Saturday, December 22, 2007
HISTÓRIA DA CARICATURA EM PORTUGAL (parte 9)
NOGUEIRA DA SILVA – II
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Voltando a Nogueira da Silva. Em 1856, ou seja quase no início da carreira, o “Jornal Para Rir” (nº13 de 7/8/1856, pág. 1), de que era director, biografo-o desta forma, sob a assinatura de L. (Francisco Fernandes Lopes ?).: «As suas tendências artísticas principiaram a manifestar-se desde tenra idade. È verdade que todas as crianças mostram mais ou menos inclinação para as artes plásticas, mas o espirito, o epygramatico, a subtileza satyrica, é um condão especial, que de longe em longe apparece. E uma das duas, ou a monotona disposição destas conveniencias sociaes abafa aquelle que viera a este mundo para ser excepcional, ou a indole nascente encontra o verdadeiro caminho por onde voam mui desaffrontados, para orgulho dos seus um Gavarni, um Cham, um Grandeville.»
«O fundador deste jornal (N.S.) deve a si, aos seus esforços e á sua perseverânça, a reputação que já hoje ninguem lhe nega. E entre-parenthesis se diga, que nem elle a estas horas suspeita o que aqui se está escrevendo a seu respeito, nem, se o advinhasse, permitiria que o fizessem. È modesto, como o verdadeiro talento.»
«Quem o fosse procurar, encontral-o-hia no trabalho, e no estudo. Estudo sim, porque a caricatura, apezar de parecer uma coisa de si frivola e sem consequência, não é senão o resultado da observação das mais positivas phases da sociedade.»
«Rien n’est beau que le vrai.»
«E a caricatura, é a verdade. A Venus de Praxitelles, o Apollo de Belvedere, são ideaes, mas segundo a thoria de Boiteau, não são o bello, porque não são a verdade. A natureza tem mais harmonias que as que Saint-Pierre lhe encontrou, mas é no seu complexo. Cada figura deste interminavel drama, em que vae cada um tomando o seu papel, para o representar como Deus o ajuda, que a grande numero não é lá muito, cada figura, cada personagem desacompanhada, é uma individualidade positiva, e como tal ridicula.»
«Que preferimos !! Um paradoxo ?… Não, nunca houve tamanha verdade, como esta.»
«Il n’y a pas de héros pour son valet de chambre.»
«É assim; o heroe apeado do pedestal, deixa de ser heroe. Cicero com os seus amigos, não era o principe dos oradores; Napoleão como simples mortal. Havia de ter muito de mortal, e talvez de simples uma vez por outra. Os Lusiadas, sem a consagração do tempo, sem a acnonização da estatuária, sem a apotheose do poema, eram, (e não se offenda a nossa gloria nacional) eram uns ousados aventureiros, cada um com o seu traço mais ou menos pronunciado, cada um com a sua phisionomia mais ou menos aproveitavel para o lapis do nosso chistoso gravador, se os podesse observar com os mesmos olhos com que o bom do Gil Vicente caricaturava na scena, os cortezãos del-rei D. Manuel.?
«Frei Paço, por exemplo, o clerigo da Beira, e tantos outros typos creados pelo creador do theatro portuguez, não eram verdadeiras charges daquillo mesmo que Luiz de Camões, foi depois solidificar no marmore da epopêa ?»
«Se alguns collaboradores do Cancioneiro de Garcia de Resende disposessem do buril em vez da penna, não teriam feito um grande volume do Jornal para Rir d’aquella epoca ?»
«Os arrenegos de Gregorio Affonso, não contem em si mais verdade histórica, que muitas arrobas de chronicas do tempo ?»
«António Ribeiro o Chiado, com os seus avisos e com aquella bossa humouristica que se revela nos fragmentos que d’elle nos ficaram, não seria hoje um digno physiologista do Chiado, do mysterioso Chiado, com o seu Marrare, com as suas peripécias, com as suas modas, com os seus elegantes, com todas as suas caprichosas mutações, com tudo que elle não podia conhecer, quando lá morava no século XVI ?»
«A heroicidade, o bello ideal, o sentimentalismo, o septimo ceu da imaginação, são formosos artificios que se geram na mente do poeta ou do esculptor.»
«Mr. Daguerre foi o fiat lux das artes plásticas. Pediu ao sol o que os sonhadores nunca lhe souberam pedir.»
