresa, porque zombava e não tinha collaboradores, bem entendido.»
«Heráclito teve também o seu jornal, mas era para chorar, porque era um jornal político. Teve que se habilitar, foi ao jury uma poucas de vezes, não havia já quem o lêsse, por que ninguem está para aturar um chorão, e a final saiu de Epheso em penhado até ás orelhas, indo sumir-se e viver a monte, quando não davam-lhe cal o da pelle.»
«Não intendeu a missão do jornalista, e mais era philosopho, por isso teve mau fim.»
«Demócrito seguiu outro rumo, pelo que vive ainda risonhamente na memória dos homens.»
«Ir-lhe-hemos na pista. Oxalá que sejamos tão bem succedidos.»
«Não pensem porem que havemos de zombar as coisas ou das pessoas sérias. São ellas tão poucas entre nós, que para lá chegarmos com a ponta do buril ou com os bicos da penna, fôra preciso que o jornal durasse um século, tempo ainda não suficiente para dar vasão aos assumptos burlescos, e as figuras ridículas de que o nosso mundo vae raso.»
«Não talharemos nunca jamais carapuças de medida. Faremos obra para a loja, e o mercado as distribuirá a quem quizer. O contrário seria infamarmo-nos com personalidades, coisa tão repugnante ás boas artes como ás boas lettras, que desejamos reunir e abraçar nesta risonha e festiva publicação.»
«As estampas e os artigos, figuram aqui as alfaias de uma guarda-roupa de theatro comico. Só irão bem aos que representarem o papel correspondente. Não se distribuem os papeis, cada qual toma o que lhe pertence - e quem não quizer ser lobo, não lhe vista a pelle.»
«Tal é o succinto programma do JORNAL PARA RIR.»
«Todavia: Rira bien, qui rira le dernier»
Este jornal, que uma qualidade bem superior ao resto dos jornais humorísticos, infelizmente teve curta duração, por desinteligências entre os sócios, ou seja Nogueira da Silva e o redactor Francisco Fernandes Lopes, os quais surgem no nº3 da 2ª série de 31 de Agosto de 1957 em vénia de despedida.
A partir desse ano vamos encontrar N.S no “Archivo Pitoresco”, assim como em “O Carnaval” (1858), “Cabrion” (1860/61), “Biblioteca do Cabrion” (1861), “O Escalpelo” (1863), “O Demócrito” (1865), “Boudoir” (1865)… assim como foi o autor de uma série de folhas volantes sob o titulo geral de “Celebridades Contemporâneas” (fala-se de Herculano, Mendes Leal, Latino Coelho, Lopes de Mendonça… só que são raridades, ou já desapareceram totalmente…). Uma das mais celebres folhas volantes criadas por este autor foi a “Apotheose da Charles-et-George2 (sob o pseudónimo de Faffa), que chegou a uma tiragem de 5.000 exemplares e regista um confronto político com a França, e com o apresamento do navio negreiro Charles-Georges. O humor era já um cavalo de batalha na defesa da honra e orgulho nacional.
Foi ilustrador de uma série de livros, onde se destacam as “Obras Completas de Nicolau Tolentino”, ou o “Relatório de uma Viagem á China” de Marques Pereira…
Paralelamente a esta actividade artística, Nogueira da Silva foi também um teórico, tendo escrito diversos artigos sobre a história e técnicas da gravura; um pedagogo formando uma nova classe de gravadores na Escola de Gravura em Madeira e Litografia no Centro de Melhoramentos das Classes Laboriosas (fundada em 1862), nomeadamente Caetano Alberto, que será um dos mais directos colaboradores do mestre Raphael.
Como já anteriormente referi, a sua revolução técnica, para além de um aperfeiçoamento da utilização do buril, é a mudança de influência da escola inglesa para a francesa com maior cunho realista. A base da sua filosofia criativa está virtualmente nestas palavras transcritas na revista “Arte e Vida” em 1905: «Quereis ser historiador fiel, moralista sagaz, filósofo profundo ? Nada mais fácil. Apresentai a verdade em expressão tão singela, ou em traço tão franco, como ela o é em si. Não a procureis, porque está por toda a parte, constantemente ao pé de vós, e em vós. É a planta, e a ave, e o homem, e todos esse infinitos milhões de seres que povoam e constituem o universo.»
«Tendes olhos para ver, ouvidos para ouvir, alma para sentir, boca para expressar. É quanto basta. Olhai esses seres, dizei na linguagem comum o que vedes, o que ouvis, o que sentis, e tereis achado, descrito, mostrado a verdade a todos, mais rápida, mais fácil, mais positivamente, do que o sábio que consome anos inteiros am achar a solução dum problema, clara a poucos, e , muitas vezes, errónea.»
«É o que tem feito Gavarni, é o que fez Béranger, os poetas mais queridos do povo francês.»
O realismo aparece em Nogueira da Silva como luta social, integrada na sua obra política sindical, como critica á sociedade, como costumbrismo satírico, como caricatura, e dessa forma se apresenta como o primeiro grande mestre do desenho satírico português, onde muito naturalmente um mestre que nunca se apresentou como seu discípulo, ou seja Raphael, foi beber as primeiras influências. Pena é que a sua obra tinha sido curta, como foi a sua vida, e que a grande maioria das suas obras se tenham perdido, restando apenas os jornais em degradação.
Viria a falecer a 13 de Março de 1868.