«A caricatura, é o deguerreotypo, com esta única differença, que lá, é a maquina quem se encarrega do retrato; aqui, são as reminiscências do artista, quem vem photographar como buril as mais salientes feições da sociedade com quem convivemos.»
«Nogueira da Silva tem um futuro. Introduziu nesta terra um género em que os paízes de mais sociabilidade estãp primando; mas está-o aclimatando, sem copiar servilmente pensamentos alheios. Tem invenção e inventa, com a grande vantagem de que o campo que explora não estava devassado. E que sáfara que não se lhe apresenta ao lápis ? O ridículo, o ridículo em Portugal é mina tão rica de inspirações, como o são de oiro as mais ricas da Australia. A arte é que neste paíz o não é, nem mesmo de cobre, para quem quer que seja.»
«E que se lhe importa o nosso Grandeville portuguêz com as suas promessas, ou com os seus desenganos ? O artista não sabe fazer orçamentos. Em quano não há deficcit, gasta. Em o havendo, trabalha. Assim se explicam muitas intermittencias, que o vulgo attribue a priguiça. Priguiça, é pecado vedado para o artista. Não trabalhar, é o repouso, é a transição para outra concepção, é uma necessidade, como qualquer outra. E se fora priguiça, que diriamos do fabuloso intervallo que mediou entre os espirituosos croquis e pochades com que Nogueira da Silva se estreou no Almanak da revista Popular para 1851 e na Semana, de saudosa memoria, até ao epílogo da paz com que em maio de 1856 abriu a primeira série desta folha ?»
«O genero que cultiva já não morre aqui. Era indispensável a sua cultura, com o é a telegraphia electrica, como o são os caminhos de ferro, como o é muita cousa de que agora nos não lembramos e outras muitas que estão ainda por inventar.»
O mais interessante deste texto são as definições de humor e caricatura, já diferentes da do Patriota, poucos anos antes, e onde se põe em paralelo os avanços técnicos da reprodução da imagem, ou seja a fotografia/deguerreotypo. Não nos esqueçamos que as primeiras fotografias nascerem nas mãos de caricaturistas franceses, e que Raphael Bordalo Pinheiro será dos primeiros em Portugal a ter uma dessas máquinas…
Em 1885 um seu discípulo, Caetano Alberto (que em 1874 já tinha feito um primeiro esboço no Diário Illustrado nº555 de Março), apresenta uma biografia subjectiva sobre todo o percurso de Nogueira da Silva. Dessa forma ficamos a saber que « por 1853 ou 54, Nogueira da Silva tinha abandonado o curso de marinha, que encetára de má vontade, e unicamente por obediência aos desejos paternaes; sentia-se melhor com os seus lápis e com os seus pinceis de aguarella e de miniaturas; já tinha experimentado os buris na officina de lavrantes do Arsenal do Exército, para onde entrára aos 12 anos; lembrava-se com saudade dos gessos que copiára na Aacdemia de Bellas Artes de Lisboa que frequentára por algum tempo; e n’este meio em que se julgava feliz, com aquella coragem e abnegação que acompanha os artistas de raça através de todas as contrariedades e privações, porque ellas as tinha, abandonado da protecção paterna, por não ter seguido a carreira da marinha, Nogueira da Silva procurava onde empregar a sua actividade artística sem encontrar remuneração para ella.»
«/…/ Os trabalhos de desenho não tinham cotação no mercado. As miniaturas eram monopólio do Santa Barbara, e Nogueira da Silva raras fazia. Lembrou-se de traduzir um romance e de o distribuir impresso, ás folhas de 16 páginas a 40 reis cada uma - esta ideia n’aquelle tempo era perfeitamente original - mas isso pouco deu, ninguem queria lêr e a obra não se concluiu.»
«Deparou-se-lhe um outro meio inesperado, que principiou por o cegar e depois por lhe dar alguns pintos a ganhar.»
«Nogueira da Silva teve uma horrivel doença de olhos, em que esgotou todo os recursos da medicina escholástica e caseira. Tentou então curar-se com a medicina de Respail.»
«Comprou um manual, leu com grande difficuldade algumas páginas e encontrou remédio para a sua doença, aquelle livro ficou sendo para elle um thesouro; restituira-lha a sua preciosa vista, e as suas páginas eram paginas de ouro que dia a dia se iriam desfolhando»
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Voltando a Nogueira da Silva. Em 1856, ou seja quase no início da carreira, o “Jornal Para Rir” (nº13 de 7/8/1856, pág. 1), de que era director, biografo-o desta forma, sob a assinatura de L. (Francisco Fernandes Lopes ?).: «As suas tendências artísticas principiaram a manifestar-se desde tenra idade. È verdade que todas as crianças mostram mais ou menos inclinação para as artes plásticas, mas o espirito, o epygramatico, a subtileza satyrica, é um condão especial, que de longe em longe apparece. E uma das duas, ou a monotona disposição destas conveniencias sociaes abafa aquelle que viera a este mundo para ser excepcional, ou a indole nascente encontra o verdadeiro caminho por onde voam mui desaffrontados, para orgulho dos seus um Gavarni, um Cham, um Grandeville.»
«O fundador deste jornal (N.S.) deve a si, aos seus esforços e á sua perseverânça, a reputação que já hoje ninguem lhe nega. E entre-parenthesis se diga, que nem elle a estas horas suspeita o que aqui se está escrevendo a seu respeito, nem, se o advinhasse, permitiria que o fizessem. È modesto, como o verdadeiro talento.»
«Quem o fosse procurar, encontral-o-hia no trabalho, e no estudo. Estudo sim, porque a caricatura, apezar de parecer uma coisa de si frivola e sem consequência, não é senão o resultado da observação das mais positivas phases da sociedade.»
«Rien n’est beau que le vrai.»
«E a caricatura, é a verdade. A Venus de Praxitelles, o Apollo de Belvedere, são ideaes, mas segundo a thoria de Boiteau, não são o bello, porque não são a verdade. A natureza tem mais harmonias que as que Saint-Pierre lhe encontrou, mas é no seu complexo. Cada figura deste interminavel drama, em que vae cada um tomando o seu papel, para o representar como Deus o ajuda, que a grande numero não é lá muito, cada figura, cada personagem desacompanhada, é uma individualidade positiva, e como tal ridicula.»
«Que preferimos !! Um paradoxo ?… Não, nunca houve tamanha verdade, como esta.»
«Il n’y a pas de héros pour son valet de chambre.»
«É assim; o heroe apeado do pedestal, deixa de ser heroe. Cicero com os seus amigos, não era o principe dos oradores; Napoleão como simples mortal. Havia de ter muito de mortal, e talvez de simples uma vez por outra. Os Lusiadas, sem a consagração do tempo, sem a acnonização da estatuária, sem a apotheose do poema, eram, (e não se offenda a nossa gloria nacional) eram uns ousados aventureiros, cada um com o seu traço mais ou menos pronunciado, cada um com a sua phisionomia mais ou menos aproveitavel para o lapis do nosso chistoso gravador, se os podesse observar com os mesmos olhos com que o bom do Gil Vicente caricaturava na scena, os cortezãos del-rei D. Manuel.?
«Frei Paço, por exemplo, o clerigo da Beira, e tantos outros typos creados pelo creador do theatro portuguez, não eram verdadeiras charges daquillo mesmo que Luiz de Camões, foi depois solidificar no marmore da epopêa ?»
«Se alguns collaboradores do Cancioneiro de Garcia de Resende disposessem do buril em vez da penna, não teriam feito um grande volume do Jornal para Rir d’aquella epoca ?»
«Os arrenegos de Gregorio Affonso, não contem em si mais verdade histórica, que muitas arrobas de chronicas do tempo ?»
«António Ribeiro o Chiado, com os seus avisos e com aquella bossa humouristica que se revela nos fragmentos que d’elle nos ficaram, não seria hoje um digno physiologista do Chiado, do mysterioso Chiado, com o seu Marrare, com as suas peripécias, com as suas modas, com os seus elegantes, com todas as suas caprichosas mutações, com tudo que elle não podia conhecer, quando lá morava no século XVI ?»
«A heroicidade, o bello ideal, o sentimentalismo, o septimo ceu da imaginação, são formosos artificios que se geram na mente do poeta ou do esculptor.»
«Mr. Daguerre foi o fiat lux das artes plásticas. Pediu ao sol o que os sonhadores nunca lhe souberam pedir.»
«A caricatura, é o deguerreotypo, com esta única differença, que lá, é a maquina quem se encarrega do retrato; aqui, são as reminiscências do artista, quem vem photographar como buril as mais salientes feições da sociedade com quem convivemos.»
«Nogueira da Silva tem um futuro. Introduziu nesta terra um género em que os paízes de mais sociabilidade estãp primando; mas está-o aclimatando, sem copiar servilmente pensamentos alheios. Tem invenção e inventa, com a grande vantagem de que o campo que explora não estava devassado. E que sáfara que não se lhe apresenta ao lápis ? O ridículo, o ridículo em Portugal é mina tão rica de inspirações, como o são de oiro as mais ricas da Australia. A arte é que neste paíz o não é, nem mesmo de cobre, para quem quer que seja.»
«E que se lhe importa o nosso Grandeville portuguêz com as suas promessas, ou com os seus desenganos ? O artista não sabe fazer orçamentos. Em quano não há deficcit, gasta. Em o havendo, trabalha. Assim se explicam muitas intermittencias, que o vulgo attribue a priguiça. Priguiça, é pecado vedado para o artista. Não trabalhar, é o repouso, é a transição para outra concepção, é uma necessidade, como qualquer outra. E se fora priguiça, que diriamos do fabuloso intervallo que mediou entre os espirituosos croquis e pochades com que Nogueira da Silva se estreou no Almanak da revista Popular para 1851 e na Semana, de saudosa memoria, até ao epílogo da paz com que em maio de 1856 abriu a primeira série desta folha ?»
«O genero que cultiva já não morre aqui. Era indispensável a sua cultura, com o é a telegraphia electrica, como o são os caminhos de ferro, como o é muita cousa de que agora nos não lembramos e outras muitas que estão ainda por inventar.»
O mais interessante deste texto são as definições de humor e caricatura, já diferentes da do Patriota, poucos anos antes, e onde se põe em paralelo os avanços técnicos da reprodução da imagem, ou seja a fotografia/deguerreotypo. Não nos esqueçamos que as primeiras fotografias nascerem nas mãos de caricaturistas franceses, e que Raphael Bordalo Pinheiro será dos primeiros em Portugal a ter uma dessas máquinas…
Em 1885 um seu discípulo, Caetano Alberto (que em 1874 já tinha feito um primeiro esboço no Diário Illustrado nº555 de Março), apresenta uma biografia subjectiva sobre todo o percurso de Nogueira da Silva. Dessa forma ficamos a saber que « por 1853 ou 54, Nogueira da Silva tinha abandonado o curso de marinha, que encetára de má vontade, e unicamente por obediência aos desejos paternaes; sentia-se melhor com os seus lápis e com os seus pinceis de aguarella e de miniaturas; já tinha experimentado os buris na officina de lavrantes do Arsenal do Exército, para onde entrára aos 12 anos; lembrava-se com saudade dos gessos que copiára na Aacdemia de Bellas Artes de Lisboa que frequentára por algum tempo; e n’este meio em que se julgava feliz, com aquella coragem e abnegação que acompanha os artistas de raça através de todas as contrariedades e privações, porque ellas as tinha, abandonado da protecção paterna, por não ter seguido a carreira da marinha, Nogueira da Silva procurava onde empregar a sua actividade artística sem encontrar remuneração para ella.»
«/…/ Os trabalhos de desenho não tinham cotação no mercado. As miniaturas eram monopólio do Santa Barbara, e Nogueira da Silva raras fazia. Lembrou-se de traduzir um romance e de o distribuir impresso, ás folhas de 16 páginas a 40 reis cada uma - esta ideia n’aquelle tempo era perfeitamente original - mas isso pouco deu, ninguem queria lêr e a obra não se concluiu.»
«Deparou-se-lhe um outro meio inesperado, que principiou por o cegar e depois por lhe dar alguns pintos a ganhar.»
«Nogueira da Silva teve uma horrivel doença de olhos, em que esgotou todo os recursos da medicina escholástica e caseira. Tentou então curar-se com a medicina de Respail.»
«Comprou um manual, leu com grande difficuldade algumas páginas e encontrou remédio para a sua doença, aquelle livro ficou sendo para elle um thesouro; restituira-lha a sua preciosa vista, e as suas páginas eram paginas de ouro que dia a dia se iriam desfolhando»